Pertence à metafísica definir e dividir a. noção de qualidade que seja válida tanto para o mundo espiritual quanto para o mundo corporal. O discernimento da qualidade corresponde a uma experiência primeira, impossível de ser reduzida a coisa mais simples.: “Chamo qualidade àquilo em razão de que um ser é dito ser tal” (Aristóteles, Categorias, c. 8, 8 b 25). Em sentido mais amplo o fato de qualificar se estende à própria diferença substancial, quer dizer, àquilo que faz com que fundamentalmente tal coisa seja determinantemente uma e não outra. Em sentido estrito, a qualidade designa as modificações acidentais que na ordem da especificação se acrescentam à substância já constituída em si mesma.
Há aparentemente nesta questão uma oposição total entre a física de Aristóteles e o conjunto dos sistemas inspirados na ciência moderna que comumente se designam pelo epíteto, bastante impreciso aliás, de mecanicista. Para o mecanicismo deve-se distinguir duas ordens de qualidades: as qualidades primeiras, extensão, figura, movimento, e as qualidades segundas, cor, odor, sabor, etc. Sendo as qualidades primeiras as únicas manifestadas como objetivas, pode-se com base nesta distinção constituir um sistema explicativo da natureza de caráter essencialmente matemático. Observemos que, de fato, o mecanismo, mesmo em suas formas mais rígidas, jamais conseguiu eliminar completamente o elemento qualitativo do mundo corporal: os átomos de Demócrito tinham ainda cada um sua figura, e a extensão amorfa da física cartesiana tornou-se universo somente pela intervenção de movimentos diferenciadores. Mais que uma supressão total, o mecanicismo marca a tendência a esquematizar e a simplificar ao máximo na ordem da qualidade sensível.
Para o Estagirita, ao contrário, o conjunto dos dados qualitativos, tais como são percebidos pelos sentidos, tinha uma realidade objetiva. Além disso deve-se reconhecer que tôda ordem de mutação física tem seu princípio imediato na qualidade, no movimento qualitativo propriamente dito, na alteração, estando na origem dos outros movimentos. E claro que em tal sistema a qualidade tem um valor e uma função de importância diferente da que se encontra nas explicações precedentes.
Que concluir desta oposição? Aqui faremos múltiplas considerações. Observemos que é necessário sobretudo não confundir os diferentes planos de explicação. Nada melhor que o estudioso prefira abordar os fenômenos da natureza pelo aspecto da quantidade, a qual se presta a medidas precisas, e que ele seja conduzido assim a simplificações sob o ponto de vista das qualidades. Mas, se se trata de construir a filosofia do ser da natureza, quer dizer de estudá-lo em tudo aquilo que ele é, e voltando-se aos últimos princípios, parece que a ordem da qualidade retoma todos os seus direitos em face dos da quantidade. Por outro lado, mesmo no domínio peculiar da ciência como cada vez mais se constata, parece impossível se negligenciar absolutamente a qualidade. O mecanicismo teve sua época como sistema de explicação exaustiva. Em princípio não se estabelece, portanto, que uma filosofia física na qual a qualidade tem um papel primordial, como a de Aristóteles, não possa estar em harmonia com a ciência atual. [GArdeil]