utensílio

O ente que faz encontro na ocupação, denominamos o utensílio. O que se encontra no uso, são utensílios para escrever, para cozer, para efetuar um trabalho manual, para se deslocar, para medir. O modo de ser do utensílio deve ser destacado. O que faremos tomando por fio condutor uma prévia delimitação do que faz de um utensílio um utensílio, a utensilidade.

Um utensílio, em todo rigor não existe. O ser do utensílio pertence sempre a um complexo de utensílios no seio do qual ele pode ser este utensílio que ele é. O utensílio é essencialmente “alguma coisa para…”. As diversas nuances do “para…” como o serviço, a utilidade, a empregabilidade ou a manualidade constituem uma totalidade de utensílios. Na estrutura do “para…” está contido um remetimento de algo para algo. O fenômeno indicado por este termo só poderá ser manifesto em sua gênese ontológica no curso das análises que seguem. Provisoriamente, convém dispôr sob o olhar uma multiplicidade de remetimentos. O instrumento, conforme sua utensilidade, é sempre por sua pertinência a um outro utensílio: o escritório, a caneta, a tinta, o papel, a mesa, a luminária, os móveis, as janelas, as portas, o cômodo. Estas “coisasnão começam a se mostrar para elas mesmas, para constituir em seguida uma soma de realidade própria a preencher um cômodo. O que faz de pronto encontro, sem ser apreendido tematicamente, é o cômodo, e ainda este não é o “intervalo entre quatro paredes” em um sentido espacial geométrico — mas um utensílio da habitação. É a partir dele que se mostra a “gestão”, e é nele que aparece a cada vez tal utensílio “singular”. Antes de tal e tal utensílio, uma totalidade de utensílios é a cada vez já descoberta.

O uso específico do utensílio, onde este somente pode se manifestar autenticamente em seu ser, por exemplo o fato de martelar com o martelo, não apreende tematicamente este ente como coisa aditada, assim como a utilização mesma não tem conhecimento da estrutura do utensílio enquanto tal. O martelamento não tem simplesmente a mais um saber do caráter do utensílio martelo, mas ele se apropriou deste utensílio tão adequadamente quanto possível. Em um tal uso que se serve de…, a ocupação se submete ao para… constitutivo daquilo que é a cada vez utensílio; mas a coisa-martelo é simplesmente “visada”, quanto mais é utilizada eficazmente e mais original é a relação a ela, mais manifestamente ela faz encontro como aquilo que ela é — como utensílio. É o martelar ele mesmo que descobre o “manuseio” específico do martelo. O modo de ser do utensílio, onde ele se revela a partir dele mesmo, nós denominamos ser-à-mão. É somente porque o utensílio tem este “ser-em-si”, em lugar de limitar a sobrepor-se, que ele é manipulável no sentido mais amplo e disponível. [Ser e Tempo, trad. E. Martineau]