Morus, Santo Tomás (1478-1535)
Lorde chanceler da Inglaterra de 1529 a 1532. Enfrentou Henrique VIII em razão de seu divórcio, renunciando ao cargo de chanceler. Em 1534, negou-se a aceitar a ata de Supremacia do próprio rei como cabeça da Igreja da Inglaterra. Isso lhe custou o confinamento na Torre de Londres. Depois de 15 anos de cárcere, foi julgado e condenado pela traição de ter-se oposto à ata de Supremacia. Foi decapitado em 1535. Hoje é um dos santos canonizados pela Igreja católica.
Tão apaixonante quanto sua biografia política é sua trajetória como escritor e humanista. Transformou sua casa em Chelsea (Londres) num centro de vida intelectual: Erasmo, J. Colet, W. Grocyn, Luis Vives, Hans Holbein e outros deram testemunho de sua grande humanidade, deixando-nos a imagem de “a man for ali seasons”. Morus, de fato, encarna o perfeito humanista cristão em sua vida e em suas obras. Sua vinculação ao que mais tarde se chamou de “humanismo cristão” fez dele um clássico, junto a seus dois amigos — Erasmo e L. Vives — , desta corrente de pensamento.
— Afama de sua primeira obra, Utopia (15161517), obra de entusiasmo e de juventude a serviço de uma nova pedagogia, inspirada no Elogio da loucura de Erasmo, obscureceu o restante de sua obra. De fato, Morus apenas é conhecido como teólogo que enfrentou a Tyndale e Lutero em suas obras de polêmica escriturística teológica. Também não são conhecidos os seus livros e folhetins de meditação e doutrina espiritual. Desde a Torre, suas cartas são modelo de uma literatura cristã de aceitação da vida e da morte com uma integridade única e superior. Nunca o humanismo cristão esteve tão alto! Hoje, vale a pena ler e meditaras quatro últimas coisas (1522); A ceia do Senhor (1533); O diálogo do consolo (1534); Meditações e orações (1535).
— A Utopia de Morus é um livro de significado muito profundo. Trata de precisar as atitudes fundamentais do humanismo frente ao mundo, considerado do ponto de vista civil. Não é somente uma indagação da sociedade política, mas uma análise da ótima constituição do Estado capaz de garantir a liberdade total do homem. “Os princípios dessa república olham em especial esta meta: subtrair a todos à sujeição do corpo e levá-los à liberdade da cultura e do espírito, enquanto o consentirem as necessidades públicas. Aqui está, pensam os ‘utopianos’, a verdadeira felicidade da vida”.
— No plano social, propõe a abolição da propriedade privada, causa de todos os males de que padece a sociedade inglesa em que vive. A raiz do mal está, portanto, na organização da sociedade e não na maldade da natureza humana: a instituição típica de uma sociedade, que consente ao rico despojar e maltratar o pobre, é a propriedade privada; por conseguinte, deve-se aboli-la. Como contrapartida a tal princípio, esboça-se na segunda parte de Utopia: a) Uma comunidade de bens, baseada na igualdade de oportunidades para todos os cidadãos, b) O trabalho — seis horas diárias — é o tributo que todo cidadão deve pagar à comunidade para que esta consiga o bem-estar comum, c) Supressão do dinheiro e dos metais preciosos como desnecessários, já que a sociedade decide e facilita tudo o que os cidadãos necessitam, d) Alimento, vestimenta, casa, serviços educacionais e sanitários para todos fazem da Utopia a sociedade do bem-estar, a Eutopia.
— No plano moral, a Utopia moreana oferece grandes contrastes com a moral de seu tempo: a) Apoia decididamente uma política de paz como um bem em si mesmo, e à qual deve subordinar toda outra política, b) Organização democrática da sociedade em que todos os cargos se fazem com justiça e por eleição dos delegados do povo. c) Sociedade baseada na célula do matrimônio monogâmico — permite-se o divórcio por causas graves — e na família patriarcal e tribal, d) Aceitação do princípio epicúreo do prazer–felicidade. Em tudo o homem deve procurar o prazer e a felicidade e repudiar a dor. e) Pela primeira vez, aborda o cuidado dos anciãos, a eutanásia, o celibato dos sacerdotes, a criação e o fomento da guerrilha com dinheiro do Estado, a formação das colônias e o cultivo de terras, o problema dos conselheiros e conselhos de reis, dos advogados, dos clérigos, dos desempregados etc.
— No plano religioso — desde a simples racionalidade — , a Utopia propõe: a) Uma religião baseada num só Deus, princípio e fim de tudo, criador e mantenedor de todas as coisas, b) Aceitação do cristianismo como forma superior de religião, embora defenda a liberdade de religiões ou credos, c) O Estado não pode impor pela força, e contra os indivíduos, uma religião particular, nem mesmo o cristianismo. Condena-se todo tipo de proselitismo fanático, d) A religião toma parte da entranha e da natureza do homem, de forma que quem não reconhece Deus não pode ser um bom cidadão e não pode exercer cargos públicos, e) A contemplação da natureza leva ao reconhecimento de um ser superior, Deus, que recebe diversos nomes segundo os povos.
— Dificilmente se pode medir a influência de Morus desde a sociedade de seu tempo até nossos dias.
BIBLIOGRAFIA: Obras: The Yale Edition of Complete Works of St. Thomas More. Editadas por Louis L. Martz e Richard S. Sylvester. Nova York e Londres 1963s., 16 vols.; E. F. Rogers, The correspondence of Sir Thomas More. Edição crítica. Princeton University Press, 1947; A. Prévost, L’Utopie de Thomas More. Présentation, texte original, apparat critique, exégèse, traduction et notes. Paris 1978; Un hombre solo (Cartas desde la torre); Diálogo de la fortaleza contra la tribulación; La agonia de Cristo. Rialp; Utopia. Edição completa tomada do original de 1518. Versão de Pedro R. Santidrián. Alianza Editorial, Madrid 1984; A. Vázquez Prada, Sir Tomás Moro, Lord Canciller de Inglaterra. Rialp, Madrid. (Santidrián)