Marsílio de Pádua (c. 1280-c. 1343) Marsílio Mainardini principiou provavelmente sua educação universitária em Pádua e continuou-a em Paris, onde sua presença está documentada como reitor da Universidade em 1313, e onde teria estudado filosofia, medicina e, mais tarde, teologia. Após um período a serviço de senhores gibelinos lombardos, regressou a Paris, onde completou sua principal obra, Defensor Pacis (Defensor da Paz) em 1324. Quando em 1326 se tornou conhecida sua autoria dessa obra, Marsílio fugiu na companhia do averroísta de Paris, João de Jandun, buscando a proteção do rei dos romanos, Luís, o Bávaro, que tinha sido excomungado pelo papa João XXII; em 1327, seus escritos foram condenados como heréticos. Em 1328, acompanhou Luís a Roma e pode ter ajudado a redigir o decreto de deposição de João XXII. Após seu regresso à Alemanha, parece ter passado a maior parte de seu tempo na corte de Luís, até sua morte antes de abril de 1343.
Em Defensor Pacis, Marsílio propõe-se descobrir a causa principal da luta que estava destruindo a Itália e encontrou-a na usurpação da autoridade secular pelo Papado e a consequente perturbação da ordem correta de Igreja e Estado. A primeira das duas partes, ou Discursos, da obra examina essa ordem no Estado; a segunda, na Igreja; sua finalidade é demolir a doutrina hierocrática do Papado. A teoria política de Marsílio, tal como se expõe no Discurso I, baseia-se em Aristóteles mas difere do aristotelismo de seu tempo em sua concepção radicalmente naturalista do Estado como tendo por função exclusiva servir ao homem em sociedade. A lei, como o próprio Estado, é independente de uma lei superior; sua essência é a observância compulsória do que ela decreta, e sua fonte o povo — o “legislador humano”, ou sua “parte mais ponderável” — o qual também elege o governo. Por conseguinte, o governante deriva sua autoridade do povo soberano, que pode corrigi-lo ou mesmo depô-lo. A teoria do Estado de Marsílio aplica-se tanto a monarquias quanto a repúblicas; seus aspectos republicanos relacionam-se com as instituições e os problemas das cidades-república, no período inicial de despotismo. O clero forma parte do Estado e está, como o governante, sujeito à vontade do povo e, por conseguinte, à do governante que foi por este eleito. No seio da Igreja, que consiste em clero e laicado, a fonte primordial de autoridade é, por sua vez, o corpo de fiéis como um todo, representado pelo concílio geral, ao qual o papa está sujeito e pelo qual poderá ser deposto. Marsílio não só rejeita a doutrina da plenitude papal de poder; ao negar o primado do Papado, subverte toda a estrutura hierocrática da Igreja e reverte o relacionamento estabelecido entre papa e concílio.
No Discurso II, o “legislador humano” torna-se praticamente sinônimo de governante e, por conseguinte, dotado de autoridade absoluta. Argumentou-se que o objetivo básico da obra foi, desde o começo, justificar o poder supremo do imperador. Mais tarde, em Defensor Minor, Marsílio certamente usou conclusões obtidas em sua obra principal a fim de garantir os alicerces teóricos para o absolutismo imperial; mas a estrutura Republicana do Estado, tal como foi exposta no Discurso I, é por demais evidente para que esse argumento seja plausível, e é preferível explicar essa aparente incoerência como uma transição do Republicanismo para o Absolutismo. Essa mudança foi concluída no Defensor Minor, onde Marsílio explicitamente afirma que o povo romano, pela lex regia, conferiu seus poderes ao imperador.
Depois de juntar-se a Luís, a atividade literária de Marsílio foi dominada pela defesa do Império. O De translatione Imperii, embora reproduzindo praticamente o texto de um tratado papista de Landolfo Colonna, refuta seu argumento de que o imperador devia sua autoridade ao Papado como resultado dos papas terem transferido o império dos gregos para os francos e dos francos para os alemães; pois como Marsílio já tinha argumentado no Defensor Pacis, tais transferências só podiam ser legitimamente decretadas pelo ‘legislador humano”.
No Defensor Minor, composto provavelmente em 1340, Marsílio submete uma vez mais a doutrina papista a uma crítica que, embora resumindo argumentos expostos em Defensor Pacis (Discurso II), dá-lhes uma tendência definitivamente absolutista. A segunda parte do tratado refere-se ao caso matrimonial da condessa de Tirol. Marsílio defendeu num trabalho escrito para esse fim (o Tractatus de jurisdictione imperatoris in causis matrimonialibus) o direito do imperador de dissolver o casamento anterior da condessa para que ela pudesse casar com o filho dele; no Defensor Minor, argumenta ele que o Papado tinha usurpado não só a autoridade temporal mas também a espiritual do imperador. (DIM)
Marsílio de Pádua (1275-1343)
Pensador político radical que encabeçou a polêmica contra o papado e a favor da reforma da Igreja. Elaborou uma teoria totalmente leiga do Estado. A Igreja, segundo ele, não somente deve respeitar a autonomia do poder temporal, mas também submeter-se a ele. Marsílio de Pádua figura na história do pensamento político como elemento ucrônico: suas grandes teses inovadoras esperariam séculos até encontrar uma correspondência nos fatos. E considerado como “precursor do absolutismo moderno”, e cabeça e inspirador da corrente reformadora da sociedade e da Igreja europeias dos séculos XIV-XV. Sua influência é evidente em figuras como J. Wyclef (1330-1418), J. Huss (1370-1415), Jerônimo de Praga (1370-1416) e inclusive no mesmo movimento reformador de Lutero.
Nasceu em Praga e morreu em Munique. Sua vida acadêmica esteve vinculada à Universidade de Paris, onde estudou e de onde foi reitor (1312-1313). Aqui mesmo fez amizade com Jean de Jandum, um dos principais “averroístas latinos” da época. As denúncias por essa amizade e colaboração na obra de Marsílio, Defensor pacis (1324), obrigaram ambos a refugiar-se em Nürenberg (1327), na corte de Luís da Baviera.
Embora incluído comumente dentro da corrente “averroísta”, Marsílio não se destacou nunca nas pesquisas de filosofia natural e metafísica, mas sim na filosofia política e em seu propósito de reforma religiosa. Por essas causas passou à história. Fruto desta opção política são suas duas obras principais: Defensor pacis (Paris 1324) e Defensor minor (por volta de 1341-1342).
— Defensor pacis estabelece, pela primeira vez, a doutrina do Estado em coerência vigorosa desde a teoria aristotélica, e em oposição substancial à doutrina política de Santo Tomás. Neste Estado, auto-suficiente e particular: a) O poder decisório corresponde à comunidade que, em função de “legislator humanus”, exerce-o legislando e deliberando, b) A administração efetiva do Estado — poder executivo e sindical — foi confiada à comunidade por eleição de um órgão: a um magistrado individual ou a um colégio restrito, que o exerce sob o controle da comunidade, c) As leis positivas são as únicas que regulam a vida dos cidadãos, d) Em consequência, as leis naturais — e as mesmas leis divinas — perdem toda relevância. Reduzem-se a um simples dever de consciência, sem vinculação jurídica alguma.
Dentro da harmonia dessa estrutura jurídica do Estado, o papado e a Igreja de Roma não são mais do que uma desordem e ameaça à tranquilidade da “policia civilis”.
Em consequência, na segunda parte de sua obra estabelece uma disputada polêmica contra a Cúria Romana. Nela pretende: a) Separar a hierarquia sacerdotal da “ecclesia fidelium”. b) Identificar a sociedade civil com a comunidade dos fiéis, confiando a um administrador fiel os assuntos religiosos, c) Reduzir o sacerdócio a urna simples função de cada Estado.
Com isso, tenta derrubar o sistema político-eclesiástico de seu tempo e apropria constituição da Igreja. E, finalmente, mostra a inutilidade do papado e de seu “universalis episcopatus”.
— No Defensor minor é, no entanto, mais radical ainda, se é possível. Entre outras ideias: a) Não se admite a fragmentação definitiva da “respublica Christiana” numa pluralidade de Igrejas nacionais, b) Vê no concílio geral, passando por cima da autoridade do papa, o expediente adequado para assegurar a homogeneidade e a unidade dos fiéis, c) Discute o problema técnico para convocar o concílio sem recorrer ao papa.
BIBLIOGRAFIA: Obras: Defensor pacis. Edição crítica de C. W. Previté-Orton, Cambridge 1928; Defensor minor. Edição crítica de C. H. Brampton, Birmingham 1922; El defensor de la paz. Tradução espanhola de Luis Martínez Gómez (Clásicos del pensamiento). Madrid 1980. (Santidrián)