manuscrito

Um livro manuscrito era redigido para ser lido, e podia ser ilustrado para reforçar a mensagem do texto e torná-lo mais atraente aos olhos. Para a crítica textual e, na verdade, para toda a história da cultura literária na Antiguidade e na Idade Média, os manuscritos são a nossa fonte fundamental de conhecimentos e graças à sua quantidade e excelente estado de conservação, também são de importância comparável para a história da arte medieval. Disciplinas especializadas, a paleografia e a codicologia, também estão interessadas em certos aspectos dos manuscritos; a primeira ocupa-se da leitura, datação e localização da caligrafia, tanto em documentos quanto em livros; a segunda, dos materiais, técnicas e pessoal envolvidos na produção de códices, que constituem a forma característica dos manuscritos em pergaminho, análoga ao formato dos livros impressos que lhes sucederam. Estreitamente associados à paleografia estão o estudo de inscrições (epigrafia), e o estudo da forma, conteúdo e produção de documentos e diplomas antigos (diplomática). No que concerne à decoração e ilustração, a codicologia pode, na prática, ser indistinguível da história da arte; com efeito, a paleografia, a codicologia, a filologia e a história da arte encontram-se em um relacionamento simbiótico.

A nomenclatura do final da Antiguidade para letra manuscrita incluía as literae virgilianae, sem dúvida para as capitais rústicas, e as literae africanae, talvez para as semi-unciais. Do começo da Idade Média, poderíamos citar como escritas pouco comuns: libri scotice scripti para livros em escrita irlandesa em Saint Gall; literae saxonicae para a escrita anglo-saxônica na Inglaterra pós-conquista; in Romana scriptura para um manuscrito em uncial em Canterbury (século XII). Os copistas medievais que substituíram documentos perdidos, por vezes com versões melhoradas, geralmente imitaram uma escrita mais antiga não sem algum anacronismo. De cerca de 1350 em diante, melhores descrições de livros em catálogos de bibliotecas e algumas folhas com matrizes de letras testemunham a existência de uma elaborada coleção de nomes para a escrita literária e para a documental, a qual, porém, é demasiado inconsistente para que possa ser de alguma utilidade para os paleógrafos modernos. Os humanistas italianos reconheceram livros da Antiguidade tardia como codices vetustissimi e a minúscula beneventana como literae langobardicae; o nome por eles dado à nova letra para livros humanísticos, litera antiqua, significou que era de inspiração Carolíngia do século XII, não apenas uma outra variedade da escrita gótica da época.

Alguns manuais de escrita do século XVI incluem exemplos de escritas anteriores que caíram em desuso, mas o estudo histórico sistemático começou com De Re Diplomatica Libri Sex (1681), a obra na qual o historiador beneditino francês Jean Mabillon defendeu com êxito, contra o ceticismo jesuíta, a autenticidade dos documentos oficiais por meio dos quais monarcas merovíngios tinham transferido propriedades para a sua Ordem nos séculos VII e VIII. Como parte de seu estudo sistemático de todos os aspectos de documentos medievais, Mabillon dedicou o seu quinto livro a uma história afim das escritas de livros e documentos latinos. Em Palaeographia Graeca (1708), Bernard de Montfaucon fez para a caligrafia grega o que Mabillon tinha feito para o latim. O equívoco fundamental de Mabillon sobre a relação entre escritas romanas formais e a minúscula pré-carolina foi corrigido por Scipione Maffei, após sua redescoberta da antiga biblioteca da catedral de Verona em 1713; e o monumental Nouveau Traité de Diplomatique (1750-65) por mais dois beneditinos franceses, Tassin e Toustain, continuaria sendo por quase um século a autoridade sobre paleografia latina. Thomas Astle publicou o primeiro manual inglês (1784), notável por sua atenção à escrita insular; e a obra pioneira de Charles O’Conor sobre escrita primitiva irlandesa apareceu em 1814. Esses primeiros tratados eram todos ilustrados por fac-símiles de respeitável qualidade feitos à mão.

No continente europeu (c. 1775-c. 1825), a supressão generalizada de casas religiosas decadentes e as consequências políticas e militares da Revolução Francesa resultaram na transferência maciça de livros e documentos medievais, diretamente ou através de coleções privadas, para bibliotecas e arquivos públicos, onde eram de fácil acesso a filólogos e historiadores cujas pesquisas inaugurariam, no século XIX, o florescimento de estudos clássicos e medievais. Um conhecimento mais completo e mais detalhado da paleografia latina e grega começou a ficar acessível depois de cerca de 1870, graças à fotografia, com fac-símiles de manuscritos completos e coleções de reproduções de página inteira de manuscritos e documentos datados ou localizados; uma nova onda de manuais bem ilustrados baseou-se nesses, na geração anterior a 1914. L. Traube (1861-1907), professor de filologia latina medieval em Munique, inaugurou uma nova era por sua insistência no valor de manuscritos cabalmente datados e localizados como prova evidente de movimentos na história do pensamento. Suas listas exaustivas de livros latinos foram o fundamento indispensável de trabalhos muito posteriores, incluindo os Codices Latini Antiquiores (1934-71), de E.A. Lowe, sobre manuscritos latinos até cerca de 800, e o catálogo de B. Bischoff de manuscritos continentais do século IX.

A partir de cerca de 1890, descobertas de papiros no Egito fizeram retroceder a paleografia grega até o século IV a.C, e a paleografia latina recuaria do seu ponto de partida inicial no século IV de nossa era para cerca de 31 a.C. A pesquisa sobre manuscritos iluminados, a qual também começou por volta de 1890, converteu-se a partir de 1930 num ramo indispensável da arqueologia e da história da arte antiga tardia e medieval. Depois de 1945, contribuições particularmente notáveis para o conhecimento do período romano inicial foram feitas por J. Mallon e E.G. Turner; o estudo sistemático da escrita humanista foi iniciado por B.L. Ullmann e J. Wardrop. O catálogo internacional de manuscritos datáveis, inaugurado em 1953 pelo Institut de Recherche et d’Histoire des Textes, de Paris, já abrange 24 volumes de oito países; e ensaios na Nomenclature des écritures livresques (1954) favoreceram muito a compreensão das escritas medievais tardias. O interesse por outros aspectos dos antigos manuscritos além do texto, escrita e ilustração, e em especial pela formação do caderno em diferentes períodos e áreas, começou se manifestando na década de 1920, através das pesquisas de Lowe e E.K. Rand; e a partir de 1945, essa abordagem codicológica da “arqueologia do livro manuscrito”, graças, inicialmente, à defesa de F. Masai e L.M.J. Delaissé, tem tido uma profunda influência sobre a paleografia grega e latina em geral. O estudo de manuscritos iluminados medievais tardios, em especial, foi inspirado pelo uso da codicologia por Delaissé como prova para a atribuição dos livros iluminados flamengos do século XV a oficinas de escrita dirigidas por eruditos copistas-editores, e por pintores. Trabalho recente sobre livros do período medieval final inclui estudos quantitativos de produção e formato. Ver livros manuscritos; caligrafia (DIM)