Lúlio

Lúlio, Raimundo (em catalão, Ramon Llull; c. 1235-1315) Voltou-se ainda jovem para a vida religiosa (c.1263), e influenciado pela presença moura em sua Maiorca natal, dedicou-se à conversão de muçulmanos. Durante sua longa vida, repetidos esforços para obter apoio europeu para sua obra resultaram apenas na fundação (1276) por Jaime II de Maiorca de um colégio em Miramar, de efêmera existência, onde os missionários podiam estudar o árabe. Isso levou-o a efetuar missões, sem a menor ajuda de quem quer que fosse, à Ásia e à África; acabou sendo apedrejado até a morte por muçulmanos em Bougie, no norte da África. Quase 300 das obras escritas por Lúlio sobreviveram para revelar seus dotes como poeta e místico, além de suas realizações como filósofo e teólogo; a mais famosa de todas é a Ars Generalis sive Magnis, onde se descreve um método para o estabelecimento da verdade essencial. Boi pioneiro no uso do vernáculo românico para escritos filosóficos e teológicos, inaugurando assim o catalão literário. (DIM)


Lúlio, Raimundo (Ramon Llull) (1235-1315)

“Fui casado, pai de família em boa situação financeira, lascivo e mundano. Renunciei a tudo isto de bom grado com o fim de poder honrar a Deus, servir ao bem público e exaltar nossa santa . Aprendi o árabe, viajei muitas vezes para pregar aos sarracenos. Detido, encarcerado e açoitado pela , trabalhei durante cinco anos para comover os chefes da Igreja e os príncipes cristãos em favor do bem público. Agora sou velho, agora sou pobre, mas não mudei de propósito e permanecerei no mesmo, se Deus o concede, até a morte.” Eis o autoretrato de R. Lúlio tal como o dá em seu Disputatio clerici et Raymundi phantastici.

Nascido em Palma de Maiorca, serviu na corte de Jaime II. Como consequência de uma visão, tornou-se terciário franciscano (1265) para dedicar-se à conversão dos muçulmanos, tanto com a palavra e testemunho direto quanto com seus escritos. Essa causa dominou toda a sua vida. A partir de 1288, começou a viajar por diferentes cidades para propagar suas ideias. Nesse mesmo ano lecionou em Paris sobre o que depois veio a ser seu Ars generalis ou Ars magna, uma lógica que concebe como ciência universal, base de todas as ciências. De Paris passou à Tunísia, Nápoles e Oriente. Depois de vários anos, regressou pelo mesmo caminho e voltou a visitar as cidades europeias, sempre com o propósito de interessar príncipes e hierarquias eclesiásticas por suas ideias. Finalmente, em 1314, embarcou rumo à Tunísia e, segundo a lenda, morreu apedrejado pelos muçulmanos no dia 29 de junho de 1315.

A história não nos pode fazer esquecer de toda a lenda em torno deste homem fantástico, missionário e filósofo, literato catalão, místico e poeta, cavaleiro andante de sua ideia e um pouco mágico. Conhecemos mais de 250 obras suas, escritas em catalão e em árabe, que ele procurou traduzir para o latim. Nestas, Lúlio fala com frequência de si mesmo como um homem fantasioso (“phantasticus”) e inclusive como um iluminado. “Doctor illuminatus” é, efetivamente, o título deste mestre que acredita ter recebido sua doutrina de uma revelação divina, e que se dedicou com um ardor um tanto quimérico e quixotesco a propagar um método apologético inventado por ele.

A obra de Raimundo Lúlio é a expressão de seu caráter polifacético. Costuma ser dividida em cinco grandes blocos: 1) Obras enciclopédicas, como o Liber contemplationis, escrito primeiro em árabe e traduzido depois para o catalão: Contemplado en Deu (1271-73), e o Arbor sdentiae (1295). 2) Obras científicas: Liber principiorum medicinae; Ars compendiosa inveniendi veritatem, seu Ars magna et maior; Ars inveniendi particularia in universalibus; Liber propositionum etc. 3) Místicas: Llibre de amic e amar, Llibre de Erast e Blanquerna, compreendidos os dois últimos no título mais geral de Art de contemplado. 4) Finalmente, uma série de obras, umas publicadas e outras inéditas, teológi-co-filosóficas. São apócrifos os escritos alquimistas e cabalísticos que levam o seu nome.

Observada a vida e, um pouco, a obra de R. Lúlio, surge a pergunta: quem realmente era e quem continua sendo R. Lúlio? Que juízo merecem hoje a vida e a obra deste homem? Num afã de síntese, apontamos estes valores:

1. Em primeiro lugar, R. Lúlio era um franciscano de mente e espírito, com a sensibilidade do próprio São Francisco. Um franciscano devorado pelo zelo da conversão dos infiéis, entre os quais considera os muçulmanos.

2. Um homem de um forte ideal. “O que Lúlio pretende é converter o infiel, mas não é possível atingir essa finalidade se a razão não apoia a crença. Daí a necessidade de demonstrar racionalmente os artigos da a que responde o Ars magna ou Ars generalis, que é em última instância um ‘ars inveniendi’, uma arte da invenção na ideia da mathesis universalis prosseguida por Descartes e Leibniz” (Ferrater Mora).

3. Isto transforma Lúlio num dos grandes mestres da lógica. Em Ars magna, estabelece os princípios de uma ciência geral na qual estão implícitos os das ciências gerais. Mediante esta ciência, podem-se aprender facilmente as ciências particulares.

Portanto, a Ars magna é a arte de combinar os termos simples e predicados absolutos — 9 predicados relativos, 9 questões, 9 sujeitos, 9 virtudes e 9 vícios — para o descobrimento sintético dos princípios das ciências. Esta é a ideia mais original de Lúlio, que tantos discípulos e seguidores lhe proporcionaram. Até o próprio Leibniz recolheu mais tarde o conceito Miano de uma arte combinatória, dirigida a descobrir, por via sintética, as verdades das ciências.

4. E como ponto culminante há algo profundo e misterioso na figura de Lúlio: seu misticismo, seu iluminismo que tem suas raízes em Platão, Santo Agostinho, São Francisco, São Boaventura. “Parece que lhe deram uma luz para discernir as perfeições divinas — diz de si próprio — em relação a algumas de suas propriedades e relações mútuas, segundo todas as relações que têm entre si… Por essa mesma luz conheceu que o ser total da criatura não é outra coisa do que uma imitação de Deus.”

“O mundo moderno está cheio de ideias cristãs que se tornaram loucas” (Chesterton). Muitas ideias cristãs elaboradas por Lúlio correm hoje em lábios de quem nem sequer o conhece. Tal é a fecundidade deste grande mestre e doctor iluminado que ainda surpreende o mundo.

BIBLIOGRAFIA: Obras literarias de Ramón Llull: Libro de Caballería; Libro de Evasty Blanquema; Fénix de las maravillas; Poesía (em catalão e castelhano). Edição preparada por M. Batllori e M. Caldentey (BAC); Id., Obres essenciais, 1957-1960, 2 vols., com a bibliografia ali apresentada. (Santidrián)