No norte do continente australiano, na Terra de Arnhem, e no centro, as religiões dos ABORÍGENES resistiram à aculturação. Elas apresentam muitos traços comuns.
E é assim que os ABORÍGENES conhecem um deus criador que se retira para as alturas distantes do céu, onde os humanos não chegam. Ele não deixa o seu espaço senão para estar presente nas iniciações mais secretas. Por consequência, não é o deus otiosus que o aborígene invoca na sua vida quotidiana, mas o herói cultural e os seres autogêneos do período dito «onírico» (alchera ou alcheringa). Estes seres são celestes e podem circular livremente entre a terra e o céu, servindo-se por exemplo de uma árvore ou de uma escada. Eles são os autores de uma «segunda criação», isto é, da criação do mundo enquanto local geográfico habitável. Trata-se evidentemente de uma geografia sagrada, onde cada indivíduo pode ainda contemplar, na presença de uma rocha ou árvore, os gestos dos seres míticos primordiais que desaparecem de seguida pelas entranhas da terra ou no céu. Os últimos tiveram o cuidado de retirar a ponte entre a terra e o céu, marcando assim a fratura definitiva entre estes dois níveis do espaço, que são na realidade dois níveis ontológicos.
O aborígene aprende a história sagrada do seu mundo aquando das iniciações e cultos secretos de iniciação (o Kunapipi e o Djanggawul), que, sem aparecerem ligados sempre aos ritos de circuncisão e subincisão, transmitem invariavelmente conhecimentos mitológicos fundamentais aos neófitos.
Os ritos de puberdade são mais complicados para os rapazes do que para as raparigas aquando da sua primeira menstruação. Apesar de a circuncisão não ser prática comum na Austrália, o rapaz sofrerá uma «morte simbólica» acompanhada de ferimentos rituais, de aspersão de sangue e de uma letargia durante a qual ele é suposto «lembrar-se» das origens sagradas do mundo. O culto secreto Kunapipi é em geral baseado no ciclo mitológico das irmãs Wawilak, que recebem conhecimentos secretos da Grande Serpente fálica: é uma «terceira criação», a criação do espaço cultural dos ABORÍGENES.
O mesmo esquema de morte e renascimento ritual é mais acentuado nas iniciações xamanísticas. O candidato é «morto» e «operado» pelo colégio dos curandeiros, que substituem os seus órgãos internos por órgãos imperecíveis de origem mineral. Durante esta operação, a alma do neófito faz uma viagem dantesca ao Céu e ao Inferno. Reconstituído, o novo xamã gozará de faculdades especiais.
Na maior parte dos complexos míticos relativos à iniciação, a Serpente Arco-íris desempenha um papel importante. É ela que guarda, nos lagos e nascentes onde vive, estes cristais de quartzo que, sendo originários da época onírica e do mundo celeste, servem para fazer os órgãos minerais do novo xamã. É a serpente aquática Wonambi que, nos desertos ocidentais, «mata» os neófitos. No Queensland, ela deita-lhes no corpo um bâton ou um pedaço de osso que os curandeiros retirarão alguns dias mais tarde, aquando do processo de «reanimação» do futuro xamã. As substâncias mágicas percorrem a distância do céu à terra escorregando por um arco-íris. É por isso que, com medo de que os curandeiros não consigam os cristais celestes, ela não pode banhar-se num lago ou num charco por cima do qual tenha passado a extremidade do arco-íris.
A morte é encarada pelos ABORÍGENES como o resultado de malefícios. O ritual funerário comporta a punição do presumível assassino. O morto, tal como o xamã, viaja para o céu. Mas, ao contrário do primeiro, ele nunca mais poderá utilizar o seu corpo físico. (Eliade e Couliano)