Tópicos

Os livros dos Tópicos, que se julga terem sido compostos antes dos Analíticos, compreendem duas partes principais: os Livros I e VII, 3 a VIII, constituindo uma introdução e uma conclusão e o bloco central dos livros II a VII, 3.

O objeto do Tratado dos Tópicos é

“Encontrar um método que nos possibilite raciocinar sobre qualquer problema que poderia nos ser proposto, partindo de premissas prováveis e, no decorrer da discussão, evitar contradizer-nos a nós próprios”. Tóp., I, c. 1, 100 a 18

Neste texto inicial, Aristóteles nos dá a nota que caracteriza o raciocínio dialético e o distingue do raciocínio demonstrativo. O raciocínio demonstrativo parte de premissas necessárias e conduzem a uma conclusão científica necessária; o raciocínio dialético parte do provável para chegar a uma conclusão igualmente provável. Por provável, Aristóteles entende “o que parece ser, seja a todos os homens, seja à maioria, seja ao sábio”. (I. C. 1, 100 b 21). O provável é definido então, por um critério externo, pelo sinal que permite reconhecê-lo: o testemunho. Notemos que para Aristóteles, se bem que o provável não seja a verdade mesma, reconhecida imediatamente ou cientificamente, deve ser tomado favoravelmente: é o que se assemelha à verdade, o verossímil. A demonstração dialética difere, portanto, da demonstração científica por sua matéria, mas é preciso observar que ambas utilizam as mesmas formas lógicas: a indução e o silogismo.

No c. 2 dos Tópicos, Aristóteles precisa que a prática da dialética pode ter uma tríplice utilidade: é um exercício do pensamento, — permite-nos discutir com quem quer que seja partindo de suas próprias opiniões, — e finalmente é do interesse da ciência: pois se, de um lado, estamos em condições de discutir o pró e o contra, de uma determinada questão, bem mais facilmente estaremos aptos a distinguir o verdadeiro e o falso. Por outro lado, poderemos nos encaminhar na direção dos princípios indemonstráveis das ciências. De fato, Aristóteles quase não explicou a maneira pela qual seria possível utilizar assim a dialética para subir aos princípios das ciências. Em Tomás de Aquino entretanto, podemos encontrar os delineamentos de uma lógica inventiva já nitidamente melhor constituída.

O problema geral da dialética consiste em investigar, por meio de premissas prováveis, se determinada conclusão pode ser aceita, quer dizer, se um certo predicado pertence a um determinado sujeito. Para Aristóteles, esse problema se subdivide em quatro problemas mais particulares, segundo o predicado pertença ao sujeito como gênero, como definição, como próprio ou como acidente. Perguntar-se-á, por exemplo, se o homem é animal (problema do gênero), se ele tem a capacidade de rir (problema da propriedade), se ele é branco (problema do acidente); cada uma dessas questões devendo ser resolvida, não por argumentos científicos, mas por argumentos prováveis ou a partir de princípios comumente aceitos. Para resolver cada um desses problemas, recorrer-se-á ao que Aristóteles chamou de topoi, lugares dialéticos.

Os lugares dialéticos são conjuntos de proposições prováveis prontos a entrar como premissas nos silogismos dialéticos (v. silogismo) e que se acham classificados sob as quatro divisões das grandes questões dialéticas. Quer dizer que quando se levanta uma questão que entra em uma destas categorias (por exemplo: tal qualidade é propriedade de tal sujeito?), encontra-se uma provisão de proposições que permitirão resolvê-la. A enumeração destes lugares dialéticos ocupa todo o corpo da obra: lugares do acidente (II e III), lugares do gênero (IV), lugares da propriedade (V), lugar da definição (VI, VII, 3).

Os lugares dialéticos são, portanto, premissas, mais especialmente, maiores presuntivas. Citemos, a título de exemplo, os primeiros lugares do gênero: “Se um gênero, pretendido como tal, não pode ser atribuído a uma espécie ou a um indivíduo dessa mesma espécie, ele, na realidade, não é um gênero”. — “O atributo que não convém essencialmente a todos os sujeitos aos quais ele pode ser atribuído, não poderia ser seu gênero”. — “O predicado ao qual convém a definição de um acidente não é o gênero do sujeito desse acidente.”

Não entraremos em maiores detalhes sobre os Tópicos de Aristóteles (ver a este respeito A. Gardeil, La Notion du lieu théologique). Eles são uma tentativa de constituição de um método de discussão absolutamente universal. Enquanto as ciências são circunscritas por seus objetos específicos, a dialética trata de tudo e a partir de princípios comuns admitidos por todos ou por muitos. Aristóteles cedia aqui ao gosto, da discussão, tão comum entre os Gregos, mas ao mesmo tempo, visava a louvável meta de tornar essas discussões tão fecundas quando possível para a defesa e procura da verdade. Repitamos que, em Tomás de Aquino, a dialética assume de maneira mais firme do que em Aristóteles a estatura de uma disciplina de pesquisa. (Cf. J. Isaac, La notion de dialectique chez saint Thomas, na Rev. des Sc. Ph. et Th., 1950, pp. 481-506). [Gardeil]