Quando se observa de perto esta análise do ser, pela distinção real do par essência–existência, assinala-se uma transformação profunda da ontologia de Aristóteles por Tomás de Aquino. E como o mostrou Gilson na sua obra sobre L’être et l’essence, isto dá à metafísica do Doutor angélico uma significação bastante original que nem sempre foi bem percebida, mesmo em sua Escola. A tendência mais constante dos filósofos, a história o prova, foi sempre a de considerar o ser mais como uma natureza, como uma essência. Isto é manifesto no platonismo, e a ousia, como substância de Aristóteles, aparece ainda como uma espécie de sujeito essencial. Avicena – que Averróis criticará sobre este ponto com muita vivacidade sustenta aqui uma posição intermediária: a existência nele aparece como uma entidade arrancada da essência, mas, permanecendo esta sempre corno o fundo do ser, esse actus existendi não é mais do que um simples acidente que vem se acrescentar como que do exterior a esse fundo primitivo. Se, com Gilson, prosseguíssemos nossa indagação, veríamos como uma boa parte da escolástica, em seguida a Scoto e Suarez, assim como a filosofia moderna, de Descartes a Hegel, passando por Wolf e Kant, deixou-se, de maneira mais ou menos consciente, dominar por esta concepção essencialista do ser.
Ora, se retornarmos a Tomás de Aquino, veremos cem cessar afirmar, não que a existência seja realmente distinta da essência nos seres criados, o que aliás para ele certamente não se apresenta como problema, mas que a existência é ato, ou como a perfeição última do ser e que o próprio Deus é o Ipsum esse subsistens. O ser é, pois, para ele, e tanto em Deus como nas criaturas, existência por excelência. Tanto assim que é mais exato considerar em seu espírito — ainda que se possa dizer perfeitamente o contrário — que o ser é uma existência determinada por uma essência. Em um sentido bastante diferente, e é preciso sublinhá-lo, do que toma a palavra em certas filosofias contemporâneas, a metafísica de Tomás de Aquino pode ser considerada existencialista. E, a este título, em face dos antigos racionalismos, escolásticos ou modernos, apresenta-se como um pensamento notavelmente original. [Gardeil]