O propósito de Aristóteles é primeiramente trazer as ideias transcendentes de Platão e fundi-las com as coisas reais de nossa experiência sensível. Para isso começa partindo da coisa tal como a vemos e sentimos. E na coisa real, tal como a vemos e sentimos, distingue Aristóteles três elementos: um primeiro elemento, que denomina substância; um segundo elemento, que denomina essência, e um terceiro elemento, que denomina acidente.
Que é a substância? A substância tem em Aristóteles duas significações. Aristóteles a emprega indistintamente em uma e outra significação. Umas vezes — a maior parte das vezes — tem um primeiro sentido estrito. Outras vezes tem um sentido lato. O sentido estrito é o da unidade, que suporta todos os demais caracteres da coisa. Se nós analisamos uma coisa, descobrimos nela caracteres, notas distintivas, elementos conceituais: este copo é grande; é de cristal; é frio; tem água dentro; foi feito dessa maneira, daquela outra. Mas o quid do qual se diz que é isto, que é aquilo, que foi feito desta maneira ou daquela outra maneira; o quid, como diz S. Tomás, a quidditas, a coisa da qual se predica tudo aquilo que se pode predicar, é isso que Aristóteles chama o “substante”, em grego hypokeimenon, que jaz debaixo, e que os latinos traduziram pela palavra substare, estar debaixo: chama-o a “substância”. A substância é, em suma — advirta-se bem — o correlato objetivo do sujeito na proposição, do sujeito no juízo. Quando num juízo dizemos: esse é tal coisa, Sócrates é mortal, Sócrates é homem, Sócrates é ateniense, Sócrates é gordo, Sócrates é feio, Sócrates ó narigudo, sempre dizemos de alguém todas essas coisas. O quid, o sujeito da proposição da qual dizemos tudo isto, essa é a substância.
Mas, que dizemos da substância? Pois tudo aquilo que dizemos da substância é o que chama Aristóteles essência. A essência é a soma dos predicados que podemos predicar da substância. Ora, estes predicados dividem-se em dois grupos; predicados que convém à substância de tal sorte que se lhe faltasse um deles não seria o que é; e predicados que convém à substância, mas que são de tal sorte que ainda que algum deles faltasse, continuaria a ser a substância aquilo que é. Aqueles primeiros são a essência propriamente dita, porque se algum deles faltasse à substância, a substância não seria aquilo que é; e estes segundos são o acidente, porque o fato de tê-los ou não, não impede de modo algum que seja aquilo que é.
Desta maneira chegamos ao outro sentido que de vez em quando dá Aristóteles à palavra “substância”, e é o sentido da totalidade da coisa, com seus caracteres essenciais e com seus caracteres acidentais: Nesse sentido chama Aristóteles substância ao individual. Para Aristóteles, por conseguinte, o que existe metafisicamente, realmente, são as substâncias individuais; o que existe metafisicamente e realmente é Fulano de Tal; não o conceito genérico, a ideia de homem, mas Fulano de Tal, Sócrates; este cavalo que estou montando, não o cavalo em geral. Por isso para Aristóteles a resposta à pergunta, de que partiram essas lições, é muito simples e está completamente de acordo com a propensão natural do homem. A resposta à pergunta: quem existe? é para Aristóteles esta: existem as coisas individuais; o resto não existe, são substâncias “segundas”, deutere usia, substâncias segundas que não têm mais que existência secundária, o ser que consiste em ser predicado ou predicável, e mais nada.
Veja-se aqui o que fez Aristóteles, a tarefa magnífica que levou a efeito. Constitui esta tarefa em isolar o elemento existencial que dá no parmenidismo e colocá-lo como hypokeimenon, como “substância”, no sentido estrito da palavra; em tomar depois a ideia platônica, que era a unidade puramente essencial dos caracteres da definição do logos de Sócrates, do conceito, e atribuí-los à substância, como aquilo que designa o que a substância é, e acrescentar logo os caracteres particulares que a experiência nos mostra em cada umas das substâncias.
Conseguiu Aristóteles magnificamente aquilo que se propusera: trazer as ideias do céu à terra; destruir a dualidade entre o mundo sensível e o inteligível; fundir estes dois mundos no conceito lato da substância, da coisa real, que está aí. Neste mundo sensível cada coisa é, existe, tem uma existência, é uma substância. Mas que é o que isso é? em que consiste isso que é? Vem imediatamente o conceito, a ideia platônica, que desce do seu mundo celeste e vem pousar sobre a realidade existencial da substância para dar-lhe a possibilidade de uma definição, para torná-la inteligível, para que o pensamento possa pensá-la, defini-la, fixá-la no catálogo geral dos seres; e depois os elementos inessenciais, acidentais, que nem acrescentam nem tiram à definição essencial, mas caracterizam a substância, como isto que está neste lugar e neste momento. [Morente]