subjetividade transcendental

A redução teve por finalidade permitir alcançar o verdadeiro nível de fundamentação filosófica: a subjetividade transcendental. É ela que determina radicalmente o carácter específico da fenomenologia. Pela redução o conceito tradicional de «ciência» modifica-se; transcende o estatuto de conhecimento «imanente ao mundo» para originar um novo conceito, o de um saber em princípio «transcendente» a todo o saber mundano, pois nos possibilita um conhecimento do mundo a partir da sua origem. A fenomenologia pura, pelo fato de remeter para o terreno último da subjetividade transcendental, não fica presa à imanência do mundo, ultrapassa o mundo e não apenas o ente intra-mundano. O seu terreno fundamentador é «uma auto-reflexão plena, inteira e universal». Nela aparecem os fenômenos como tais e «submetidos, enquanto fenômenos da intencionalidade, a uma explicitação intencional». Os fenômenos são as «coisas mesmas», isto é, não deformadas por urra visão subjetivante intramundana, mas sim inseridas na perspectiva da subjetividade transcendental, na perspectiva em que são vistos. Assim, nenhum objeto que na atitude natural era dado no terreno do mundo é abandonado; apenas agora é evidenciada a sua relação com a consciência transcendental.

Porém, esta última não é algo de novo; há uma identidade profunda entre subjetividade mundana e subjetividade transcendental; ao executar-se a redução, convertendo-se as coisas mundanas em «coisas mesmas», isto é, em fenômenos, também a subjetividade mundana se converte em subjetividade transcendental, terreno universal onde se fundamenta o logos, isto é, o direito de doação de todos os outros fenômenos.

Ser fenômeno nada significa a não ser correlato objetivo de subjetividade transcendental, isto é, seu cogitatum. Por isso pôde Husserl afirmar, já nas investigações Lógicas, que «a fenomenologia significa a teoria das vivências em geral, compreendendo todos os dados não só reais, mas também intencionais, que se podem revelar com evidência nas vivências» e que a análise intencional vai tornar possível numa atitude reflexiva de evidenciação. A fenomenologia aparece-nos assim como o contrário do fenomenismo: Husserl opôs-se sempre a defender a «coisa em si», mesmo a título de conceito limite. O fenômeno não é mera aparência, mas aquilo pelo qual os entes existem para nós, têm para nós um «valor de ser» que o processo intencional de evidenciação trará à luz.

NOTA: Na mesma perspectiva se pronuncia Heidegger em Sein und Zeil: «Por detrás dos fenômenos da fenomenologia não há, pois, em verdade, outra coisa, mas pode acontecer que se encontre escondido o que deverá tornar-se fenômeno. E é precisamente porque os fenômenos ndo são imediatamente dados, que há necessidade de uma fenomenologia». («Hinter» den Phänomenen der Phänomenologie steht wesenhaft nichts anderes, whohl aber kann das, was Phänomen werden soll, verborgen sein. Und gerade deshalb, weil die zunächst und zumeist nicht gegeben sind, bedarf es der Phänomenologie.) Sein und Zeil, Tübingen, M. Niemeyer, 1967, pp. 36. [Morujão]