sociologia e história

A história situa-se em estratos diferentes, de bom grado diria três estratos, mas é um modo de dizer que simplifica muito. Seria necessário pôr em evidência dez, cem estratos, dez, cem durações diversas. À superfície, uma história dos eventos inscreve-se no tempo curto: é uma micro-história. A meia encosta, uma história da conjuntura desenvolve-se a um ritmo mais largo e mais lento. Até hoje ela foi sobretudo estudada no plano da vida material, dos ciclos ou interciclos econômicos. […] Para além de tal «recitativo» da conjuntura, a história estrutural, ou de duração longa, respeita a séculos inteiros; situa-se no limite do movente e do imóvel e, pelos seus valores estáveis durante muito tempo, parece invariável relativamente às outras histórias, que se escoam e sfe realizam mais rapidamente e que, em suma, gravitam em torno dela.

Em resumo, três séries de níveis históricos, com os quais, infelizmente, a sociologia não está ainda em contato. Ora, nesses diferentes níveis, o diálogo com a história não pode ser o mesmo, ou, pelo menos, ter a mesma animação. Há, sem dúvida, uma sociologia da história e do conhecimento histórico em cada um desses três níveis, mas tal sociologia está ainda por elaborar. Nós, historiadores, podemos tão-só imaginá-la.

Uma sociologia ao nível do evento seria o estudo desses mecanismos rápidos, adequados, nervosos, que registam, dia a dia, a chamada história do mundo à medida que se faz essa história, em parte abusiva, na qual os eventos se incrustam uns nos outros, se implicam, na qual os grandes homens são encarados normalmente como chefes de orquestra autoritários. Essa sociologia do evento seria, também, o recomeço do diálogo antigo (o repetido, o inédito); seria, do mesmo modo, a confrontação da história tradicional, por um lado, e da microssociologia e da sociometria, por outro; serão estas, como penso, mais ricas que a história superficial? E porquê? Como determinar o lugar desta larga toalha de história no complexo de uma sociedade a braços com o tempo? […] Se me não engano, tudo isso vai para além das querelas antigas. O fato singular (se não o evento, esse sociodrama) é repetição, regularidade, multitude, e nada diz, de modo absoluto, que o seu nível seja destituído de fertilidade, ou de valor científico. Cumpriria ver a coisa mais de perto.

Se, a propósito do evento, a nossa imaginação sociológica não descansa, ao invés, tudo está por elaborar, ia a dizer por inventar, no que respeita à conjuntura, essa personagem ignorada, ou quase, da sociologia. […]

No plano da história de duração longa, dizer que história e sociologia não se encontram, não caminham lado a lado, é dizer muito pouco: na verdade, confundem-se. A duração longa é a história interminável, inalterável, das estruturas e grupos de estruturas. Para o historiador, uma estrutura não é só arquitetura, montagem, é permanência e muitas vezes multissecular (o tempo é estrutura): essa personagem avantajada atravessa imensos períodos de tempo sem se alterar; se nessa longa viagem se deteriora, recompõe-se de caminho, recupera a saúde, e, enfim, só lentamente se alteram as suas feições …

Fernand Braudel, «Histoire et sociologie», in Gurvitch, Traité de Sociologie, t. i, 1958, pp. 92-93.