sentenças

Nas culturas da antiguidade, provérbios, máximas e frases de impacto constituíam uma forma de discurso extremamente importante em todos os níveis da sociedade. Sentenças brilhantes cristalizavam os insights de um povo de modo memorável, e logo tornavam-se lugares-comuns que todos usavam para interpretar e controlar os eventos ordinários da vida cotidiana. Era preciso certo jeito, talvez uma piscadela, para aplicar uma formulação conhecida numa determinada situação a fim de explicá-la, mas isso era perfeitamente compreendido como parte dos desafios da vida, e o bom uso de um velho adágio era tido como prova de sabedoria. Um ditado como “de grão em grão a galinha enche o papo” pode ser aplicável a uma determinada situação banal, ainda que apenas em certos sentidos, mas de qualquer forma sua simples menção identifica esse momento e pode vir a calhar.

Os provérbios surgiam em meio ao povo, mas eram coligidos por escribas em escolas templárias, nas cortes reais e nos centros de florescimento de escolas filosóficas. Colecionar provérbios era uma atividade erudita, e a coleção de um tipo específico de provérbios normalmente era atribuída a alguma figura do passado célebre por sua sabedoria. A Bíblia, por exemplo, inclui entre seus livros os Provérbios e a Sabedoria de Salomão. As literaturas sapienciais do Egito e do antigo Oriente Médio também têm grande número de coletâneas de vários tipos de sentenças de sabedoria atribuídas a cortesões ou sábios.

Durante a era greco-romana, o hábito de coligir sentenças era comum nos centros de ensino. A atribuição dessas sentenças a um sábio ou poeta legendário, ou ao fundador de uma escola grega, era o método de classificação mais usado. O gnomologium, ou coleção de sentenças, era considerado uma importante maneira de preservação da sabedoria do passado em tempos de mudanças. Assim, temos as Máximas de Teógnis, a Gnomologia para Ciro, os Monásticos (ou “poemas de um só verso”) de Menandro, as Kyriai Dóxai (ou “Principais Ensinamentos”) de Epicuro, as Sentenças de Sexto, e assim por diante. No caso de autores que tivessem trabalhos escritos em circulação, a coleção poderia começar com citações originais, mas logo seria transformada num repositório de outras sentenças do mesmo gênero. Uma coleção de sentenças coerente era tida em alta conta como a destilação da sabedoria de um determinado sábio e em nome dele atraía outras sentenças do mesmo gênero.

A preocupação com as sentenças dos sábios não era meramente a expressão de um interesse de antiquário, e as coleções não eram feitas apenas para preservar os chavões do passado. O trabalho com as sentenças de um sábio era motivado pelo interesse por aquilo que os gregos chamavam de ethos, ou o que nós chamaríamos de caráter. Para os gregos, caráter não era uma questão de personalidade ou daquilo que chamaríamos de ética. A concepção moderna de ética é moralista e geralmente pressupõe padrões de virtude preestabelecidos. A concepção grega de caráter tinha a ver com o estilo de vida característico de um indivíduo. Era algo parecido com o que nós, modernos, queremos dizer quando afirmamos que determinada pessoa é “uma figura”.

Para os gregos, o caráter de uma pessoa era definido por um padrão estável de comportamento e por um tipo de discurso correspondente. Os gregos sabiam que as palavras são muito importantes e que aquilo que alguém diz numa dada situação faz diferença. O que uma pessoa diz revela sua postura com relação aos outros, assim como sua própria visão de mundo. O discurso também é um tipo de comportamento, mas passível de manipulação com fins enganadores. Por isso, o caráter de uma pessoa era julgado pela correspondência entre o que ela dizia e o que ela fazia, ou como ela geralmente se comportava. O critério para julgar o caráter de um mestre era se ele vivia de acordo com seus próprios ensinamentos. Se o caráter de um mestre fosse delineado, as suas sentenças poderiam ser usadas para representar esse caráter. Os fundadores das várias escolas filosóficas eram considerados como caracteres que encarnavam os ensinamentos de suas escolas. Desta forma, as sentenças de um sábio ou mestre eram entendidas como expressão de seu caráter.

Como as sentenças eram avaliadas enquanto maneiras particulares de ver a vida, e como se achava que o dito e o feito equiparavam-se no caráter ideal, a atribuição de sentenças a figuras idealizadas era uma questão de propriedade. Assim, mesmo os ditados formulados e postos em circulação num momento posterior podiam ser selecionados como atribuição apropriada para a coleção de sentenças deste ou daquele filósofo ou sábio de um período anterior. Os fundadores de escolas normalmente eram responsabilizados pelas filosofias que se desenvolviam em seu nome na tradição de suas escolas.

Como o caráter era definido pela correspondência entre ideias defendidas, tipo de discurso e estilo de vida, os perfis de uma indivíduo atuante também suscitavam grande interesse. Por isso, a literatura biográfica se difundiu tanto durante o período greco-romano. O problema, é claro, era que a maioria das pessoas consideradas dignas de serem biografadas já estavam mortas e, com a falta de documentação, era impossível traçar o curso da vida de alguém. Havia, contudo, a tradição oral e outras formas de legado acerca das figuras públicas. O legado escrito que um indivíduo importante porventura deixasse poderia ser usado para inferir que tipo de pessoa foi ele e que tipo de estilo de vida adotou e seguiu. Até os manuscritos dos poetas trágicos e cômicos foram minuciosamente investigados séculos a fio em busca de pistas das sentenças, opiniões e discursos que expressavam os pontos de vista do autor, e a partir deles escreviam-se biografias. No caso de reis, mandatários e estadistas, havia histórias, elogios, tradições de família e cartas que podiam ser utilizados. E entre os integrantes das várias escolas filosóficas circulavam inúmeras anedotas sobre seus fundadores e discípulos. Todo esse material podia ser usado na redação de uma biografia ou, como os gregos a chamavam, uma bios, ou “vida”.

Temos uma extraordinária coleção de material anedótico sobre fundadores de escolas filosóficas na obra Vidas de Filósofos Eminentes, escrita por Diógenes Laércio por volta do ano 200 d.C. O autor cita numerosas coleções de relatos, anedotas, máximas e biografias que usou como fontes de seu compêndio. Seu plano geral era traçar a sequência das tradições das escolas gregas escrevendo a vida do fundador de cada escola e de seu sucessor imediato como líder, desde os sete sábios, passando pelo período clássico, até o século I a.C. A típica vida começava com a menção do que se sabia sobre a família de uma pessoa, sua cidade, seus mestres e principais discípulos. Em seguida, apresentava-se uma relação das obras conhecidas do filósofo, pelo título. Entretanto, em vez de resumir o pensamento do autor em questão, Diógenes normalmente recorria ao formato de sentenças memoráveis. [Burton Mack]


Na escolástica eram originalmente as coleções de proposições e máximas que reuniam, sobretudo, as fundamentais teses filosóficas e teológicas, que Peter Lombardus condensou em seus famosos Quattuor libri sententiarum; texto que deveria ser lido pelos candidatos aos títulos acadêmicos e comentados de maneira eficiente com a maior originalidade possível. Todos os grandes estudiosos das universidades medievais deixaram comentários sobre as sentenças. [MFSDIC]