representação

(lat. repraesentatio; in. Representation; fr. Représentation; al. Vorstellung; it. Rappresentazioné).

Vocábulo de origem medieval que indica imagem ou ideia, ou ambas as coisas. O uso desse termo foi sugerido aos escolásticos pelo conceito de conhecimento como “semelhança” do objeto. “Representar algo” — dizia Tomás de Aquino — “significa conter a semelhança da coisa” (De ver., q. 7, a. 5). Mas foi principalmente no fim da escolástica que esse termo passou a ser mais usado, às vezes para indicar o significado das palavras. (Cf., p. ex., Graziano di Ascoli, Peri hermenias, 2) Ockham distinguia três significados fundamentais: “Representar tem vários sentidos. Em primeiro lugar, designa-se com este termo aquilo por meio do qual se conhece algo; nesse sentido, o conhecimento é representativo, e representar significa ser aquilo com que se conhece alguma coisa. Em segundo lugar, por representar entende-se conhecer alguma coisa, após cujo conhecimento conhece-se outra coisa; nesse sentido, a imagem representa aquilo de que é imagem, no ato de lembrar. Em terceiro lugar, por representar entende-se causar o conhecimento do mesmo modo como o objeto causa o conhecimento” (Quodl., IV, q. 3). No primeiro caso, a representação é a ideia no sentido mais geral; no segundo, é a imagem; no terceiro, é o próprio objeto. Esses são, na realidade, todos os possíveis significados do termo, que voltou a ter importância com a noção cartesiana de ideia como “quadro” ou “imagem” da coisa (Méd., III) e foi difundido sobretudo por Leibniz, para quem a mônada era uma representação do universo (Monad., § 60). Inspirado nessa doutrina, Wolff introduziu o termo Vorstellung, para indicar a ideia cartesiana, no uso filosófico da língua alemã (Vernunftige Gedanken von Gott, der Welt und der Seele des Menschen, 1719, I, §§ 220, 232, etc). Deve-se a Wolff a difusão do uso desse termo nas outras línguas europeias. Kant estabeleceu seu significado generalíssimo, considerando-o gênero de todos os atos ou manifestações cognitivas, independentemente de sua natureza de quadro ou semelhança (Crítica da Razão Pura, Dialética, livro I, seç. I), e foi desse modo que o termo passou a ser usado em filosofia. Hamilton defendia o uso dessa palavra também em inglês (Lectures on Logic, 2a ed., 1966, I, p. 126).

Mas neste sentido, os problemas inerentes à representação são os mesmos que inerem ao conhecimento em geral (v. conhecimento) e à realidade que constitui o termo objetivo do conhecimento (v. realidade), ou, em outra direção, os concernentes à relação entre as palavras e os objetos significados (quanto a isso, v. signo; significado) . [Abbagnano]


Em sentido filosófico lato, é toda espécie de apresentação intencional de um objeto, quer intelectual, quer sensorial, pertencente aos sentidos externos ou internos (em terminologia escolástica: repraesentatio). Representação, em acepção psicológica estrita (em linguagem escolástica: phantasma) é a operação pela qual tornamos presentes a nós mesmos dados sensoriais, em virtude, não de excitantes imediatamente operantes, mas de “vestígios” de percepções anteriores. Em oposição à percepção produzida perifericamente (por estímulos sensoriais) e à imagem consecutiva subsequente, a representação é produzida no centro. Consoante as percepções anteriores forem reavivadas com maior ou menor fidelidade ou seus elementos forem combinados livremente, falamos de imagens da memória ou meras imagens da fantasia. — Todas as representações procedem, ao menos em seus últimos elementos, do material subministrado pelos sentidos externos e, vice-versa, na construção da imagem do mundo da percepção os dados imediatos dos sentidos podem combinar-se com representações. Por outro lado, a representação difere da percepção, que geralmente-é nítida, por suas propriedades características. Costuma ser menos nítida, menos estável, mais fácil de ser provocada ou desfeita arbitrariamente. Tais particularidades constituem o fundamento psicológico do “caráter de irrealidade” próprio das imagens representativas. Contudo estas diferenças são apenas diferenças de grau e podem desaparecer. A imagem eidética ou imagem intuitiva subjetiva pode ser tão plástica e, em certos tipos (denominados eidéticos) tão estável e necessitante, como uma imagem perceptiva. Representações obsessivas podem aferrar-se tão tenazmente à consciência que a luta voluntária contra elas-concorra mais ainda para fixá-las. A “impressão de realidade” pode aumentar até dar origem a percepções enganadoras muito sérias, nas ilusões (nas quais o puramente representado se une de maneira muito intensa ao percebido,, formando um todo ilusório) e nas alucinações (nas quais o não-existente é-aparentemente “percebido”, e, ao invés, o existente, excluído do mundo das representações). Tais percepções enganadoras podem surgir nos mais diversos domínios sensoriais e fingir fenômenos elementares (p. ex., centelhas de luz) ou coisas complexas (p. ex., discursos, etc); podem ser fisiologicamente condicionados (como no delírio alcoólico) ou ser de natureza psicógena (como nas hipnoses ou até nas auto-sugestões).

O aparecimento de conteúdos representativos na consciência não se realiza, via de regra, de maneira isolada (representação livre isolada), mas em conexão com outras “imagens” segundo as leis da associação e dos complexos (associação, complexo), na medida em que partes de vivências que-estiverem juntas, um tempo, num todo vivencial, tendem a evocar-se mutuamente na consciência. — Sobre a importância da representação no conjunto do conhecimento humano, vide pensamento, fantasia, memória. — A facilidade de reter e de reproduzir imagens representativas varia nos diversos tipos representativos, consoante os domínios objetivos; daí o distinguirem se tipos visuais, acústicos e motores, videntes de formas e de cores, etc. — Temos uma combinação, não frequente, de representações nas chamadas sinestesias, nas quais com imagens perceptivas de um domínio sensorial (p. ex., acústico) se combinam regularmente imagens representativas de outro (p. ex., visual) (fenômenos de audição de cores e de visão de sons). — Willwoll. [Brugger]


O termo representação é usado como vocábulo geral que pode referir-se a diversos tipos de apreensão de um objeto intencional. Assim se fala de representação para se referir à fantasia intelectual ou sensível no sentido de Aristóteles; à impressão direta ou indireta, no sentido dos estoicos<; à apresentação sensível ou intelectual interna ou externa de um objeto intencional, ou representação, no sentido dos escolásticos; à reprodução na consciência de percepções anteriores combinadas de vários modos, à imaginação no sentido de Descartes à apreensão sensível, diferente da conceptual, no sentido de Espinosa; à percepção, no sentido de Leibniz; à ideia no sentido de Locke, Hume; à apreensão geral, que pode ser intuitiva, conceptual ou ideal, de Kant; à forma do mundo dos objetos como manifestação da vontade, no sentido de Schopenhauer, etc. Esta multiplicidade de aplicações do vocábulo representação retorna-o de uso incômodo, tanto em filosofia como em psicologia. É necessário, quando se fale de representação, especificar em que sentido se emprega o conceito. Sem pretender esgotar os sentidos em questão, consideramos fundamentais os seguintes: 1. A representação é a apreensão de um objeto efetivo da mente presente. É usual identificar então a representação com a percepção. 2. A representação é a reprodução na consciência de percepções passadas; trata-se então das chamadas representações da memória ou recordações. 3. A representação é a antecipação de acontecimentos futuros, à base a livre combinação de percepções passadas. É usual identificar então a representação com a imaginação. 4. A representação é a composição na consciência de várias percepções não atuais. Neste caso fala-se também de imaginação e às vezes de alucinação. Os quatro sentidos anteriores não se referem ao que se tem chamado a qualidade da representação. Podem considerar-se agora os dois seguintes tipos: 1. Representações baseadas no predomínio de um sentido, em cujo o caso se fala de representações ópticas, acústicas, etc. 2. Representações baseadas na forma, em cujo caso se fala de representações eidéticas, conceptuais, afetivas, volitivas, etc... Observemos que em nenhum dos usos anteriores se precisa se o termo representação se refere ao ato de representar ou ao conteúdo deste ato. Os escolásticos propunham tal distinção, quando falavam respectivamente de representações formais e de representações objetiva. [Ferrater]