RENOUVIER (Charles), filósofo francês (Montpellier 1815 — Prades 1903). Saiu da Escola politécnica em 1836. Seu pensamento inspirou-se no de Kant no sentido de negação de qualquer possibilidade de uma metafísica como ciência. Seu “neocriticismo” desenvolveu-se de maneira original em A ciência da moral (1869), em que, ao mesmo tempo, nega a possibilidade de qualquer metafísica enquanto ciência e, longe de cair na vulgaridade do positivismo grosseiro, afirma a liberdade do “eu” e sua irredutibilidade a toda ciência; mas é sobretudo sua filosofia da história; Esboço de uma classificação sistemática das doutrinas filosóficas (1885) e Filosofia analítica da história (1896), que, classificando as doutrinas filosóficas em função dos “problemas” que tratam, inaugura, na França, a filosofia da história da filosofia. [Larousse]
Houve uma continuação mais séria do kantismo com Renouvier, que após a sua Ciência da moral, aparecida em 1869, publicou em 1900 os Dilemas da metafísica pura. Mas esta continuação do kantismo era, em certos pontos essenciais, uma contradição dele. Antigo aluno da Escola Politécnica, Renouvier não se esquecia disto nas suas elucubrações filosóficas. Instituiu uma neocrítica em que solapava a metafísica propriamente dita do mestre a quem estudava.
A busca filosófica é a busca do real e já dissemos de sobejo que toda ela tem sido uma série de equívocos em torno da noção do real. Para Kant a realidade última é a coisa em si, o noúmeno, que escapa ao nosso entendimento e que só podemos afirmar por uma operação lógica, sem jamais atingi-lo. Renouvier nega a legitimidade desta operação e esmiúça nas suas últimas sutilezas os sofismas kantianos, mostrando, por exemplo, que o lógico em seus “paralogismos” e “antinomias” faz atuar princípios diversos, ora o princípio de contradição, ora o de relatividade, e por fim que a ideia de infinito é pura ilusão e nela não se poderia colocar nada de real, uma vez que o real, enquanto real, é finito. No mundo só existe, portanto, o finito.
Isto não impede, porém, a existência do espiritual, a começar pela liberdade que nos faculta a escolha não só entre as razões de agir mas também entre as razões de conhecer. Ora, ter a liberdade de escolher e fazê-lo, é crer, e o próprio conhecimento é crença, visto que o jogo do espírito, ao estabelecer as categorias, nos apresenta motivos igualmente válidos de afirmar e de negar. Podemos, assim, crer em Deus, em deuses mesmo, e no dever. Destarte a moral torna a dar acesso à metafísica, mas por um caminho diferente do imperativo categórico.
No termo desta filosofia difícil de Renouvier encontramos duas noções que a sustentam: a de personalidade e a de relação. É a pessoa que escolhe e se constitui enquanto pessoa moral; as coisas, por outro lado, não nos são acessíveis como tais e não as conhecemos senão pelas relações que estabelecemos entre elas. É um agnosticismo corrigido por um idealismo moral e uma dialética de ordem racional em que Deus aparece sem transcendência. Estes diversos caracteres explicam a influência de tão obscuro pensador. Um outro, mais obscuro ainda, vai conduzir-nos ao ponto mais alto desta mesma filosofia da relação. [Truc]