recusa

Se, de chofre e à queima-roupa, me desfechassem a mais preocupante, a mais inquietante de todas as questões: «Que é o homem?», creio que responderia com desassombro e sem hesitação: «O homem é o animal que se recusa a aceitar o que gratuitamente lhe deram e gratuitamente lhe dão.» Não me perguntem agora quem dá o que o homem recusa. Só importa a recusa da gratuidade. O homem se lhe recusa; o homem é a própria recusa, antes de ser o asno o que quer que seja ou o que quer que venha a ser. Pelo menos, ao que me parece, é esta a que está antes de qualquer outra determinação do homem, de todas as suas possíveis ou realizadas determinações. Que dela decorrem, uma a uma, todas as demais — as que se nos deparam em todos os livros de antropologia e de história que se leiam da única maneira de ler, as que se nos oferecem através de uma leitura interrogante. A Recusa está no fundo do abismo sem fundo, aonde tentamos descer, em busca do serorigem do homem, que mora na intimidade de qualquer dos homens. No entanto, se falamos absurdamente do «fundo de um abismo sem fundo», é porque queremos deixar em aberto a questão de averiguar se a tal Recusa está efetivamente no término (ou no início) do pensar o ser do homem. Talvez mais, muito mais e mais além houvesse que perguntar; que perguntar, sobretudo, haveria se este pensar não tem que descer ao limite do pensável, ao liminar do impensável, e que transpô-lo decididamente, ou se não haverá que deter-nos no meio da escarpa, da escarpa que não tem «meio» se o abismo não tem «fundo». Mas para baixo do meio — que o seja ou não seja — há o mito: Adão recusou-se a prosseguir vivendo no Paraíso. Não importa que não [27] seja esta a letra exata do relato mítico: tudo veio a passar-se como se assim fosse. Aqui, a referência ao Primeiro Homem faz-se só modo de apontar para o que do homem parece característica primeira, e semelhante característica mostra-se-nos como ilusão de um orgulhoso triunfo sobre o Exílio. A Recusa do Paraíso é, pois, a versão já humana do próprio acontecer humano, a primeira afirmação do homem, que é um querer firmar-se ele em si mesmo. [EudoroMito:27-28]


(in. Great refusal; fr. Grand refus; it. Gran rifiutó).

É a recusa da realidade em favor da imaginação e das possibilidades que ela desvenda em arte. Essa expressão foi empregada com esse sentido por André Breton no primeiro manifesto dos surrealistas (1924) (Les manifestes du surréalisme, 1946). Foi adotada por H. Marcuse para indicar “o protesto contra a repressão supérflua, a luta pela forma definitiva de liberdade: viver sem angústia” (Eros and Civilization, 1954, cap. VII). V. utopia. [Abbagnano]