Etimologicamente o termo psicologia significa: ciência da alma. Esta ciência é tão antiga quanto a filosofia. Desde a antiguidade, em todos os sistemas, houve um conjunto, mais ou menos organizado, de considerações relativas a este assunto. Mas o vocábulo psicologia é relativamente recente. Não vai além do século XVI, época na qual um professor de Marburg, Goclenius, deu-o como título a um de seus livros. Na realidade, o verdadeiro introdutor deste nome parece ter sido Wolff que, em sua Psychologia empirica (1732) e em sua Psychologia rationalis, popularizou, com o nome, uma distinção que se mostraria, com o tempo, bastante feliz. Kant retomou esta denominação. Na França, Maine de Biran e os ecléticos terão uma influência decisiva na sua vulgarização e adoção generalizada que foi obra do século XIX. Por um paradoxo bastante curioso, o termo psicologia, ou ciência da alma, tornar-se-á clássico no momento preciso em que os que entendem tratar desta matéria renunciarão, em grande parte, ao conhecimento da própria alma.
O que poderá colocar sob este vocábulo quem entenda filosofar na linha de Tomás de Aquino? Para responder a esta questão, convém considerar preliminarmente a evolução histórica das doutrinas da alma.
Na antiguidade e na Idade Média, duas concepções sobre a alma marcarão linhas distintas: uma mais espiritualista, com Platão e S. Agostinho, outra mais empirista, com Aristóteles e sua escola. No século XIII, prevaleceu a segunda concepção, juntamente com o conjunto da filosofia do Estagirita. A partir deste momento, a filosofia cristã será fundamentalmente aristotélica.
Com o advento do pensamento moderno, caiu em descrédito a psicologia da Escola, como também tudo o que vinha de Aristóteles Era necessário reconstruir. A obra de Descartes marca, neste domínio, uma volta ao espiritualismo mais exclusivo do agostinianismo, mas não deixa de ser inovadora por adotar, como princípio mesmo do saber, um ponto de vista de reflexão. A partir daí, psíquico tenderá a se confundir com perceptível pela consciência. Mas, quanto ao seu conteúdo, a psicologia cartesiana permanece ainda essencialmente metafísica: é sempre a própria alma, em sua estrutura profunda, aquilo que se procura conhecer. No século XVIII, sob o impulso de Locke e de seus êmulos, um novo passo será dado, desta feita no sentido de se separar dos valores metafísicos tradicionais. Os fatos psíquicos tornam-se puros fenômenos, atrás dos quais a alma e suas potências aparecem como inacessíveis. Tende assim a psicologia a se constituir como ciência empírica comparável às outras ciências da natureza e cujo domínio é circunscrito pela consciência.
Nesta linha, vão os estudos psicológicos tomar um desenvolvimento prodigioso. Embora posteriormente não faltem metafísicos do espiritual, como um Lachelier ou um Bergson na França, a preocupação fundamental consiste em erigir uma psicologia científica autônoma, da qual serão eliminados os problemas transcendentes da alma e de seu destino. Os progressos maravilhosos das ciências experimentais autorizam todas as esperanças. Se fenômenos físicos são organizados e explicados segundo métodos científicos rigorosos, por que não acontecerá o mesmo com a vida do espírito? Abandonemos, ou deixemos a outros, disputas sobre a alma e suas faculdades e fiquemos com a observação de fatos precisos e com a formulação de leis bem controladas: assim construiremos uma psicologia verdadeiramente científica e objetiva capaz de conjugar a adesão de todos. Seguindo este programa, um intenso trabalho de observação e de experiência é efetuado no mundo dos psicólogos, ao qual trabalho somos devedores por este imponente monumento da moderna ciência da alma que, praticamente, tomou o lugar da antiga psicologia especulativa.
Pode ser justificada uma tal evolução no sentido da constituição de uma ciência psicológica autônoma? Ou, de maneira mais precisa, pode-se reconhecer, ao lado da suposta sempre válida metafísica da alma, uma psicologia do tipo das ciências experimentais? Tal é a questão a que deveremos, antes de tudo, responder.
Até o século XVIII, como dissemos, há só um conjunto de considerações psicológicas sistemáticas integrado em uma sabedoria filosófica geral e tratado segundo seus métodos. Quais são seus caracteres?
A psicologia antiga é, antes de tudo, de dimensão verdadeiramente filosófica: isto é, pretende chegar aos princípios primeiros do psiquismo; e também no sentido em que não se tema, para isso, lançar mão de categorias mais gerais, como, por exemplo, no aristotelismo, substância e acidentes, matéria e forma, ato e potência, etc. Em segundo lugar, uma tal psicologia deve ser chamada, rigorosamente falando, científica: isto é, procura a explicação pela causa própria, sendo a observação e a classificação dos fenômenos somente uma fase preparatória a este escopo. Todavia, é preciso reconhecer que, mesmo tendo um acentuado caráter racional, a Psicologia Antiga era também, a seu modo, empírica, se não experimental. No aristotelismo, em particular, parte-se sempre de um dado controlado: um empirismo moderado, onde a explicação prolonga e sistematiza de maneira feliz a experiência, surge como o traço distintivo desta filosofia. Em resumo, a psicologia compreende uma única ciência da alma, empírica e racional ao mesmo tempo.
Deveremos concluir que os princípios deste sistema proíbem considerar separadamente um ou outro tipo desta ciência psicológica? Parece que não. Em nossos dias, aliás, a separação é comumente admitida. São necessárias, porém, algumas observações.
Antes de tudo, seja reconhecido que a distinção pelos caracteres experimental e racional só tem um valor aproximativo, marcando apenas uma acentuação do método em um sentido ou em outro. Na realidade, estas denominações podem trazer confusão, pois nenhuma ciência se estabelece sem experiência e sem razão e seria preferível, para distinguir estas duas disciplinas, referir-se ao nível de explicação onde cada uma se situa. Assim, ter-se-á uma psicologia filosófica ou metafísica, que buscaria os princípios mais elevados, e uma psicologia científica, no moderno sentido da palavra, que ficaria com as explicações mais imediatas.
Seja admitido, além disto, que uma psicologia do tipo experimental não pode julgar, em última instância, da profundidade dos problemas da alma, isto é, erigir-se em verdadeira sabedoria filosófica, pois tal função pertence propriamente à disciplina superior.
Objeto da psicologia
A determinação do objeto, ou do duplo objeto, da psicologia depende, evidentemente, da orientação geral da filosofia que se professa. Um espiritualista, à maneira de S. Agostinho ou de Descartes, será levado a assinalar, como objeto desta ciência, a atividade da alma considerada fora de todo comportamento corporal. Partindo-se, pelo contrário, de preconceitos materialistas, a tendência será de reduzir o psiquismo ao fisiológico e mesmo ao físico. E, por fim, quem se colocar na linha, que é a nossa, do espiritualismo moderado de Aristóteles, deverá compreender, no objeto em questão, um e outro destes aspectos. Mas nesta via ainda são possíveis duas opções.
Para Aristóteles, todos os fenômenos vitais podem ser chamados psíquicos. Assim, o psiquismo define-se pela vida e todos os seres viventes, mesmo animais e plantas que estão abaixo de nós, pertencem à ciência da alma. Nesta hipótese poder-se-á dizer que a psicologia tem por objeto: o vivente enquanto é princípio de atividades vitais.
Esta concepção, como teremos ocasião de mostrar, encontra sua justificação última na distinção, que é fundamental no peripatetismo, de dois grandes tipos de atividade: a atividade transitiva (que modifica um outro além do sujeito) e a atividade imanente (que, procedendo do sujeito, o aperfeiçoa). Segundo esta divisão, os não viventes são seres que têm somente atividades transitivas, enquanto os viventes, como tais, são dotados de atividades imanentes ou movem-se a si mesmos. Pode-se consequentemente precisar que a psicologia tem por objeto: os seres dotados de atividades imanentes ou que se movem a si mesmos, considerados como tais.
O psiquismo, segundo esta concepção, fica bem caracterizado, permanecendo na prática a dificuldade de discernir, em todos os casos, se tal operação é vital ou não.
Na linha dos modernos, tender-se-á a reter um outro aspecto para definir o psiquismo: o de consciente. É psíquico, ou interessa propriamente à psicologia, o que é suscetível de ser atingido pela consciência. Segundo esta maneira de ver, é fácil descobrir que toda uma parte do vital, o infra-consciente, encontra-se excluída de nosso objeto; é o caso da vida das plantas e, parcialmente, mesmo da vida do animal e do homem. O domínio a nós reservado é aqui mais restrito.
De nossa parte, sem negar que o fato de ser conscientes ou reflexivos constitua, em um certo nível, um dos traços mais notáveis dos atos da vida, preferimos, para definir o psiquismo, ficar com Tomás de Aquino no ponto de vista do vital que corresponde a uma diferença mais fundamental dos seres. Assim permaneceremos na linha do peripatetismo autêntico. [Gardeil]