paleotécnica

A Revolução Industrial, em meados do século XVIII, transformou o modo de pensar, os meios de produzir e as maneiras de viver. Em face de uma quantificação crescente da vida os êxitos eram, desde então, medidos apenas pelo quantitativo. De 1760 em diante os inventos se sucedem. A nova fase técnica tem lugar na Inglaterra onde o regime eotécnico (v. eotécnica) havia deixado poucas raízes, por isso foi fácil aceitá-la nova fase..

O interesse humano, em vez de dirigir-se aos valores da vida, transferiu-se para os valores pecuniários. Surgiram novas cidades industriais e a exploração do carvão, como combustível para as máquinas a vapor, era a grande fonte de negócios. Quatorze a dezesseis horas de trabalho era comum, e os operários alimentavam-se muito mal. Os salários, que nunca haviam sido suficientes para manter um nível de vida normal, haviam ainda baixado mais com o advento da nova indústria. Eram tão baixos, que não obrigavam os burgueses a melhorar sua indústria, porque admitiam lucros espantosos. Colaborava o Estado com essa situação das coisas, e o empobrecimento dos trabalhadores agrícolas, que vinham aumentar o exército dos que necessitavam de trabalho, contribuía também para que os salários fossem cada vez menores. De um lado, a vida de misérias do proletariado, que procuraria uma evasão prazenteira ao desprazer da vida na fábrica ou na mina. E o amor sexual era um recurso para esquecer. Com ele vieram os filhos que, com o tempo, serviam para ajudar os pais desempregados, porque as crianças, desde os mais tenros anos de idade, iam para as fábricas trabalhar. E trabalhar numa fábrica ou numa mina significava a miséria. Esta fase não teve paralelo na história da civilização. “Não se trata de uma recaída na barbárie, devido à decadência da civilização, mas a um sobreerguimento da barbárie, apoiada pelas mesmas forças e interesses que, originalmente, haviam sido aplicados à conquista do meio e à perfeição da cultura humana”. (Mumford) A paleotécnica teve seu momento mais alto na Inglaterra e o espírito dela ainda perdura em alguns lugares.

É o domínio do mecânico quantitativo. O carvão já era conhecido antes de Cristo, mas em 1709, graças a invenção de altos fornos, o capital financeiro põe-se a explorar os campos carboníferos, em vista dos altos lucros. Com a máquina a vapor e o carvão, podia a indústria pesada ter um grande desenvolvimento e, para diminuir as despesas de transporte, concentrou-se perto das jazidas carboníferas, a cidade típica da paleotécnica, “a cidade-carvão, a cidade suja”.

O espírito quantitativo tinha que ser exacerbado e justificado pelas próprias experiências. Primeiro: a concentração da indústria, crescimento consequente das fábricas. E como a máquina a vapor exigia uma tensão constante, surgiu a conveniência de se criar máquinas cada vez maiores. Esse processo aumentativo, quantitativo portanto, aparecia aos olhos de todos como um progresso e daí para considerar-se o progresso apenas sob o ângulo quantitativo era um passo. Temos, então, as máquinas a vapor, as fábricas gigantes, os altos fornos. Com a invenção das estradas de ferro e do transporte mais barato, populações agrícolas empobrecidas passaram a se transferir para as cidades industriais, aumentando assim o mercado do trabalho. Os grandes fornos permitem aço e ferro mais barato aos exércitos, canhões mais equipados, e um novo sistema de estradas de ferro torna possível transportar maior número de contingente bélico para os campos de batalha.

Para se ter uma ideia dessa época e a que ponto levou a degeneração do trabalhador e ofendeu a dignidade humana, basta este trecho de Ure: ” É mister realizar a distribuição dos diferentes membros do aparelho conjunto cooperativo para acionar cada um dos órgãos com delicadeza e velocidade apropriadas, e acima de tudo, ensinar aos seres humanos a renunciar aos seus desordenados hábitos de trabalho e amoldá-los à regularidade invariável do complexo automático” que acentuam a grande dificuldade que ele notava. E prosseguia: “assim se deve proceder devido à imperfeição da natureza humana, pois sucede que quanto mais hábil é um trabalhador, tantas maiores probabilidades tem de chegar a ser obstinado e intratável e, consequentemente, menos adequado para o sistema mecânico dentro do qual… que, em última análise, causar grandes prejuízos”.

O requisito para a fábrica paleotécnica é a falta de habilidade, a disciplina cega, e a supressão de qualquer ocupação optativa. O operário era reduzido a uma peça do maquinismo; não podia trabalhar a não ser preso a uma máquina. Assim a miséria, a ignorância e o temor eram os fundamentos da disciplina industrial, permitindo a formação da produção em série, o que impedia ao operário a satisfação que tinha o artesão independente, que podia deter-se no trabalho quando assim o quisesse. As greves que se verificaram neste período, trouxeram melhorias na produção e também nunca foram repelidas com tanta energia pela polícia a serviço do capitalismo paleotécnico. As cidades mostravam os bairros pobres. Proliferava a adulteração dos alimentos, apoiada até nos parlamentos pelos representantes do povo. A paleotécnica tinha uma concepção apenas quantitativa do progresso. A justificação da exploração humana fundava-se no postulado da supervivência do mais apto; do domínio do mais forte e a luta de classes assumiu proporções espantosas. Em Rochedale (Inglaterra) por ocasião de uma greve, surgiu a ideia (já velha), mas com novas formas, a da cooperação.

Ao estudarmos a economia, veremos quanto o espírito paleotécnico influiu porque é nele que o econômico se apresenta mais agudamente aos olhos de todos. Daí a atualização do econômico procedida pelos liberalistas e marxistas. As interpretações de Marx, imbuídas desse espírito, representavam, ante as co-variantes dessa época, um estudo crítico coordenado do capitalismo paleotécnico. Mas surge, depois, uma transformação radical, profunda e muito maior do que poderia parecer, como o advento de uma verdadeira revolução na técnica que, aos poucos, irá transformando o panorama do mundo. [MFSDIC]