(lat. verbum; in. Word; fr. Parole, al. Wort; it. Parolé).
1. Segundo a distinção feita por Saussure entre palavra, língua e linguagem , a palavra seria a manifestação linguística do indivíduo. Diferentemente da língua, que é uma função social, registrada passivamente pelo indivíduo, a palavra é “o ato individual de vontade e inteligência, no qual convém distinguir: 1) as combinações nas quais o falante utiliza o código da língua para exprimir seu pensamento pessoal; 2) o mecanismo psicológico que lhe permite exteriorizar essas combinações” (Cours de linguistique générale, 1916, p. 31).
2. O termo palavra tem uma ambiguidade evidenciada pelos lógicos: por um lado, pode ser um evento individual, novo a cada vez que se repete (neste sentido dizemos, p. ex., que um livro é composto por cinquenta mil palavras), por outro, pode significar a palavra-significado, que é a mesma, por mais que se repita (neste sentido, sobre o mesmo livro, podemos dizer que é composto por cinco mil palavras). No primeiro sentido, p. ex., se a palavra está for repetida dez vezes numa página será dez palavras; no segundo sentido, é uma palavra só. Peirce propôs chamar a palavra no primeiro significado token (ocorrência) e no segundo significado type (tipo, elemento linguístico) (Coll. Pap., 4.537). Sobre o mesmo assunto, outros falam, respectivamente, em signo e símbolo (cf. M. Black, Language and Philosophy, VI, 2; trad. it., pp. 181 ss.). (Abbagnano)
A ação de exprimir-se o pensamento através da linguagem articulada. — A palavra viva, oral ou poética, contrapõe-se à linguagem constituída, escrita, prosaica ou técnica. Platão definia o pensamento como a palavra interna; essa última expressão definiria, segundo Victor Egger e outros filósofos, a vida da consciência: a palavra seria, assim, inseparável de qualquer compreensão espiritual, de qualquer operação da razão humana. Contudo, pode-se fazer uma distinção e dizer que entre a compreensão de uma relação necessária (por exemplo, em matemática, a compreensão que os três ângulos de um triângulo sejam iguais a dois retos) e sua expressão pela palavra interna intervém a liberdade: a palavra humana é sempre livre e comporta um elemento arbitrário, mesmo se a relação que se quer demonstrar é em si absolutamente necessária. (Larousse)
O termo “palavra” em alemão significa literalmente a devolução (Ant-) da palavra (-Wort), uma contrapalavra (Gegenwort). Hans-Georg Gadamer utiliza-se com frequência desse fato para justificar a sua posição de que o diálogo é a essência propriamente dita da linguagem (N.T.). [FigalO:79]
VIDE vak
Se a origem da fala e, por conseguinte, das línguas se perde na noite dos tempos, a psicologia, as lendas tradicionais e a etimologia podem, por várias razões, fornecer-nos alguma luz sobre a mecânica de seu simbolismo.
A psicologia do homem falante é sempre acessível em estado nascente, ainda que a partir de nós mesmos. J.- B. Vico e G. Humboldt, que trataram da questão, julgavam, segundo a sua própria experiência de escritores em busca de termos capazes de expressar o seu pensamento, que anteriormente a toda articulação verbal existia uma força interior, uma pulsão onde enxergavam a fonte de todas as metáforas e que era a forma arcaica e embrionária da teoria do gesto.
Convém analisar o mecanismo cuja intuição manifestava esse pressentimento, e ele nos instruirá sobre a maneira pela qual a palavra, sob o estímulo do que chamamos ideia, apresenta-se ao nosso espírito. Consideremos a ideia de árvore e perguntemo-nos como foi ela formulada. Os primitivos só se preocupavam com seres e coisas no meio dos quais viviam, na medida em que isso dizia respeito às suas necessidades. Os jardineiros da pré-história distinguiam perfeitamente o freixo, a bétula, o carvalho e o pinheiro, pois utilizavam para diferentes finalidades sua madeira, sua casca, sua semente e suas folhas. Uma palavra precisa correspondia a cada liso particular, sem que ninguém houvesse experimentado a necessidade de reunir todas as essências arborícolas na abstração de um só vocábulo.
Só depois de um lapso de tempo provavelmente bastante longo, os inovadores, menos comprometidos num trabalho especializado, mais sensíveis talvez ao aspecto estético da floresta, conceberam a ideia geral da árvore em si. Como lhes teria ela surgido? E por que a confusão da parte dos homens de outras profissões? Teria sido ela inspirada na própria expansão dos troncos, o desabrochar confuso das frondes, ou pelo conjunto dessas semelhanças?
Ajudando-nos a responder essas questões, tentemos captar a impressão que desperta em nós, como deve ter atuado sobre nossos antepassados a elevada estatura de um carvalho e, além dessa imagem isolada, a de toda uma antiga floresta. Alguma coisa de mais íntimo, de mais intenso, de mais geral nos impressiona de chofre, um poder irresistível de ereção, uma tensão vital inesgotável e subjacente, que acreditamos sentir em nós por simpatia. Isso explicaria que no indo-europeu a raiz “dreu”, firme e vigoroso, tenha podido dar em grego os nomes do carvalho, da árvore, do homem fiel. “Assim como a árvore, rainha da floresta, assim é o homem”, dizem os Upanixades. (em português, a analogia é prejudicada pelo fato de ser árvore uma palavra feminina, enquanto no original a ereção do masculino “arbre” é mais concebível… Pensemos no tronco da árvore e transformemos o contexto. N.T.)
Nicole já havia notado que um espectador de fora é por dentro um ator secreto. Esse ator das origens, que primeiro reuniu na mesma sílaba “dreu” a ideia de carvalho, do gênio da floresta e do homem íntegro, mostra-nos que as palavras não têm valor fixo e exclusivo, mas satisfazem a um emprego. O criador da palavra procede como um caricaturista, que só retira das aparências múltiplas de seu modelo um único traço, suficientemente original, para tipificá-lo, mas o faz de maneira bastante genérica para que ele seja sentido e interpretado por todo o mundo. Se o gesto é bem escolhido, será tão revelador quanto um teste, e os psicólogos aí descobrirão a síntese de um caráter, a assinatura movente e comovente de um tipo do qual poderá tornar-se o símbolo.
Começamos a compreender aquilo que Humboldt entendia por sua misteriosa pulsão original. É o preâmbulo do gesto, o início de uma mímica inconsciente que nossos músculos delineiam e que emprestamos às coisas, quando na realidade foram elas que nos sugeriram o seu movimento. A palavra simbólica, que reúne essas duas noções contagiosas, representa o papel de um verbo. Com ele nós encontramos o aspecto mais elementar dessa história do gesto, na qual René Guénon enxergava a verdadeira chave do simbolismo.
Encarada na sua concepção mais vasta, a teoria do gesto postula a reintegração da continuidade em todos os níveis de um mundo que a física quântica apresenta como dominado pelo descontínuo. Restabelece um laço de solidariedade virtual entre estados separados, sobretudo quando o gesto inicial se transforma em ritmo pela sua própria repetição. Pois a atividade, imediata por definição, produz seus efeitos de maneira sucessiva e só escapa ao provisório graças ao ritmo, que comanda os gestos, os ritos e os símbolos.
Há identidade, nos diz Guénon, entre o símbolo e o rito. Não apenas porque o rito é um símbolo realizado no tempo, mas porque, em contrapartida, o símbolo gráfico a fixação de um gesto ritual. A palavra representa um exemplo bem mais puro, se lembrarmos que toda fala ritual é geralmente pronunciada por uma personagem consagrada, cuja qualificação não depende de sua individualidade, mas de sua função, o que define igualmente, como já vimos, o trabalho do ator e o papel da palavra. (Benoist)