origem da sociedade

Ou a sociedade humana surgiu das necessidades naturais dos entes que a compõem, ou foi o resultado de um acordo de vontade, de uma deliberação tomada pelos indivíduos, com o intuito de constitui-la. Entretanto há lugar para uma terceira posição, a qual afirmaria que a causa eficiente da sociedade, para usarmos a linha aristotélica, é constituída não só de uma tendência natural dos seus elementos a formarem uma coletividade, mas também de um “acordo ao estabelecê-la”. Deste modo, os seres humanos têm uma tendência natural a formar uma coletividade, mas estabelecem simultaneamente normas para esse convívio. Nessa posição sintética, que reúne numa concreção as duas primeiras, a sociedade humana tem uma base ética, pois as relações meramente biológicas estão também presididas por manifestações de inteligência, que a distingue das outras coletividades animais. Essa parte inteligente, que é uma revelação da vontade e do seu arbítrio, dar-lhe-ia, portanto, a sua característica humana.

A teoria contratualista da sociedade (que se funda na afirmativa de que esta surge de uma convenção e de um acordo entre as consciências) opõe-se à teoria, segundo a qual a sociedade nada mais é que o resultado de um processo evolutivo da primeira substância, quer seja ela a matéria ou o espírito, que prossegue sua linha evolutiva até alcançar formas superiores, em obediência a uma lei inflexível do determinismo universal.

Nela há diversas escolas que se diferenciam sob vários aspectos mas, em suas linhas gerais, todas defendem a naturalidade da sociedade, como a sua origem e não o produto de um acordo entre os homens, como na concepção contratualista de Rousseau, por exemplo.

A escola naturalista considera a sociedade um organismo vivo. Aristóteles e posteriormente outros pensadores, Pascal, Vico, Condorcet notaram as analogias entre a sociedade humana e um ser vivo. Kant considerou a sociedade humana como um grande organismo, e seguiram essa orientação os hegelianos, o positivismo de Comte e o evolucionismo de Spencer. Com Savigny afirma-se o sentido panteísta socialista alemão, que é a tese fundamental da escola histórica. Para esta há uma força latente e fatal que governa o mundo e o impele pelo caminho do progresso universal. Ela se opõe à contratualista francesa, que afirma a presença e a atuação da vontade humana na direção da história, para afirmar contrário, pois aquela é apenas o produto de uma evolução natural.

Hegel atribuiu ao Estado a mesma lei, pois este nada mais é que a Ideia universal, no fieri (Werden), no devir, que se realiza sucessivamente nos diversos Estados orientais, gregos e latinos até alcançar a consciência de si mesmo no Estado germânico, que representará o Espírito, no ápice da evolução humana.

Estabelece Comte três estados: o teológico ou fictício, o metafísico ou abstrativo e o científico ou positivo, pelos quais passa todo o nosso conhecimento. É a famosa lei dos três estados. Na primeira, todos os problemas são solucionados, recorrendo-se às forças sobrenaturais; na segunda, por abstrações metafísicas e, finalmente, busca-se nas ciências positivas a solução dos problemas humanos. Ele desprezou a religião e a metafísica e aconselhou apenas a aplicação científica pela observação dos fatos sociais, pela sua classificação ,pelo seu relacionamento e, finalmente, pela indução, alcançar as leis que os regem. Sua concepção da sociologia era, portanto, biológica, como esta era, por sua vez, uma realização do físico-químico. A sociedade é um organismo, onde se dava a presença das mesmas leis biológicas 1) as partes constituintes são heterogêneas, mas solidárias, pois sua atividade se orienta para conservação do conjunto; 2) a divisão das funções especiais é semelhante à do ser biológico; 3) a presença nessas funções da espontaneidade, da necessidade e da imanência; 4) a subordinação de todas as partes a um poder central e superior. Comte aceitava, quanto à origem da sociedade, a tese evolucionista.

Spencer negava validez à lei dos três estados, mas aceitava a evolução da sociedade; um organismo sujeito à evolução. Contudo essa lei não é o Espírito de Hegel, mas a matéria, que apresenta três fases evolutivas: a inorgânica, a orgânica e a superorgânica ou social. Contudo não há solução de continuidade entre a evolução orgânica e a superorgânica, pois esta surge irresistivelmente, embora gradativamente, da primeira. As primeiras manifestações superorgânicas são observadas na ação dos animais, no cuidado da prole, na construção dos abrigos, etc. Mas é precisamente na associação dos indivíduos para a consecução de um fim comum que ele encontra a manifestação mais segura dessa lei evolutiva, que apresenta graus superiores e inferiores.

Na preocupação organicista e evolucionista da sociedade, os seus defensores buscaram analogias com a fisiologia e a biologia empregando, assim, a terminologia dessas ciências na descrição dos fatos sociais como: sistema ganglionar da sociedade, elementos histológicos da sociedade, sistema nervoso social, metabolismo social, etc., do mesmo modo que os mecanicistas empregam os termos da mecânica: dinâmica social, mecanismo social, aparelho social, etc. Reuniram os defensores de tais ideias uma série de provas, fundadas em argumentos com base nas analogias.

Pode-se dizer que a concepção organicista da sociedade foi uma reação à concepção contratualista. É da cosmovisão do empresário utilitário considerar a sociedade dentro da sua visão filosófica, e esta inclui como possibilidades teóricas a visão contratualista e a organicista. Sabemos que é fundamental do homem de negócios a liberdade de exercício e de aplicação de seus métodos, sem os quais a sua atividade é coartada. Considerar a sociedade como uma organização religiosa é criar embaraços à sua ação. É mister demonstrar que tudo decorre da natureza humana e esta obedece às leis da sua própria natureza. A concepção evolucionista já representa uma defecção dos verdadeiros interesses do empresário, e indica um risco histórico importante. A solução só pode ser a de afirmar um final evolucionista; ou seja, que o empresário utilitário e sua concepção do mundo representam, não só o ápice, mas o fecho da evolução. Foi o que pretendeu Comte com a sua lei dos três estados, conscientemente ou não, mas como decorrência lógica das premissas estabelecidas pela concepção do empresário utilitário.

São evidentes as deficiências do positivismo, que dando validez apenas ao experimentável, quer resolver negativamente; ou seja, negar valor ao que não é mais experimentável. Por sua vez os evolucionistas realizam um erro de indução, pois concluem pela visão unilateral e exclusivista dos fatos, pela interpretação equívoca que dos mesmos fazem e levam, ademais, suas conclusões a um âmbito maior do que realmente tem. Seus defeitos estão, pois, no considerar que os fatos humanos são apenas orgânicos, esquecendo a função do ato humano e a presença da cognição, da vontade e da liberdade na orientação dos mesmos. Concretamente o homem é o ser biológico, mas também o psicológico, o ético, etc. Por outro lado consideram o que era apenas analógico como idêntico, porque o funcionar social não é senão análogo ao funcionar biológico. Consequentemente as ilações finais são falsas. Não se quer negar o que há de positividade em tais teorias. Mas elas pecam por abstratismo, salientando um dos fatores sociais e negando a cooperação dos outros, sem os quais a visão social será unilateral e falsa.

Essas doutrinas influem na mentalidade cesariocrata, que delas extrai a doutrina da negação absoluta do direito individual e da submissão total do indivíduo ao Estado, explorando sempre em todas as doutrinas o aspecto que negue a liberdade humana ou postula a submissão desta à vontade do Estado. Daí pode alcançar até o totalitarismo igualitário, porque a família, as classes e as corporações são elementos diferenciantes, e por possuírem interesses próprios, contrários ao interesse geral em muitos aspectos, são considerados por isso como elementos perturbadores do interesse coletivo.

A concepção evolucionista gera a tese da luta pela existência, que é evidente biologicamente e, consequentemente, favorece a teoria da luta de classes e a concepção da concorrência do empresário utilitário. Por outro lado, predispõe a justificação do liberalismo econômico, que por sua vez gera o socialismo igualitário, que é uma ideologia cesaresca. E essa luta absorve a atenção de muitos, levando-os ao parcialismo inevitável de uma visão abstratista, porque se funda numa realidade social, num dos fatores da sociedade, mas virtualiza outros, sem os quais não pode haver uma visão concreta da sociedade.

A concepção social da sociedade para a filosofia cristã admite que a sociedade é fundamental da natureza humana, uma instituição natural e corresponde à emergência humana. Contudo a sociedade civil não decorre diretamente dessa natureza, mas indiretamente, porque nesta os fatos passam a atuar nas novas relações entre os membros da sociedade. Deste modo, parte da organização social decorre diretamente da natureza e parte decorre do exercício da vontade humana. Ademais, as sedimentações formadas atuam na heterogeneização das relações humanas.

Quanto à origem da sociedade, a concepção contratualista afirma que é o produto livre da vontade humana; a naturalista, que é uma decorrência da natureza humana ou de um poder superior inteligente, como Espírito (Hegel) ou a matéria (Spencer). A concepção cristã afirma que é a obra de um espírito superior, que forma o homem com destino natural à sociedade, sem prescindir o papel da vontade humana. Como o homem é uma criatura, a origem final e remota se encontra na divindade criadora. A concepção cristã é, pois, uma concepção genericamente hierática, e especificamente teocrática, que considera o papel e a importância que o homem, com a sua vontade, exerce sobre a história e o seu próprio destino, reunindo as positividades naturalistas e as contratualistas, e religa o homem ao Ser Supremo. [MFSDIC]