“A oposição de um termo a um outro se dá de quatro maneiras: há a oposição dos relativos, a dos contrários, a da privação da possessão e a da afirmação da negação. – A oposição, em cada um desses casos, pode exprimir-se esquematicamente da seguinte maneira: a dos relativos, como o duplo à metade; a dos contrários, como o mal ao bem; a da privação da possessão, como a cegueira à vista; a da afirmação da negação, como: ele está sentado, ele não está sentado”. Categorias C. 10
Passemos em revista cada um destes tipos de oposição.
A oposição dos relativos. – É relativo um termo que, em sua essência, relaciona-se a um outro e não pode, em consequência, ser concebido sem essa relação a ele: o duplo é duplo em relação à metade, e o conhecimento é conhecimento em função de um cognoscível. Observemos que os relativos não são verdadeiros opostos, uma vez que a oposição propriamente dita comporta uma exclusão de seus termos um com relação ao outro (a afirmação exclui a negação); o relativo, ao contrário, não pode existir senão com relação a seu contrário, que o completa de alguma forma (o conhecimento supõe a própria realidade de um conhecível).
A oposição dos contrários. – Ao contrário dos relativos, os contrários não podem ser ditos um do outro. Não se diz “o frio do quente”. Eles se colocam, um em face do outro, repelindo-se mutuamente. Trata-se de uma verdadeira oposição. O que distinguirá os contrários dos dois últimos tipos de oposição será o laço, a comunidade que eles conservam ainda sob sua mútua incompatibilidade: eles se excluem em um mesmo sujeito, não podendo este receber ao mesmo tempo os dois contrários, quente e frio por exemplo, mas permanecendo o suporte presuntivo de um e de outro. Por outro lado, na oposição dos contrários subsiste o que se chama uma comunidade de gênero: assim, o branco e o preto se excluem no mesmo gênero, cor. Alguns contrários, para Aristóteles, não admitem intermediários, o par e o impar por exemplo; outros o comportam, o preto e o branco entre os quais há inúmeros matizes tais como o cinza.
A oposição privação-possessão. – Este tipo de oposição comporta uma negação mais radical do que a contrariedade: não há mais comunidade de gênero entre um “hábito” e sua “privação”, mas somente de sujeito. O exemplo clássico deste tipo de oposição é o da visão e de sua privação, a cegueira: em um mesmo sujeito, estes extremos se excluem. É necessário precisar que não se pode falar de privação ou de seu oposto a não ser que a perfeição em questão deva efetivamente se achar no sujeito considerado: a pedra não é “privada” da visão, mas um vidente o é, uma vez que ele se acha em condições nas quais normalmente deveria ver.
A oposição dos contraditórios. – Trata-se da mais forte de todas as oposições e, como se verá, é o funcionamento mesmo de toda oposição: um dos partidos exclui completamente o outro, sem que subsista entre eles nada de comum. Esta oposição se realiza essencialmente entre a afirmação e a negação, quer dizer no julgamento: “Sócrates está doente”. – “Sócrates não está doente”; ela se liga imediatamente à propriedade de verdade ou de falsidade que pertence necessariamente ao julgamento.
Esta classificação que acabamos de estabelecer, seguindo a concepção de Aristóteles, dirige-se, como se vê, no sentido -de uma oposição cada vez mais acentuada. Partindo da relatividade, que não é uma verdadeira exclusão, ela chega à negação absoluta ou à contradição. É uma gradação que aparece bem clara neste texto de Tomás de Aquino:
“Primo enim dicit quot modis dicuntur opposita; quia quatuor modis, scilicet contradictoria, contraria, privatio et habitus et ad aliquid. Aliquid enim contraponitur alteri vel opponitur, aut ratione dependentiae, quo dependet ab ipso, et sic sunt opposita relative. Aut ratione remotionis, quia scilicet unum removet alterum. Quod quidem contingit tripliciter. Aut enfim totaliter removei nihil relinquens, e sic est negatio. Aut relinquit subjectum solum, et sic est privatio. Aut relinquit subjectum et genus, et sic est contrarium. Nam contraria non sunt solum in eodem subjecto, sed etiam in eodem genere.” Metaf., V, L 12, n 922
Importa observar que a oposição, tal como acabamos de defini-Ia e de dividi-Ia, conforme a teoria exposta nas Categorias, é, antes de tudo, uma oposição dos conceitos e, correlativamente, das coisas que eles representam. Entretanto, já nesse esquema, a oposição de contradição não se realiza a não ser no julgamento; não é senão de uma maneira derivada e imprópria que se pode transpor para os conceitos uma tal oposição, ex.: “doente” – “não doente”, pois o termo negativo “não doente” é um termo indeterminado.
Se nos lembrarmos de que esta oposição está na raiz dos outros tipos de oposição, dever-se-á concluir que efetivamente a oposição é antes uma propriedade do julgamento ou da enunciação. É sob este prisma que iremos agora estudá-la: ao lado da contradição que já conhecemos, iremos encontrar, paralelamente com o esquema dos termos, tipos atenuados de repulsa, bem como a contrariedade e a subcontrariedade. [Gardeil]