Como o observou Bergson, há, em toda filosofia verdadeiramente consistente, uma intuição original que orienta todos os desenvolvimentos posteriores. Isto quer dizer que na ordem objetiva da pesquisa metafísica, se deve remontar a um termo primeiro e incondicionado, ao qual tudo poderá ser referido. É preciso dizer que é capital, se se quiser penetrar na inteligência de um sistema, reencontrar esta intuição e determinar exatamente o termo.
Ora, em Tomás de Aquino, este termo, objeto da intuição geradora do seu pensamento metafísico, é incontestavelmente o ser: “O que a inteligência capta de início como seu objeto mais conhecido e em que resolve todas as suas concepções é o ser”: Illud autem quod primo intellectus concipit quasi notissimum et in quo omnes conceptiones resolvit est ens. De Veritate, q. I, a. 1
Neste texto Tomás de Aquino afirma ao mesmo tempo a universalidade e a primazia da noção de ser. Tudo o que é concebido pode ser referido à noção de ser; objetivamente, por conseguinte, tudo é do ser e esta constatação é primeira enquanto se reporta ao objeto que, por si, é o mais conhecido. É claro que esta afirmação da universalidade e da primazia da noção de ser, se está envolvida de modo confuso nos simples dados do senso comum, somente adquire toda sua significação para um espírito conduzido à reflexão filosófica.
Também não é preciso surpreender-se pelo fato de que a inteligência humana necessitou e necessite ainda bastante tempo para captar a significação desta primeira constatação.
Historicamente, já foi dito, é a Parmênides que se deve atribuir o mérito de ter visto pela primeira vez com nitidez que o ser é primeiro, tanto do lado objetivo da realidade como do lado do pensamento. Mas Parmênides se liga a uma tradição de filósofos físicos, e assim este ser imóvel e indiviso que concebera confundia-se com a totalidade do mundo percebido pelos sentidos. A ontologia de Parmênides está pois ainda no nível do ser corporal. Platão conseguirá se elevar acima deste ponto de vista inferior, e restituir ao ser sua multiplicidade e seu devir. Enfim, Aristóteles, e depois Tomás de Aquino, através de aprofundamentos progressivos, atingirão a verdadeira noção transcendente e analógica de ser.
Em nossos dias, nos situaríamos de preferência, no ponto de vista reflexivo de análise do pensamento para descobrir a situação privilegiada da noção de ser. Eis, de modo esquemático, como se poderia proceder. Coloquemo-nos de início no plano da simples apreensão de um objeto de pensamento: esta mesa, esta folha de papel, minha mão, um sentimento de alegria de que tomo consciência, etc… vejo que tudo isto é ser e que se não o fosse a título algum, eu não teria mais nada a que ligar meu pensamento. Mesmo as negações, as privações, só se concebem a partir de uma certa referência ao ser. Suprima-se este e não haverá mais objeto e nem, por conseguinte, pensamento. Esta conclusão emerge de maneira mais decisiva do estudo do juízo que, tal como o mostra a lógica, é o ato perfectivo da inteligência. Com efeito, se analisamos um juízo, constatamos que ele compreende essencialmente um sujeito e um termo que o determina, este termo podendo ser constituído de um verbo seguido de um predicado, “o tempo está bom”, ou de um simples verbo, “o sol brilha”. Se no primeiro caso o juízo nos aparece manifestamente como afirmação de ser, no segundo o juízo deve ser considerado como compreendendo implicitamente esta afirmação. É em relação ao que é, ou por outra, em relação ao ser, que julgamos: todo juízo, tanto negativo como afirmativo, é uma síntese de dois termos no ser. Nosso pensamento nos aparece ainda, na sua atividade perfectiva, como determinado ou polarizado pelo ser. A realidade é ser, e pensar é conceber o que é a realidade.
Concluamos: uma vez que o ser é o objeto primitivo e o mais compreensivo do pensamento, a metafísica, que é a ciência do que é primeiro e mais universal, não poderia ter outro objeto senão o ser. Qual é pois o conteúdo objetivo desta noção de ser, da qual acabamos de descobrir a situação privilegiada tanto no pensamento como na realidade concreta? [Gardeil]