lype

λύπη, sofrimento, depressão, tristeza

Quando a ruptura da harmonia decorrente da união entre o limitado e o ilimitado assim como a dissociação dos elementos compondo o organismo se produzem, a dor surge; do momento que uma ou outra se recompõem e se restauram, o prazer aparece, o que corresponde à retomada do modelo médico e a sua aplicação a um dado da experiência. [Catherine Joubaud, Le corps humain dans la philosophie platonicienne]


O acontecimento do sofrimento (λύπη) e os modos como nos podemos comportar relativamente à situação que cria: o patológico (μίμησις [mimesis]) e o que procura pelo sentido (λόγος [logos]) dessa situação (πρᾶξις [praxis]).

Para percebermos a diferença radical que há entre o modo como um acontecimento se processa na vida e o modo como esse acontecimento é «visto» pela reprodução imitadora (μίμησις), consideremos primeiramente uma situação que nos afecte, deprimindo-nos.

Quando passamos por uma situação que é qualificada como sendo deprimente (λύπη), produz-se uma dependência do desenvolvimento da vida desse pathos (πάθος) presente. Deixamo-nos arrastar e dominar pela situação criada. Ficamos sem qualquer distanciamento ou domínio sobre ela, como que mergulhados na mais profunda das depressões, sem poder emergir de novo à tona da vida. Ao gerar-se um estado de aflição [Rep., 603c3] dá-se o impedimento à possibilidade de resolver de um modo deliberado a situação em que nos encontramos [Rep., 603c5]. O comportamento que sucumbe à depressão (λύπη) faz que sejamos levados constantemente «para as lembranças que nos recordam o que nos afetou e para lamentações» [Rep., 604d8] que, por mais intensas e repetidas que sejam, são sempre poucas [Rep., 603d9]. A depressão que nos assola aloja-se na existência, infectando-a em todas as dimensões temporais e espaciais pelas quais ela se propaga. Os outros, o mundo, o tempo passado e o futuro, o espaço em que somos e aquele em que não habitamos, tudo é mergulhado nesse estado presente que tudo afeta.

Este comportamento relativamente à depressão (λύπη), um comportamento que enraíza na natureza humana, pode, no entanto, ser visto como «não tendo sentido e ser resultante de uma forma de inatividade com a tendência para a falta de perseverança inconstante» [Ibid. Um pouco mais acima, ο λογιστικός [logistikos] tinha sido apresentado como um ἔργον [ergon] na lucidez (Rep., 602e1). Agora, o não dar sentido (ἄλογον [alogon]) corresponde a uma «preguiça», a uma forma de «inação», a uma tendência para a paralisia e, portanto, para a covardia. Não se vê para e por onde ir.]. Fica-se de tal forma tolhido que não se consegue «ir em frente» [Rep., 604b 11] para um futuro que permanece aparentemente paralisado [87] pelo presente. Quando nos encontramos em situações adversas [Rep., 604b10] que nos afligem e que suportamos com dificuldade [Rep., 604b12], ficamos no adiamento aparentemente eterno de uma nova qualidade do instante que nos rasgue um novo e melhor futuro sem aflição, aflição que não nos permite nenhuma espécie de abertura para deliberarmos acerca do que se constitui. Não se acha sentido para o que nos está a acontecer, nem se encontra nenhuma orientação que nos permita esboçar uma reação, qualquer que ela seja. Neste estado de coisas ficamos sem uma dilucidação do que está a acontecer, ou do que aconteceu [Rep., 604c5. Platão estabelece uma comparação entre esta situação adversa e o jogo de dados. Quando os dados caem, não podemos desfazer o sucedido. A perturbação causada pela má sorte pode impedir-nos de encontrar uma saída que a supere. Ou seja, importa não ficar afetado pelo resultado da jogada, porquanto é inanulável, como também esse estado de perturbação nos impede de ver o que sucederá na próxima jogada (Rep., 604c).].

É a partir da tematização de esta forma de afetação nos acontecer, em contraposição ao modo como por natureza nos comportamos relativamente a ela [A partir da tematização do πῶς πρὸς λύπην (Rep., 603e8), procura-se um alargamento ao πῶς πρὸς πάθος em geral.], que se levanta a hipótese de haver uma possibilidade de «reação» a toda e qualquer forma de afetação patológica em geral, e, neste caso especial, a toda e qualquer forma de sofrimento. A tematização do sofrimento constitui uma forma de olhar que não se encontra no estado patológico. É já uma reação que procura oferecer resistência à situação aflitiva em que nos encontramos, para que não nos deixemos sucumbir ao sofrimento que nos tolhe. O ter em vista o pathos (πάθος) não implica necessariamente uma alteração do aspecto essencial do sofrimento (είδος λύπη [eidos lype]) ou afetação (πάθος), mas altera, de todo em todo, o modo com se dá o contacto entre esses acontecimentos e a nossa vida. O ter em vista teoricamente a afetação (πάθος) é uma forma de anular o efeito que ele surte espontaneamente sobre nós e abre uma possibilidade à transformação do modo como o acolhemos. [CaeiroArete:87-88]


A «adversidade» (συμφορά [symphora]), o «luto» (πένθος [penthos]), o «lamento» (ὀδυρμός [odirmos]), a «compaixão» (ἔλεος [eleos]), a «vergonha» (αἰδώς [aidos]), manifestam-se como matizes da forma fenomênica caracterizada pelo sofrimento (λύπη). Enquanto fenômenos patológicos, afetam-nos de uma forma completamente ambígua, distanciados da verdade em que se dão, sem que os possamos desocultar ou pôr a descoberto na sua eficácia. Podem, por isso, ser distorcidos e pervertidos pela perspectiva que abrem sobre eles, oferecendo-se a interpretações contraditórias. [CaeiroArete:96-97]