A vigência de uma ideia do mundo não se dá sem luta e oposição. O que mantém em vigor uma determinada representação das coisas é uma operação ativa e vigente que continuamente afirma o seu direito. O mundo não se constitui sem essa afirmação reiterada e sem essa interpretação ativa das coisas. Heráclito afirmou ser a luta a mãe de todas as coisas. Essa sentença heracliteana pode agora ser entendida no sentido de que uma intuição do mundo é a projeção de um povo histórico, em empenho de realizar seu destino. Se o mundo nasce sob o signo da luta, se podemos dizer que é, em sua essência, uma luta, compreenderemos como é inerente à sua natureza o risco e a possibilidade do aniquilamento. Hesíodo já distinguira duas espécies de luta: uma, que apenas favorece os flagelados, a guerra e a discórdia e outra, que leva o homem aos trabalhos construtivos e benéficos. Essas duas modalidades de luta supõem, entretanto, uma protoluta que descerra o teatro e o espaço onde se darão as atividades referidas por Hesíodo. O significado dessa luta original, dessa protoluta, encontramo-lo na determinação vitoriosa de um mundo de valores, de um círculo de representações sagradas, de um sentimento triunfante do divino, que polarizarão os futuros empreendimentos e peripécias históricas. Assim, quando uma forma do divino toma posse da consciência do homem, vencendo e superando as representações religiosas anteriores, inicia-se uma nova etapa histórica, com uma nova medida hierarquizadora das coisas. Podemos, pois, pensar essa luta primordial como uma teomaquia, como uma luta de deuses. [VFSTM:223]