liberalismo

(in. Liberalism; fr. Libéralisme; al. Liberalismus; it. Liberalismo).

Doutrina que tomou para si a defesa e a realização da liberdade no campo político. Nasceu e afirmou-se na Idade Moderna e pode ser dividida em duas fases: 1) do séc. XVIII, caracterizada pelo individualismo; 2) do séc. XIX, caracterizada pelo estatismo.

1) A primeira fase é caracterizada pelas seguintes linhas doutrinárias, que constituem os instrumentos das primeiras afirmações políticas do liberalismo: a) jusnaturalismo, que consiste em atribuir ao indivíduo direitos originários e inalienáveis; b) contratualismo , que consiste em considerar a sociedade humana e o Estado jomo fruto de convenção entre indivíduos; c) liberalismo econômico, próprio da escola fisiocrática, que combate a intervenção do Estado nos assuntos econômicos e quer que estes sigam exclusivamente seu curso natural (v. economia); d) como consequência global das doutrinas precedentes, negação do absolutismo estatal e redução da ação do Estado a limites definidos, mediante a divisão dos poderes (v. Estado). O postulado fundamental dessa fase do liberalismo é a coincidência entre interesse privado e público. Jusnaturalistas e moralistas, como Bentham, acreditavam que bastava ao indivíduo buscar inteligentemente sua própria felicidade para estar buscando, simultaneamente, a felicidade dos demais. A doutrina econômica de Adam Smith baseia-se no pressuposto análogo da coincidência entre o interesse econômico do indivíduo e o interesse econômico da sociedade (v. individualismo).

2) A segunda fase do liberalismo começa quando esse postulado entra numa crise cujos precedentes se encontram nas doutrinas políticas de Rousseau, Burke e Hegel, bem como no fato de que, no terreno político e econômico, o liberalismo individualista parecia defender uma classe determinada de cidadãos (a burguesia), e não a totalidade dos cidadãos. O Contrato social (1762) de Rousseau já constitui uma guinada no individua ismo. Para Rousseau, os direitos que o jusnaturalismo atribuíra aos indivíduos pertencem apenas ao cidadão. “O que o homem perde com o contrato social é sua liberdade e o direito ilimitado a tudo o que o tenta e que ele pode obter; o que ganha é a liberdade civil e a propriedade de tudo o que possui”. Mas, na realidade, só “a obediência à lei que prescrita é liberdade”, de tal forma que só no Estado o homem é livre (Contrat.social, I, 8). A afirmada infalibilidade da “vontade geral”, resultante da “alienação total de cada associado com todos os seus direitos a toda a comunidade” (Ibid., I, 6), transforma aquilo que para o individualismo é a coincidência do interesse individual com o interesse comum em coincidência — preliminar e garantida — do interesse estatal com o interesse individual. Desta forma, ia-se afirmando a superioridade do Estado sobre o indivíduo contra a qual o liberalismo se insurgira em sua primeira fase. Tal superioridade também é reconfirmada por Burke: “A sociedade é um contrato, mas, embora os contratos sobre objetos de interesse ocasional possam ser desfeitos a bel-prazer, não se pode considerar que o Estado tenha o mesmo valor de um acordo entre partes num comércio de especiarias e café. (…) Deve-se considerá-lo com reverência porque não é a participação em coisas que servem somente à existência animal.(…): é uma sociedade em todas as ciências, em todas as artes, em todas as virtudes e em toda a perfeição” (Reflection on the Revolution in France, 1700; Works, II, p. 368). Mas o ponto alto dessa nova concepção de Estado encontra-se na doutrina de Hegel, para quem ele é “o ingresso de Deus no mundo”, razão pela qual seu fundamento é a potência da razão que se realiza como vontade” (Fil. do dir., § 258, Zusatz). Com essa exaltação do Estado concordava outro ramo do romantismo do séc. XIX, o positivismo: Comte preconizava um estatismo tão absolutista quanto o hegeliano (Système de politique positive, 1851-54; IV, p. 65), e Stuart Mill, mesmo sem fazer concessões às concepções absolutistas, deixava grande margem à ação do Estado, mesmo no domínio que, para o liberalismo clássico, deveria ficar reservado exclusivamente para a iniciativa individual: o econômico (Principles of Political Economy, 1848). O ensaio Sobre a liberdade (1859), de Stuart Mill, tendia, ao mesmo tempo, a retirar a liberdade do rol de condições indispensáveis para o exercício da atividade moral, jurídica, econômica, etc. (segundo a concepção do liberalismo clássico), e a transformá-la num ideal ou valor em si (independente das possibilidades que oferece). Isso não impede que essa obra seja uma das mais nobres e apaixonadas defesas da liberdade.

Nas primeiras décadas do séc. XX assistiu-se à continuação desse liberalismo estatista. Tanto o idealismo inglês quanto o italiano insistiram no caráter divino do Estado. Foi o que fizeram Bosanquet (The Philosophical Theory of the State, 1899) e Gentile, que identificou o Estado com o Eu Absoluto (Genesi e struttura della società, póstuma, 1946). A inspiração hegeliana prevalecia também na doutrina de Croce, que no entanto permaneceria fiel ao ideal clássico de liberdade, demonstrando-o na prática, durante o fascismo. Para Croce, liberalismo é a doutrina do desenvolvimento dialético da história, que tudo absolve e justifica, mesmo o absolutismo e a negação da liberdade (Ética e política, 1931, p. 290). O socialismo marxista pode ser considerado uma das manifestações dessa mesma forma de liberalismo (ao qual se liga diretamente através de Hegel) (v. materialismo).

Os partidos políticos que, a partir do início do séc. XIX, desfraldaram a bandeira liberal inspiraram-se em uma e em outra das diretrizes fundamentais ora expressas: individualismo ou estatismo. Portanto, um grande número de correntes políticas díspares e por vezes opostas puderam falar em nome do liberalismo (De Ruggiero. Storia dell europeo, 1925): partidos que negaram o valor do Estado (como o radicalismo inglês do século passado), partidos que exaltaram o valor do Estado (como a chamada “direita histórica” da Itália após o resorgimento), partidos que recusaram qualquer ingerência do Estado em assuntos econômicos (como fazem ainda hoje alguns partidos liberais europeus), partidos que defendem a intervenção do Estado na iniciativa e na direção dos negócios econômicos, partidos que consideraram a liberdade como condição para a prática de qualquer atividade humana e partidos que a relegaram para o empíreo dos “valores” puros. Esses contrastes são a manifestação evidente do caráter compósito da doutrina liberal, caráter este que decorre do modo aproximativo e confuso como foi tratada a noção que deveria ser fundamental para o liberalismo: a de liberdade. O recurso casual ou sub-reptício a um ou outro dos conceitos de liberdade elaborados na história do pensamento filosófico tornou a ideia liberal em política confusa e oscilante, conduzindo-a por vezes à defesa e à aceitação da nãoliberdade (v. liberdade). [Abbagnano]


A teoria dos partidários da livre empresa. (Opõe-se ao socialismo e ao dirigismo.) — Atualmente, encorajando as iniciativas individuais e a criação de sociedades econômicas, o liberalismo econômico e social não mais exclui uma certa planificação estatal, necessária para coordenar em escala nacional as empresas particulares e criar um mercado equilibrado. [Larousse]