O legítimo fundador do transformismo, que é Lamarck, teria reconhecido coerentemente a existência de uma faculdade em si do organismo, o qual se transformava por via de adaptação; mas o pavlovismo, herdeiro que é do sensualismo e das teorias psicológicas da associação, não pode transpor os limites da interpretação mecânica do movimento vital. Uma vez eliminada a alma como princípio intrínseco de vida e como forma da matéria, ou bem se admite uma sabedoria infusa do organismo, ou bem se incorre na contradição pavloviana de considerar o organismo como efeito das cadeias de reflexos dos quais em verdade é causa.
O incondicionamento de reflexos que já foram algum dia condicionados e que se fixaram graças à constância dos sinais que os determinaram e uma vez fixados se transmitiram hereditariamente, tornando-se estáveis e inatos e enriquecendo a herança da espécie, constitui no dizer mesmo de Pavlov "uma forma do mecanismo da evolução". Mecanismo da evolução! A obra teórica de Pavlov reedita todo o naturalismo-científico do século XIX e retoma as teses básicas de Spencer, que foi na verdade o primeiro a considerar os instintos como reflexos fixados pela evolução. Linguagem estranha depois de Bergson e Boutroux! — Depois de todas as considerações contidas na teoria de Boutroux sobre a contingência das leis da natureza e todas as críticas movidas ao spencerismo pela teoria bergsoniana da evolução, não se pode conceber, sem evidente absurdo, nenhum mecanismo da evolução, porque todo mecanismo é repetição, e a evolução é a negação do repetido. A evolução é a criação perpétua do novo, dizia Bergson, porque, se nada se cria de novo não pode haver evolução. E não se vê como a incorporação de novos reflexos incondicionados possa enriquecer a herança da espécie sem criar algo de novo, sem negar a mecânica da repetição. Se o reflexo se incondiciona pela repetição indefinida dos mesmos movimentos em face dos mesmos estímulos, toda vez que um novo reflexo se insere no todo vital, a repetição se quebra e acontece algo de novo, que não é a repetição mecânica do velho. [Barbuy]