MAIÊUTICA SOCRÁTICA

Propriamente falando, foi a partir de Sócrates, ou seja, no século IV antes de Jesus Cristo, em Atenas, que começou a haver uma filosofia consciente de si mesma e sabedora dos métodos que empregava. Sócrates é, na realidade, o primeiro filósofo que nos fala do seu método. Sócrates nos conta como filosofa.

Qual é o método que Sócrates emprega? Ele próprio o denominou a maiêutica. Isto não significa mais do que a interrogação. Sócrates pergunta. O método da filosofia consiste em perguntar.

Quando se trata, para Sócrates, de definir, de chegar à essência de algum conceito, sai de sua casa, vai à praça pública de Atenas, e a toda pessoa que passa por diante dele chama e pergunta: "Que é isto?" Assim, por exemplo, um dia Sócrates sai de sua casa preocupado em averiguar o que é a coragem, que é ser corajoso. Chega à praça pública e se encontra com um general ateniense. Então diz para si: "Aqui está; este é quem sabe o que é ser corajoso, visto que é o general, o chefe." E se aproxima e lhe diz: "Que é a coragem? Você, que é um general do exército ateniense, tem que saber o que é a coragem," Então o outro lhe diz: "Pois é claro! Como não vou saber eu o que é a coragem? A coragem consiste em atacar o inimigo e nunca fugir." Sócrates coca a cabeça e lhe diz: "Essa sua resposta não é totalmente satisfatória"; e lhe faz ver que muitas vezes nas batalhas os generais ordenam ao exército retroceder para atrair o inimigo a uma determinada posição e nessa posição lhe cair em cima e destruí-lo. Então o general retifica e diz: "Bem, você tom razão." E dá outra definição; e sobre esta segunda definição Sócrates exerce outra vez sua crítica interrogativa. Continua não ficando satisfeito e pedindo outra nova definição; e assim, à força de interrogações, faz com que a definição primeiramente dada vá passando por sucessivos aperfeiçoamentos, por extensões, por reduções, até ficar o mais exata possível. Nunca até chegar a ser perfeita.

Nenhum dos diálogos de Sócrates que nos conservou Platão — onde reproduz com bastante exatidão os espetáculos ou cenas que ele presenciara — consegue chegar a uma solução satisfatória; todos se interrompem, como dando a entender que o trabalho de continuar perguntando e continuar encontrando dificuldades, interrogações e mistérios na última definição dada, não pode nunca acabar. [Morente]

O segundo momento do método dialético socrático, partia do princípio que a alma só pode alcançar a verdade "se dela estiver grávida". Com efeito, como vimos, ele se professava ignorante e, portanto, negava firmemente estar em condições de transmitir um saber aos outros ou, pelo menos, um saber constituído por determinados conteúdos. Mas, da mesma forma que a mulher que está grávida no corpo tem necessidade da parteira para dar à hiz, também o discípulo que tem a alma grávida de verdade tem necessidade de uma espécie de arte obstétrica espiritual que ajude essa verdade a vir à luz — e nisso consiste exatamente a "maiêutica" socrática.

Eis a estupenda página em que Platão descreve a maiêutica: "Ora, em todo o resto, a minha arte obstétrica se assemelha à das parteiras, mas difere em uma coisa: ela opera nos homens e não nas mulheres e assiste as almas parturientes e não os corpos. E minha maior capacidade’é que, através dela, eu consigo discernir seguramente se a alma do jovem está parindo fantasmas e mentiras ou a alguma coisa vital e real. Pois algo eu tenho em comum com as parteiras: também eu sou estéril (...) de sabedoria. E a reprovação que tantos já me fizeram, de que eu interrogo os outros, mas, eu próprio, nunca manifesto meu pensamento sobre nenhuma questão, ignorante que sou, é uma reprovação muito verdadeira. E a razão é exatamente esta: Deus me leva a agir como obstetra, mas me interdita de gerar. Em mim mesmo, portanto, eu não sou nada sábio, nem de mim saiu qualquer descoberta sábia que seja geração de minha alma. Entretanto, todos aqueles que gostam de estar comigo, embora alguns deles pareçam inicialmente de todo ignorantes, mais tarde, continuando a frequentar minha companhia, desde que Deus lhes permita, todos eles extraem disso um extraordinário proveito, como eles próprios e os outros podem ver. E está claro que não aprenderam nada de mim, mas só de si mesmos encontraram e geraram muitas e belas coisas. Mas o fato de tê-los ajudado a gerar, esse mérito sim cabe a Deus e a mim." [Reale]