1) A Lógica formal estabelece as condições de conformidade do pensamento consigo mesmo. Não visa, então, às operações intelectuais do ponto-de-vista de sua natureza: isto compete à Psicologia (v. psicologia), mas do ponto-de-vista de sua validade intrínseca, quer dizer, de sua forma. Ora, todo raciocínio se compõe de juízos, e todo juízo, de ideias: há lugar, pois, para distinguir três operações intelectuais especificamente diferentes:
Julgar, isto é, afirmar ou negar uma relação entre duas ideias.
Raciocinar, isto é, de vários juízos dados tirar um outro juízo que destes decorre necessariamente.
A Lógica estuda estas três operações em si mesmas, a saber, enquanto elas são atos do espírito, e nas suas expressões verbais, que são: para a apreensão, o termo; — para o juízo, a proposição; — para o raciocínio, o argumento.
Todos os princípios e todas as regras válidas das operações do espírito o são também e da mesma maneira de suas expressões verbais. [Jolivet]
Pode-se dizer que a "lógica formal" estuda certas estruturas de um discurso dentro do próprio discurso. Assim, a "validade" de um raciocínio exposto vai independer da verdade ou não da conclusão: o raciocínio pode ser inválido, embora a conclusão seja verdadeira. E esta validade será dada pelo encadeamento das diferentes proposições que constituem o discurso, se este encadeamento obedecer a algumas regras que são as "leis da lógica formal". De maneira resumida podemos afirmar: a lógica formal estuda alguns aspectos da sintaxe de um discurso, e sua categoria central é a noção de "validade de um raciocínio".
Em 1847 o matemático George Boole (1815-1864) publicou um ensaio intitulado The Mathematical Analysis of Logic, being an Essay towards a Calculus of deductive Reasoning; em 1854 Boole reexpôs o seu sistema numa obra que é hoje em dia um clássico, An Investigation of the Laws of Thought, on which are founded the Mathematical Theories of Logic and Probabilities (abreviadamente conhecido como The Laws of Thought). A finalidade expressa de Boole era revelar as estruturas mentais do raciocínio humano, e para tal, ele desenvolveu uma "álgebra da lógica", bastante semelhante à álgebra usual, mas dela se diferençando em alguns poucos pontos de importância. Esta álgebra, cuja estrutura é atualmente estudada com o nome de "álgebra booleana", é a primeira tentativa com sucesso feita para apresentar e manipular as estruturas do raciocínio lógico na linguagem (em engenharia eletrônica a álgebra de Boole apresenta grande utilidade na análise de circuitos elétricos).
O segundo momento importante, no sentido da matematização da lógica, ocorreu com as pesquisas de Georg Cantor (1845-1918). Realizando investigações a respeito da convergência de séries, Cantor foi levado a tentar um esclarecimento da noção de número, e a partir daí, sentiu a necessidade de desenvolver toda uma teoria para fundar esta noção. Tal teoria, chamada por ele Mengenlehre, "teoria dos agregados", foi exposta em dois papers em 1895 e 1897, intitulados ambos Contribuições para a Fundação da Teoria dos Números Transfinitos, e constitui essencialmente o que hoje conhecemos como teoria dos conjuntos. A teoria dos conjuntos de Cantor é uma visão intuitiva do cálculo que Boole desenvolveu axiomaticamente.
O trabalho de Cantor (e as consequências das investigações de Boole) levaram a um grande surto de pesquisas em matemática, numa nova disciplina que se dirigia no sentido de "esclarecer os fundamentos" de todas as noções matemáticas usuais. A primeira obra-síntese nestas investigações é o trabalho de Bertrand Russell e Alfred North Whitehead, Principia Mathematica (1911). O cálculo lógico desenvolvido por Russell, que é uma extensão do cálculo de Boole, é ainda hoje a linguagem básica utilizada em lógica matemática. O trabalho de Russell serviu, por outro lado, para que o interesse pela lógica — preso às questões dos "fundamentos da matemática" — reingressasse na filosofia. Para tanto contribuíram não só as ideias de Russell como sobretudo os trabalhos de alguns de seus discípulos, dos quais o mais famoso (e mais importante) é o austríaco Wittgenstein. No seu único livro publicado em vida (em 1921), o Tractatus Logico-Philosophicus, Wittgenstein expõe uma doutrina que, utilizando como norma o cálculo lógico de Russell, pretende esclarecer a questão do "sentido" de uma sentença em função de sua correspondência ou não a esta norma lógica. Nesta obra, que é basicamente um livro de filosofia, Wittgenstein faz uma importante contribuição para o desenvolvimento de uma teoria matemática da semântica, a noção de "tabela-verdade".
De uma maneira geral, se bem que todos estes trabalhos tenham contribuído para um certo esclarecimento das estruturas lógico-formais do raciocínio, nenhum deles foi além e se mostrou capaz de elucidar a estrutura sintática de uma linguagem "natural". O conceito de linguagem "natural" é um conceito vago: por ele pretendemos descrever toda forma de comunicação verbal, escrita ou visual; exigir que uma linguagem "natural" sirva à "comunicação" equivale a exigir que ela tenha um "sentido". Ora, devem haver certas restrições formais que limitem a possibilidade de combinação de sinais "com sentido". A procura destas restrições se encontra, hoje em dia, em três grandes áreas. A primeira é objeto do estudo de Chomsky, com sua teoria das gramáticas formalizadas; a segunda investiga restrições muito gerais (e de fundo estatístico) como a lei de Zipf-Mandelbrot — e o princípio que a fundamenta o "princípio do menor esforço". A terceira se situa no campo dos trabalhos de Lévi-Strauss, na sua busca de "estruturas gerais" que caracterizem o comportamento e a mente humana. (Francisco Doria - DCC)