In-sein
§12. Caracterização prévia do ser-no-mundo a partir do SER-EM como tal STMSCC: §12
3. O SER-EM como tal; deve-se expor a constituição ontológica do próprio em (cf. cap. 5 desta seção). Todo destaque de um destes momentos constitutivos significa destacar também os demais, isto é, significa ver, cada vez, todo o fenômeno. O ser-no-mundo é, sem dúvida, uma constituição necessária e a priori da presença (Dasein), mas de forma nenhuma suficiente para determinar por completo o seu ser. Antes das análises temáticas particulares destes três fenômenos, devemos buscar uma caracterização orientadora do momento constitutivo por último mencionado. STMSCC: §12
O que diz SER-EM? De saída, completamos a expressão, dizendo: ser “em um mundo” e nos vemos tentados a compreender o SER-EM como um estar “dentro de…” . Com esta última expressão, designamos o modo de ser de um ente que está num outro, como a água está no copo, a roupa no armário. Com este “dentro” indicamos a relação recíproca de ser de dois entes extensos “dentro” do espaço, no tocante a seu lugar neste mesmo espaço. Água e copo, roupa e armário estão igualmente “dentro” do espaço “em” um lugar. Esta relação de ser pode ampliar-se, por exemplo: o banco na sala de aula, a sala na universidade, a universidade na cidade e assim por diante até: o banco “dentro do espaço cósmico”. Esses entes, que podem ser determinados como estando um “dentro” do outro, têm o mesmo modo de ser do que é simplesmente dado, como coisa que ocorre “dentro” do mundo. Ser simplesmente dado “dentro” do que está dado, o ser simplesmente dado junto com algo dotado do mesmo modo de ser, no sentido de uma determinada relação de lugar, são caracteres ontológicos que chamamos de categoriais. Tais caracteres pertencem ao ente não dotado do modo de ser da presença (Dasein). STMSCC: §12
O SER-EM, ao contrário, significa uma constituição de ser da presença (Dasein) e é um existencial. Com ele, portanto, não se pode pensar no ser simplesmente dado de uma coisa corpórea (o corpo vivo do humano) “dentro” de um ente simplesmente dado. O SER-EM não pode indicar que uma coisa simplesmente dada está, espacialmente, “dentro de outra” porque, em sua origem, o “em” não significa de forma alguma uma relação espacial desta espécie ; “em” deriva-se de innan-, morar, habitar, deter-se; “an” significa: estou acostumado a, habituado a, familiarizado com, cultivo alguma coisa; possui o significado de colo, no sentido de habito e diligo. O ente, ao qual pertence o SER-EM, neste sentido, é o ente que sempre eu mesmo sou. A expressão “sou” conecta-se a “junto”; “eu sou” diz, por sua vez: eu moro, detenho-me junto… ao mundo, como alguma coisa que, deste ou daquele modo, me é familiar. Como infinitivo de “eu sou”, isto é, como existencial, ser (NH: ser é também infinitivo de “é”: o ente é) significa morar junto a, ser familiar com. O SER-EM é, pois, a expressão formal e existencial do ser da presença (Dasein) (NH: mas não do ser em geral e nem mesmo do próprio ser – pura e simplesmente) que possui a constituição essencial de ser-no-mundo. STMSCC: §12
O “ser-junto” ao mundo, no sentido de empenhar-se no mundo, o que ainda deve ser interpretado mais precisamente, é um existencial fundado no SER-EM. Nestas análises, trata-se de ver uma estrutura originária do ser da presença (Dasein), cujo conteúdo fenomenal deve ser articulado pelos conceitos de ser. Como, no entanto, esta estrutura não pode ser apreendida em princípio pelas categorias ontológicas tradicionais, este “ser-junto-a” deve ser explicado mais de perto. Escolhemos, mais uma vez, a via em que se lhe contrapõe uma relação de ser ontologicamente diversa, ou seja, a relação categorial, que exprimimos com as mesmas formas verbais. Estas apresentações fenomenais de distinções ontológicas fundamentais que, no entanto, se podem facilmente confundir, devem ser realizadas explicitamente, mesmo correndo-se o perigo de se discutir “evidências”. (100) O estado da análise ontológica mostra, porém, que de há muito não temos, suficientemente sob nossas “garras” estas evidências e só raramente as interpretamos de acordo com o sentido de seu ser e que, sobretudo, ainda não dispomos de conceitos adequados para uma cunhagem segura de sua estrutura. STMSCC: §12
Como existencial, o “ser-junto” ao mundo nunca indica um simplesmente dar-se em conjunto de coisas que ocorrem. Não há nenhuma espécie de “justaposição” de um ente chamado “presença (Dasein)” a um outro ente chamado “mundo”. Por vezes, sem dúvida, costumamos exprimir com os recursos da língua o conjunto de dois entes simplesmente dados, dizendo: “a mesa está junto à porta”, “a cadeira ‘toca’ a parede”. Rigorosamente, nunca se poderá falar aqui de um “tocar”, não porque sempre se pode constatar, num exame preciso, um espaço entre a cadeira e a parede, mas porque, em princípio, a cadeira não pode tocar a parede mesmo que o espaço entre ambas fosse igual a zero. Para tanto, seria necessário pressupor que a parede viesse ao encontro “da” cadeira. Um ente só poderá tocar um outro ente simplesmente dado dentro do mundo se, por natureza, tiver o modo do SER-EM, se, com sua presença (Dasein), já se lhe houver sido descoberto um mundo. Pois a partir do mundo o ente poderá, então, revelar-se no toque e, assim, tornar-se acessível em seu ser simplesmente dado. Dois entes que se dão simplesmente dentro do mundo e que, além disso, são em si mesmos destituídos de mundo, nunca podem “tocar”-se, nunca um deles pode “ser e estar junto ao” outro. Não pode faltar o acréscimo: “e, além disso, são em si mesmos destituídos de mundo”, porque também o ente que não é destituído de mundo, por exemplo, a própria presença (Dasein), se dá simplesmente “no” mundo ou, mais precisamente, também pode ser apreendido, com certa razão e dentro de certos limites, como algo simplesmente dado. Para isso, no entanto, é preciso que se desconsidere inteiramente, isto é, que não se veja a constituição existencial do SER-EM. Mas não se deve confundir essa possibilidade de apreender a “presença (Dasein)” como um dado e somente como simples dado com um modo de “ser simplesmente dado”, próprio da presença (Dasein). Pois este ser simplesmente dado não é acessível quando se desconsideram as estruturas específicas da presença (Dasein). Ele só se torna acessível em sua compreensão prévia. A presença (Dasein) compreende o (101) seu ser mais próprio no sentido de um certo “ser simplesmente dado fatual”. Na verdade, a “fatualidade” do fato da própria presença (Dasein) é, em seu ser, fundamentalmente diferente da ocorrência fatual de uma espécie qualquer de pedras. Chamamos de facticidade o caráter de fatualidade do fato da presença (Dasein) em que, como tal, cada presença (Dasein) sempre é. À luz da elaboração das constituições existenciais básicas da presença (Dasein), a estrutura complexa desta determinação ontológica só poderá ser apreendida em si mesma como problema. O conceito de facticidade abriga em si o ser-no-mundo de um ente “intramundano”, de maneira que este ente possa ser compreendido como algo que, em seu “destino”, está ligado ao dos entes que lhe vêm ao encontro dentro de seu próprio mundo. STMSCC: §12
De início, trata-se apenas de ver a diferença ontológica entre o SER-EM, como existencial, e a “interioridade” recíproca dos entes simplesmente dados, como categoria. Ao delimitarmos dessa maneira o SER-EM, a presença (Dasein) não se vê despojada de toda e qualquer espécie de “espacialidade”. Ao contrário, a presença (Dasein) tem seu próprio “ser no espaço”, o qual, no entanto, só é possível com base e fundamento no ser-no-mundo em geral. Não se pode, por conseguinte, esclarecer ontologicamente o SER-EM mediante uma caracterização ôntica, dizendo: o SER-EM um mundo é uma propriedade espiritual e a “espacialidade” do homem é uma qualidade de sua corporeidade (Leiblichkeit), fundada sempre num ser corpóreo (Kõrperlichkeit). Pois, com isso, se estaria novamente diante do ser simplesmente dado de uma coisa espiritual assim qualificada junto a uma coisa (44) corpórea, permanecendo obscuro o ser como tal do ente assim composto. A compreensão de ser-no-mundo como estrutura essencial da presença (Dasein) é que possibilita a visão penetrante da espacialidade existencial da presença (Dasein). É ela que impede a eliminação antecipada desta estrutura. Essa eliminação prévia não é motivada ontologicamente, mas “metafisicamente”, pela opinião ingênua de que primeiro o homem é uma coisa espiritual e que, só então, coloca-se “em” um espaço. STMSCC: §12
Com a facticidade, o ser-no-mundo da presença (Dasein) já se dispersou ou até mesmo se fragmentou em determinados modos de SER-EM. (102) Pode-se exemplificar a multiplicidade desses modos de SER-EM através da seguinte enumeração: ter o que fazer com alguma coisa, produzir alguma coisa, tratar e cuidar de alguma coisa, aplicar alguma coisa, fazer desaparecer ou deixar perder-se alguma coisa, empreender, impor, pesquisar, interrogar, considerar, discutir, determinar… Estes modos de SER-EM possuem o modo de ser da ocupação, que ainda será caracterizada mais profundamente. Modos de ocupação são também os modos deficientes de omitir, descuidar, renunciar, descansar, todos os modos de “ainda apenas”, no tocante às possibilidades da ocupação. O termo “ocupação” tem, de início, um significado pré-científico e pode designar: realizar alguma coisa, cumprir, “levar a cabo”. Mas a expressão ocupar-se de alguma coisa pode também significar “arranjar alguma coisa”. Ademais, usamos ainda a mesma expressão numa fórmula característica: preocupar-se com que uma empresa fracasse. “Preocupar-se” indica, neste caso, uma espécie de ter medo. Em oposição a estes significados pré-científicos e ônticos, a presente investigação usa a expressão “ocupar-se” para designar o ser de um possível ser-no-mundo. Esta escolha não foi feita porque a presença (Dasein) é, em primeiro lugar e em larga escala, “prática” e econômica, mas porque o ser da presença (Dasein) deve tornar-se visível em sisi mesmo como cura. Mais uma vez, deve-se tomar a expressão como um conceito ontológico de estrutura (cf. cap. 6 desta seção). Esta expressão nada tem a ver com as “penas”, “tristezas” ou “preocupações” da vida as quais, do ponto de vista ôntico, podem ser encontradas em qualquer presença (Dasein). Tudo isso, assim como a “jovialidade” e “despreocupação” só são onticamente possíveis porque, entendida ontologicamente, a presença (Dasein) é cura. Como ser-no-mundo pertence ontologicamente à presença (Dasein), o seu ser para com o mundo é, essencialmente, ocupação (NH: aqui ser-homem e presença (Dasein) se equivalem). STMSCC: §12
De acordo com o que foi dito, o ser-no-mundo não é uma “propriedade” que a presença (Dasein) às vezes apresenta e outras não, como se pudesse ser igualmente com ela ou sem ela. O homem não “é” no sentido de ser e, além disso, ter uma relação com o mundo, o qual por vezes lhe viesse a ser acrescentado. A presença (Dasein) nunca é “numa primeira aproximação” um ente, por assim dizer, livre de SER-EM que, algumas vezes, tem gana de assumir uma “relação” com o mundo. Esse assumir relações com o mundo só é possível porque a presença (Dasein), sendo-no-mundo, é como é. Tal constituição de ser não surge porque, além dos entes dotados do caráter da presença (Dasein), ainda se dão outros entes, os simplesmente dados, que com ela se deparam. Esses outros entes só podem deparar-se “com” a presença (Dasein) quando conseguem mostrar-se, por si mesmos, dentro de um mundo. STMSCC: §12
A formulação, hoje muito em voga, de que o homem “tem seu mundo circundante” nada diz do ponto de vista ontológico, enquanto esse “ter” permanecer indeterminado. É que, em sua possibilidade, “ter” se funda na constituição existencial do SER-EM. Sendo essencialmente desse modo, a presença (Dasein) pode, então, descobrir explicitamente o ente que lhe vem ao encontro no mundo circundante, saber algo a seu respeito, dele dispor, ter “mundo”. A formulação “ter um mundo circundante”, tão trivial do ponto de vista ôntico, é, do ponto de vista ontológico, um problema. Para resolvê-lo é imprescindível determinar, primeiro, de maneira suficiente e ontológica, o ser da presença (Dasein). Porque a biologia se vale dessa constituição de ser – sobretudo depois de K.E. von Baer – não se deve deduzir um “biologismo” do uso filosófico dessa constituição. É que também a biologia, enquanto ciência positiva, não pode encontrar e determinar essa estrutura. Ao contrário, deve pressupô-la e dela a fazer (NH: será que aqui se trata mesmo de “mundo”? Apenas meio ambiente! Essa “ambiência” corresponde ao “ter”. Presença jamais “tem” mundo) um uso constante. Em si mesma essa estrutura só poderá ser filosoficamente explicitada como um a priori do objeto temático da biologia, depois de ter sido compreendida como estrutura da presença (Dasein). Apenas orientando-se pela estrutura ontológica assim concebida é que se poderá definir a priori, através de uma privação, a constituição de ser da “vida”. Tanto do ponto de vista ôntico como ontológico, o ser-no-mundo, enquanto ocupação tem a primazia. Na analítica da presença (Dasein), essa estrutura recebe uma interpretação fundamental. STMSCC: §12
Mas será que a determinação desta constituição de ser, fornecida até aqui, não se move exclusivamente em proposições negativas? Só ouvimos o que não é este SER-EM, pretensamente fundamental. De fato. Mas esta predominância de caracteres negativos não é mero acaso. Ao contrário, indica a peculiaridade do fenômeno e, portanto, num sentido autêntico e correspondente ao próprio fenômeno, algo de positivo. A demonstração fenomenológica do (104) ser-no-mundo tem o caráter de uma recusa de encobrimentos e distorções porque este fenômeno já é sempre, de certo modo, “visto” em toda presença (Dasein). E isto ocorre porque ele participa da constituição fundamental da presença (Dasein) na medida em que, com o seu ser, já se abriu à sua própria compreensão de ser. O fenômeno é, porém, na maioria das vezes, profundamente mal compreendido ou insuficientemente interpretado (NH: de fato! Ele não é absolutamente na medida do ser), do ponto de vista ontológico. Todavia, a esse “ver de certo modo e na maioria das vezes compreender mal” também se funda na constituição de ser da presença (Dasein) ela mesma, segundo a qual a presença (Dasein), numa primeira aproximação, compreende ontologicamente a si mesma (e, portanto, também o seu ser-no-mundo) a partir dos entes e de seu ser, que ela mesma não é, mas que lhe vêm ao encontro (NH: uma significação retroativa) “dentro” de seu mundo. STMSCC: §12
Não apenas na epistemologia, mas na maior parte das vezes, toma-se o conhecimento do mundo exclusivamente como exemplo do fenômeno de SER-EM, pois se entende a atitude prática como “não teórica” e “ateórica”. Porque este primado do conhecimento desorienta a compreensão do modo de ser mais próprio do conhecimento, deve-se ressaltar, de maneira ainda mais precisa, o ser-nomundo, no tocante ao conhecimento do mundo, e torná-lo visível como uma “modalidade” existencial do SER-EM. STMSCC: §12
§13. Exemplo do SER-EM num modo derivado. O conhecimento do mundo STMSCC: §13
Mesmo que se lograsse determinar ontológica e primariamente o SER-EM a partir do ser-no-mundo que conhece, isso implicaria, como primeira tarefa indispensável, uma caracterização fenomenal do conhecimento enquanto caracterização do SER-EM e para o mundo. Ao se refletir sobre esta relação de ser, dá-se, logo de início, um ente, chamado natureza, como aquilo que primeiro se conhece. Neste ente não se encontra conhecimento. Quando “há” conhecimento, este pertence unicamente ao ente que conhece. Entretanto, o conhecimento também não é simplesmente dado nesse ente, a coisa homem. De todo modo, não pode ser constatado externamente (106) como, por exemplo, propriedades de nosso corpo. Não lhe pertencendo como uma qualidade externa, o conhecimento deve estar “dentro”. Assim, quanto mais univocamente se admite, em princípio, que o conhecimento está propriamente “dentro” e que nada possui do modo de ser de um ente físico e psíquico, tanto mais se acredita proceder sem pressuposições, na questão sobre a essência do conhecimento e sobre o esclarecimento da relação entre sujeito e objeto. Pois, só então é que poderá surgir o problema ou a seguinte questão: Como este sujeito que conhece sai de sua “esfera” interna e chega a uma “outra” esfera, a “externa”? Como o conhecimento pode ter um objeto? Como se deve pensar o objeto em sisi mesmo de modo que o sujeito chegue por fim a conhecê-lo, sem precisar arriscar o salto numa outra esfera? Nesse ponto de partida com suas múltiplas variações, abre-se mão constantemente de questionar o modo de ser do sujeito que conhece, embora, sempre, ao se tratar de seu conhecimento, esse modo de ser esteja implícito. Sem dúvida, se nos assegura que o interior ou a “esfera interna” do sujeito não é, decerto, pensada como uma “caixa” ou um “casulo”. Mas reina um grande silêncio sobre o que significa positivamente o “interior” da imanência em que o conhecimento está, de início, trancado, e como o caráter ontológico deste “estar dentro” do conhecimento se funda no modo de ser do sujeito. Como quer que se interprete esta esfera interna, ao se questionar como o conhecimento dela “sai” e a “transcende”, logo aparece que se considera o conhecimento problemático, sem que antes se tenha esclarecido como é e o que é em sisi mesmo este conhecimento que impõe a tarefa de um tal enigma. STMSCC: §13
Se perguntarmos, agora, o que se mostra nos dados fenomenais do próprio conhecimento, deve-se admitir que o conhecer em sisi mesmo se funda previamente num já-ser-junto-ao-mundo, no qual o ser da presença (Dasein) se constitui de modo essencial. Mas esse já-ser-junto-a não é, de início, apenas agarrar com rigidez algo simplesmente dado. Enquanto ocupação, o ser-no-mundo é tomado pelo mundo de que se ocupa. É necessário que ocorra previamente uma deficiência do afazer que se ocupa do mundo para que o conhecimento, no sentido de determinação observadora de algo simplesmente dado, se torne possível. Abstendo-se de todo produzir, manusear etc, a ocupação se concentra no único modo ainda restante de SER-EM, ou seja, no simples demorar-se junto a… com base nesse modo de ser para o mundo, que só permite um encontro com o ente intramundano em sua pura configuração (eidos) e como modo dessa maneira de ser, é que se torna possível (NH: com a ab-stração ainda não se tem a visualização, pois esta possui uma origem própria e tem como consequência necessária a abstração; a consideração possui sua própria originariedade. A visão do eidos requer algo diferente) uma visualização explícita do que assim vem ao encontro. Essa visualização é sempre um direcionamento para…, um encarar o ente simplesmente dado. Retira antecipadamente do ente que vem ao encontro um “ponto de vista”. Essa visualização se dá em si mesma, demorando-se, de modo autônomo, junto ao ente intramundano. Nessa “demora” enquanto abstenção de todo manuseio e utilização – cumpre-se a percepção de um ente simplesmente dado. Esse perceber se realiza no modo de dizer e discutir algo como algo. A percepção torna-se determinação com base neste interpretar, entendido em sentido amplo. O que se percebe e determina pode ser pronunciado em proposições e manter-se e preservar-se nessa qualidade de enunciado. A manutenção perceptiva de um enunciado sobre… já é, em si mesma, um modo de ser-no-mundo e não pode ser interpretada como um “processo”, através do qual um sujeito cria para si representações de alguma coisa, de tal maneira que estas representações, assim apropriadas, se conservem “dentro”, para, somente então, por (108) vezes, ser possível a pergunta de como elas haverão de “concordar” com a realidade. STMSCC: §13
Ao dirigir-se para… e apreender, a presença (Dasein) não sai de uma esfera interna em que antes estava encapsulada. Em seu modo de ser originária, a presença (Dasein) já está sempre “fora”, junto a um ente que lhe vem ao encontro no mundo já descoberto. E o deter-se determinante junto ao ente a ser conhecido não é uma espécie de abandono da esfera interna. De forma nenhuma. Nesse “estar fora”, junto ao objeto, a presença (Dasein) está “dentro”, num sentido que deve ser entendido corretamente, ou seja, é ela mesma que, como ser-no-mundo, conhece. E, mais uma vez, a percepção do que é conhecido não é um retorno para o “casulo” da consciência (Bewusstsein) com uma presa na mão, após se ter saído em busca de apreender alguma coisa. De forma nenhuma. Quando, em sua atividade de conhecer, a presença (Dasein) percebe, conserva e mantém, ela, como presença (Dasein), permanece fora. Tanto num mero saber acerca do contexto ontológico de um ente, num “mero” representar a si mesmo, num “simples” “pensar” em alguma coisa, como numa apreensão originária, eu estou fora no mundo, junto ao ente. Da mesma maneira que todo engano e erro, o esquecimento de alguma coisa em que, aparentemente, se apaga qualquer relação de ser com o que antes se sabia, deve ser concebido como uma modificação do SER-EM originário. STMSCC: §13
No contexto de uma primeira caracterização do SER-EM (cf. §12), a presença (Dasein) teve de ser delimitada frente a um modo de ser no espaço, que denominamos interioridade. Esta significa: um ser constituído em sisi mesmo pela extensão está cercado pelos limites extensos de alguma coisa extensa. O ente interior e a cerca são ambos simplesmente dados no espaço. A recusa de uma tal interioridade da presença (Dasein) num continente espacial não significa, contudo, excluir em princípio toda espacialidade da presença (Dasein). Trata-se apenas de deixar livre o caminho para se perceber a espacialidade essencial da presença (Dasein). É esta agora que deve ser explicitada. Como, porém, o ente intramundano está igualmente no espaço, também a sua essa espacialidade acha-se (NH: portanto, mundo é também espacial) numa ligação ontológica com o mundo. Por isso, deve-se determinar em que sentido o espaço é um constitutivo do mundo que, por sua vez, foi caracterizado como momento estrutural de ser-no-mundo. De modo especial, há de se mostrar como o circundante do mundo circundante, a espacialidade específica do próprio ente que vem ao encontro no mundo circundante, funda-se na mundanidade do mundo e não o contrário, isto é, que o mundo seria simplesmente dado no espaço. A investigação da espacialidade da presença (Dasein) e da determinação espacial do mundo parte de uma análise do manual intramundano no espaço. Essa consideração percorre três etapas: 1. A espacialidade do manual intramundano (§22); 2. A espacialidade do ser-no-mundo (§23); 3. A espacialidade da presença (Dasein) e o espaço (§24). STMSCC: §21
Ao atribuirmos espacialidade à presença (Dasein), temos evidentemente de conceber este “ser-no-espaço” a partir de seu modo de ser. Em sua essência, a espacialidade da presença (Dasein) não é um ser simplesmente dado e por isso não pode significar ocorrer em alguma posição do “espaço cósmico” e nem estar à mão em um lugar. Ambos são modos de ser de entes que vêm ao encontro dentro do mundo. A presença (Dasein), no entanto, está e é “no” mundo, no sentido de lidar familiarmente na ocupação com os entes que vêm ao encontro dentro do mundo. Por isso, se, de algum modo, a espacialidade lhe convém, isto só é possível com base nesse SER-EM. A espacialidade do SER-EM apresenta, porém, os caracteres de dis-tanciamento e direcionamento. STMSCC: §23
Orientando-se primária ou até exclusivamente pelas distâncias enquanto intervalos medidos, encobre-se a espacialidade originária do SER-EM. O que se pretende “mais próximo” não é, de forma alguma, o que tem o menor intervalo “de nós”. O “mais próximo” é o que está distante no raio de uma visão, apreensão e alcance medianos. Porque a presença (Dasein) é essencialmente espacial, segundo os modos do dis-tanciamento, o lidar com as coisas sempre se mantém num “mundo circundante”, cada vez determinado pela distância de um certo espaço de jogo. Por isso é que, de início, ao ouvirmos e (160) vermos, desconsideramos o que, do ponto de vista dos intervalos, se acha “mais próximo”. Ver e ouvir são sentidos da distância, não devido a seu alcance, mas porque, distanciando-se, a presença (Dasein) neles se mantém de forma predominante. Para quem usa óculos, por exemplo, que, do ponto de vista do intervalo, estão tão próximos que os “trazemos no nariz”, esse instrumento de uso, do ponto de vista do mundo circundante, acha-se mais distante do que o quadro pendurado na parede em frente. Esse instrumento é tão pouco próximo que, muitas vezes, nem pode ser encontrado imediatamente. O instrumento de ver, o de ouvir como o fone do telefone, por exemplo, possuem a não-surpresa caracterizada anteriormente do que está imediatamente à mão. Isso vale também, por exemplo, para a estrada que é o instrumento de caminhar. Ao caminhar, toca-se a estrada a cada passo e assim, aparentemente, ela é o mais próximo e o mais real dos manuais, insinuando-se, por assim dizer, em determinadas partes do corpo, ao longo da sola dos pés. E, no entanto, ela está mais distante do que o conhecido que vem ao encontro “pela estrada” a um “distanciamento” de vinte passos. É a ocupação guiada pela circunvisão que decide sobre a proximidade e distância do que está imediatamente à mão no mundo circundante. A ocupação se atém previamente ao que está mais próximo e regula os dis-tanciamentos. STMSCC: §23
Quando, em suas ocupações, a presença (Dasein) aproxima de si alguma coisa, isto não significa que a tenha fixado numa posição do espaço que possua o menor intervalo de algum ponto do seu corpo. Aproximar significa: na periferia do que está imediatamente à mão numa circunvisão. A aproximação não se orienta pela coisa-eu dotada de corpo, mas pelo ser-no-mundo da ocupação, isto é, pelo que sempre vem ao encontro imediatamente no ser-no-mundo. A espacialidade da presença (Dasein) também não se determina, indicando-se a posição em que uma coisa corpórea é simplesmente dada. Sem dúvida, também dizemos que a presença (Dasein) sempre ocupa um lugar. Este “ocupar”, no entanto, deve ser em princípio distinto do estar à mão num lugar, dentro de uma região. Ocupar um lugar deve ser concebido como distanciar o manual do mundo circundante dentro de uma região previamente descoberta numa circunvisão. A presença (Dasein) compreende o aqui a partir de um lá do mundo circundante. O aqui não indica o (161) onde de algo simplesmente dado, mas o estar junto de um ser que produz simultaneamente com esse dis-tanciamento. De acordo com sua espacialidade, a presença (Dasein), numa primeira aproximada, nunca esta aqui, mas sempre lá, de onde retorna para aqui. Todavia, tudo isso apenas se dá no modo em que a presença (Dasein) interpreta o seu ser-para… das ocupações a partir do que lá está a mão. É o que se torna totalmente claro pela particularidade fenomenal inerente a estrutura do dis-tanciamento, própria do SER-EM. STMSCC: §23
Em seu SER-EM, que instala dis-tanciamento, a presença (Dasein) também possui o caráter de direcionamento. Toda aproximação toma antecipadamente uma direção dentro de uma região, a partir da qual o dis-tanciado se aproxima para poder ser encontrado em seu lugar. A ocupação exercida na circunvisão é um distanciamento direcional. Nessa ocupação, isto é, no ser-no-mundo da própria presença (Dasein), já se dá previamente a necessidade de “sinais”; é esse instrumento que assume a indicação explicita e facilmente manuseável das direções. E ele que mantém expressamente abertas as regiões utilizadas na circunvisão, cada destino do pertencer, do encaminhar-se, do ir buscar e levar. Sendo, a presença (Dasein), na qualidade de um ser que distancia e se direciona, possui um regido já desde sempre descoberta. Assim como o dis-tanciamento, o direcionamento (162) direcionamento é conduzido, previamente, como modo de ser-no-mundo pela circunvisão da ocupação. STMSCC: §23
Enquanto ser-no-mundo, a presença (Dasein) já descobriu a cada passo um “mundo”. Caracterizou-se esse descobrir, fundado na mundanidade (164) do mundo, como liberação dos entes numa totalidade conjuntural. A ação liberadora de deixar e fazer em conjunto se perfaz no modo da referência, guiada pela circunvisão e fundada numa compreensão prévia da significância. Mostra-se assim que, dentro de uma circunvisão, o ser-no-mundo é espacial. E somente porque a presença (Dasein) é espacial, tanto no modo de dis-tanciamento quanto no modo de direcionamento, o que se acha à mão no mundo circundante pode vir ao encontro em sua espacialidade. A liberação de uma totalidade conjuntural é, de maneira igualmente originária, um deixar e fazer em conjunto que, numa região, dis-tancia e direciona, ou seja, libera a pertinência espacial do que está à mão. Na significância, familiar à presença (Dasein) nas ocupações de seu SER-EM, reside também a abertura essencial do espaço. STMSCC: §24
A caracterização do encontro com os outros também se orienta segundo a própria presença (Dasein). Será que essa caracterização não provém de uma distinção e isolamento do “eu”, de maneira que se devesse buscar uma passagem do sujeito isolado para os outros? Para evitar esse mal-entendido, é preciso atentar em que sentido se fala aqui dos “outros”. Os “outros” não significam todo o resto dos demais além de mim, do qual o eu se isolaria. Os outros, ao contrário, são aqueles dos quais, na maior parte das vezes, não se consegue propriamente diferenciar, são aqueles entre os quais também se está. Esse estar também com os outros não possui o caráter ontológico de um ser simplesmente dado “em conjunto” dentro de um mundo. O “com” é uma determinação da presença (Dasein). O “também” significa a igualdade no ser enquanto ser-no-mundo que se ocupa dentro de uma circunvisão. “com” e “também” devem ser (174) entendidos existencialmente e não categorialmente. À base desse ser-no-mundo determinado pelo com, o mundo é sempre o mundo compartilhado com os outros. O mundo da presença (Dasein) é mundo compartilhado . O SER-EM é ser-com os outros. O ser-em-si intramundano desses outros é co-presença. STMSCC: §26
E até mesmo quando a própria presença (Dasein) diz explicitamente de si mesma eu-aqui, a determinação pessoal do lugar deve ser cornpreendida a partir da espacialidade existencial da presença (Dasein). Na interpretação desta espacialidade (§23), já indicamos que esse euaqui não significa um ponto privilegiado da coisa-eu, mas que se compreende como SER-EM a partir do lá de um mundo à mão, a que a presença (Dasein) se detém em suas ocupações. STMSCC: §26
O mundo libera não apenas o manual enquanto ente que vem ao encontro dentro do mundo, mas também presença (Dasein), os outros em sua co-presença. Contudo, esse ente liberado no mundo circundante, de acordo com seu sentido mais próprio de ser, é um SER-EM um mesmo mundo, em que é co-presente, encontrando-se com outros. A mundanidade foi interpretada (§18) como totalidade referencial da significância. Na familiaridade com ela, dotada de compreensão prévia, a presença (Dasein) deixa e faz vir ao encontro o manual enquanto algo que se (179) descobre em sua conjuntura. O contexto referencial da significância ancora-se no ser da presença (Dasein) para o seu ser mais próprio, a ponto de, essencialmente, não poder ter nenhuma conjuntura, sendo o ser em virtude do qual a própria presença (Dasein) é como é. STMSCC: §26
§28. A tarefa de uma análise temática do SER-EM STMSCC: §28
Em sua fase preparatória, a analítica existencial da presença (Dasein) tem como tema orientador a constituição fundamental desse ente, o ser-no-mundo. A sua meta mais imediata consiste em relevar fenomenalmente a estrutura unitária e originária do ser da presença (Dasein) que determina ontologicamente suas possibilidades e modos “de ser”. Até agora, a caracterização fenomenal do ser-no-mundo voltou-se para o momento estrutural mundo, no intuito de responder à questão quem deste ente em sua cotidianidade. Contudo, já nas primeiras caracterizações das tarefas de preparação para uma análise fundamental da presença (Dasein), adiantou-se uma orientação sobre o SER-EM como tal, que se demonstrou concretamente no modo de conhecer o mundo. STMSCC: §28
A antecipação desse momento estrutural básico surgiu da intenção de se manter, desde o princípio, a análise dos diversos momentos singulares numa visão prévia de toda a estrutura e assim evitar qualquer fragmentação e disseminação da unidade do fenômeno. Agora, porém, trata-se de reconduzir a interpretação ao fenômeno do SER-EM, conservando o que se adquiriu nas análises concretas do mundo e do quem. Deve-se não apenas considerá-la ainda uma vez de maneira mais profunda e visualizar com mais segurança (189) a totalidade da estrutura ser-no-mundo, numa perspectiva fenomenológica, mas também abrir um caminho para se apreender o ser originário da própria presença (Dasein), isto é, da cura. STMSCC: §28
O que ainda se deve mostrar no ser-no-mundo, além das remissões essenciais de ser-junto-ao-mundo (ocupação), de ser-com (preocupação) e de ser-si-mesmo (quem)? Com efeito, pode-se sempre ainda ampliar a análise no sentido de se distinguir a presença (Dasein) dos entes não dotados do caráter de presença (Dasein), mediante uma caracterização comparativa dos desdobramentos da ocupação e sua circunvisão, da preocupação e sua consideração, e através de uma explicação mais apurada do ser de todos os entes intramundanos possíveis. Sem dúvida, nesta direção há muitas tarefas a serem cumpridas. O que se explicitou até aqui ainda carece de complementos no tocante a uma elaboração completa do a priori existencial de uma antropologia filosófica. Mas esse não é o propósito da presente investigação. O seu escopo é uma ontologia fundamental. Se é assim que questionamos tematicamente o SER-EM, sem dúvida não poderemos pretender esgotar a originariedade deste fenômeno, derivando-o de outros, isto é, mediante uma análise inadequada, no sentido de uma solução. Todavia, a impossibilidade de se derivar o que é originário não exclui uma variedade multiforme de características ontológicas constitutivas. Quando elas se mostram, são igualmente originárias do ponto de vista existencial. O fenômeno da igualdade originária dos momentos constitutivos foi, muitas vezes, desconsiderado na ontologia, em consequência de uma tendência metodológica incontrolável para comprovar a proveniência de tudo e de todos a partir de um “fundamento primordial” único e simples. STMSCC: §28
Em que direção deve-se olhar para que se possa caracterizar fenomenalmente o SER-EM como tal? A resposta encontra-se, quando se recorda o que, na indicação do fenômeno, já foi confiado a visão fenomenológica: o SER-EM difere da interioridade de algo simplesmente dado “em” um outro; o SER-EM não é propriedade de um sujeito simplesmente dado, separada ou apenas provocada pelo ser simplesmente dado do “mundo”; ao contrário, o SER-EM é um modo de ser essencial do próprio sujeito. Que mais se apresentaria neste fenômeno do que um commercium simplesmente dado entre um sujeito simplesmente dado e um objeto simplesmente dado? Esta (190) interpretação aproximar-se-ia dos dados fenomenais se dissesse: a presença (Dasein) é o ser deste “entre”. Mesmo assim, a orientação pelo “entre” continuaria provocando mal-entendidos, pois impediria de se ver a indeterminação ontológica do ponto de partida de um ente em meio ao qual “é e está” este entre como tal. Nesse caso, o entre já estaria sendo concebido como resultado da conveniência entre duas coisas simplesmente dadas. O seu ponto de partida prévio já explode o fenômeno e seria insensato tentar recompô-lo novamente a partir de seus fragmentos. Não é apenas que falte a “argamassa”. Também o “esquema”, segundo o qual a integração pode realizar-se, foi explodido ou jamais se desvendou. Do ponto de vista ontológico, é decisivo evitar previamente a fragmentação do fenômeno, o que significa assegurar o seu teor fenomenal positivo. Que sejam necessárias muitas circunstâncias para que isso se cumpra ontologicamente, isso foi, ontologicamente desvirtuado em tais proporções no modo tradicional de tratar o “problema do conhecimento” que chegou a se distorcer, a ponto de se tornar invisível. STMSCC: §28
O capítulo que assume a explicação do SER-EM como tal, ou seja, do ser deste pre (das Da), divide-se em duas partes: A. A constituição existencial do pre (das Da). B. O ser cotidiano do pre (das Da) e a decadência da presença (Dasein). STMSCC: §28
Além dessas duas determinações essenciais da disposição aqui explicitadas: a abertura do estar-lançado e a abertura do ser-no-mundo em sua totalidade, deve-se considerar ainda uma terceira, que contribui sobremaneira para uma compreensão mais profunda da mundanidade do mundo. Como dissemos anteriormente, o mundo que já se abriu deixa e faz com que o ente intramundano venha ao encontro. Essa abertura prévia do mundo, que pertence ao SER-EM, também se constitui de disposição. Deixar e fazer vir ao encontro é, primariamente, uma circunvisão e não simplesmente sensação ou observação. Numa ocupação dotada de circunvisão, deixar e fazer vir ao encontro tem o caráter de ser atingido, como agora se pode ver mais agudamente a partir da disposição. Do ponto de vista ontológico, inutilidade, resistência, ameaça, são apenas possíveis, porque o SER-EM como tal se acha determinado previamente em sua existência, de modo a poder ser tocado dessa maneira pelo que vem ao encontro dentro do mundo. Esse ser tocado funda-se na disposição, descobrindo o mundo como tal, no sentido, por exemplo, de ameaça. Apenas o que é na disposição do medo, o sem medo, pode descobrir o que esta à mão no mundo circundante como algo (196) ameaçador. O estado de humor da disposição constitui, existencialmente, a abertura mundana da presença (Dasein). STMSCC: §29
O próprio ente que tem medo, a presença (Dasein), é aquilo pelo que o medo tem medo. Apenas o ente em que, sendo, está em jogo seu próprio ser, pode ter medo. O ter medo abre esse ente no conjunto de seus perigos, no abandono a si mesmo. Embora em diversos graus de explicitação, o medo desvela a presença (Dasein) no ser de seu pre (das Da). Se tememos pela casa ou pela propriedade, isso não contradiz em nada a determinação anterior daquilo pelo que se teme. Pois enquanto ser-no-mundo, a presença (Dasein) é um ser em ocupações junto a. Numa primeira aproximação e na maior parte das vezes, a presença (Dasein) é a partir do que se ocupa. Estar em perigo é a ameaça de ser e estar junto a. Predominantemente, o medo revela a presença (Dasein) de maneira privativa. Ele confunde e faz “perder a cabeça”. O medo vela, ao mesmo tempo, o estar e SER-EM perigo, já que deixa ver o perigo a ponto de a presença (Dasein) precisar se recompor depois que ele passa. STMSCC: §30
Ter medo por ou ter medo de alguma coisa sempre abre – seja privativa ou positivamente – de modo igualmente originário, o ente intramundano em sua possibilidade de ameaçar e o SER-EM no tocante ao estar ameaçado. Medo é um modo da disposição. STMSCC: §30
A presente investigação já se deparou com esse compreender originário sem, no entanto, permitir que aflorasse explicitamente como tema. Dizer que a presença (Dasein) existindo é o seu pre (das Da) significa, por um lado, que o mundo é “presença (Dasein)”, a sua presença (Dasein) é o SER-EM. Este é igualmente “presença (Dasein)” como aquilo em virtude de que a presença (Dasein) é. Nesse em virtude de, o ser-no-mundo existente se abre como tal. Chamou-se essa abertura de compreender. No compreender desse em virtude de, abre-se conjuntamente a significância nele fundada. Enquanto abertura do em virtude de e da significância, a abertura do compreender diz respeito, de maneira igualmente originária, a todo o ser-no-mundo. Significância é a perspectiva em virtude da qual o mundo se abre como tal. Dizer que o em virtude de e a significância se abrem na presença (Dasein) significa dizer que a presença (Dasein) é um ente em que, como ser-no-mundo, está em jogo seu próprio ser. STMSCC: §31
Como abertura, o compreender sempre alcança toda a constituição fundamental do ser-no-mundo. Como poder-ser, o SER-EM é sempre um poder-ser-no-mundo. Este não apenas se abre como mundo, no sentido de possível significância, mas a liberação de tudo que é intramundano libera esse ente para suas possibilidades. O manual se descobre, então, como tal em sua utilidade, aplicabilidade e prejudicialidade. A totalidade conjuntural desvela-se como o todo categorial de uma possibilidade do contexto manual. Por outro lado, também a “unidade” do que é simplesmente dado numa variedade multiforme, a natureza, só pode ser descoberta com base na abertura de uma possibilidade que lhe pertence. Será por acaso que a questão do ser da natureza visa as “condições de sua possibilidade”? Em que se funda esse questionamento? Nele não pode faltar a questão: por que o ente, destituído do caráter de presença (Dasein), é compreendido em seu ser quando se abre nas condições de sua possibilidade? Kant pressupõe algo assim, talvez com razão. Mas essa pressuposição não pode mais permanecer sem verificar seu direito. STMSCC: §31
O projeto sempre diz respeito a toda a abertura de ser-no-mundo; como poder-ser, o próprio compreender possui possibilidades prelineadas pelo âmbito do que nele é passível de se abrir essencialmente. O compreender pode colocar-se primariamente na abertura de mundo, ou seja, a presença (Dasein) pode, numa primeira aproximação e na maior parte das vezes, compreender-se a partir de seu mundo. Ou ainda, o compreender lança-se primariamente para o em virtude de, isto é, a presença (Dasein) existe como ela mesma (NH: mas não como sujeito, indivíduo ou pessoa). Brotando de seu si mesmo em sentido próprio, o compreender é próprio ou impróprio. “Im”-próprio não significa que a presença (Dasein) rompa consigo mesma e “só” compreenda o mundo. Mundo pertence ao seu ser-si-mesmo como ser-no-mundo. Por isso, o compreender propriamente é o compreender impropriamente podem ser autênticos ou inautênticos. Enquanto um poder-ser, o compreender está inteiramente impregnado de possibilidade. O translado para uma dessas possibilidades fundamentais da compreensão não deixa de lado as demais. A transferência inerente ao compreender é uma modificação existencial do projeto como um todo porque o compreender sempre diz respeito a toda a abertura da presença (Dasein) como ser-no-mundo. No compreender (206) de mundo, o SER-EM também é sempre compreendido. Compreender de existência como tal é sempre compreender mundo. STMSCC: §31
Toda fala sobre alguma coisa comunica através daquilo sobre que fala e sempre possui o caráter de pronunciar-se. Na fala, a presença (Dasein) se pronuncia. Entretanto, isso não ocorre porque a presença (Dasein) se acharia, de início, encapsulada num “interior” que se opõe a um exterior, mas porque, como ser-no-mundo, ao compreender, ela já se acha “fora”. O que se pronuncia é justamente o estar fora (NH: o pre (das Da); estar exposto como posição aberta), isto é, o modo cada vez diferente da disposição (ou do humor) que, como se indicou, alcança toda a abertura do SER-EM. O índice linguístico próprio da fala em que se anuncia o SER-EM da disposição está no tom, na modulação, no ritmo da fala, “no modo de dizer”. A comunicação das possibilidades existenciais da disposição, ou seja, da abertura da existência, pode tornar-se a meta explícita da fala “poética”. STMSCC: §34
Porque a fala é constitutiva do ser do pre (das Da), isto é, da disposição e do compreender, a presença (Dasein) significa então: como ser-no-mundo, a presença (Dasein) se pronunciou como SER-EM uma fala. A presença (Dasein) possui linguagem. Terá sido mero acaso que os gregos depositaram a sua existência cotidiana predominantemente no espaço aberto pela fala convivial, guardando ao mesmo tempo olhos para ver, tanto na interpretação filosófica como na pré-filosófica da presença (Dasein), a essência do homem determinada como zoon logon echon (NH: o homem como o que “colhe”, recolhendo-se no ser-vigente na abertura dos entes (mas estes em segundo plano))? A interpretação posterior dessa caracterização do homem, no sentido de animal rationale, “animal racional”, não é, com efeito, “falsa”, mas encobre o solo fenomenal que deu origem a essa definição da presença (Dasein). O homem mostra-se como um ente que é na fala. Isso não significa que a possibilidade de articulação verbal seja apenas própria do homem, e sim que o homem se realiza no modo de descoberta de mundo e da própria presença (Dasein). Os gregos não dispunham de uma palavra própria para linguagem porque entendiam esse fenômeno “sobretudo” como fala. Por outro lado, porque na reflexão filosófica o logos foi visualizado, sobretudo como enunciado, a elaboração das estruturas básicas das formas e dos integrantes da fala se deu de acordo com este logos. A gramática buscou seus fundamentos na “lógica” deste logos. Esta, por sua vez, se funda na ontologia do simplesmente dado. O acervo das “categorias semânticas”, herdado (228) pela linguística posterior e ainda hoje decisivo em seus princípios, orienta-se pela fala entendida como enunciado. Tomando, porém, esse fenômeno em toda a originariedade fundamental e em todo o alcance de um existencial, será necessário transpor a linguística para fundamentos mais originários do ponto de vista ontológico. A tarefa de libertar a gramática da lógica necessita de uma compreensão preliminar e positiva da estrutura a priori da fala como existencial. Essa tarefa não pode ser cumprida subsidiariamente através de correções e complementações do que foi legado pela tradição. Nesse propósito, devem-se questionar as formas fundamentais em que se funda a possibilidade semântica de articulação do que é susceptível de compreensão e não apenas dos entes intramundanos conhecidos teoricamente e expressos em proposições. A semântica não se constitui por si mesma de uma comparação ampla do maior número possível de línguas e das línguas mais distantes entre si. Também não basta assumir o horizonte filosófico em que W.v. Humboldt problematizou a linguagem. A semântica tem suas raízes na ontologia da presença (Dasein). O seu florescimento ou fenecimento está atrelado ao destino da presença (Dasein). STMSCC: §34
A expressão “falação” não deve ser tomada aqui em sentido pejorativo. Terminologicamente significa um fenômeno positivo que constitui o modo de ser do compreender e da interpretação da presença (Dasein) cotidiana. A fala, na maior parte das vezes, se pronuncia e já sempre se pronunciou. É linguagem. Ao pronunciar-se, o compreender e a interpretação já se dão. Como um pronunciamento, a linguagem guarda em si uma interpretação da compreensão de presença (Dasein). Assim como a linguagem, também essa interpretação não é algo simplesmente dado, mas o seu ser contém em si o modo de ser de presença (Dasein). Dentro de certos limites e imediatamente, a presença (Dasein) está entregue à interpretação, na medida em que essa regula e distribui as possibilidades do compreender mediano e de sua disposição. Na totalidade de suas articulações de significado, o pronunciamento preserva um compreender do mundo que se abriu e, de maneira igualmente originária, um compreender da co-presença dos outros e do próprio SER-EM. A compreensão que, assim, já se acha inserida no pronunciar-se refere-se tanto à descoberta já estabelecida e herdada dos entes como a cada compreensão de ser e às possibilidades e horizontes disponíveis para novas interpretações e novas articulações conceituais. Muito mais do que uma simples indicação do fato dessas interpretações da presença (Dasein), cabe agora questionar o modo de ser existencial da fala que se pronuncia e já se pronunciou. Se o modo de ser da fala não pode ser concebido como algo simplesmente dado, qual é então o seu ser e o que diz, em princípio, sobre o modo de ser cotidiano da presença (Dasein)? STMSCC: §35
Obstruindo da maneira descrita, a falação constitui o modo de ser da compreensão desenraizada de presença (Dasein). Ela não se apresenta como estado simplesmente dado de algo simplesmente dado, mas, existencialmente sem raízes, ela mesma é no modo de um contínuo (233) desenraizamento. Do ponto de vista ontológico, isso significa: como ser-no-mundo, a presença (Dasein) que se mantém na falação cortou suas remissões ontológicas primordiais, originárias e legítimas com o mundo, com a co-presença e com o próprio SER-EM. Ela se mantém oscilante e, desse modo, sempre é e está junto ao “mundo”, com os outros e consigo mesma. Somente um ente cuja abertura é constituída pela fala compreensiva e sintonizada numa disposição, ou seja, que tenha o seu pre (das Da), que é e está “no-mundo”, nessa constituição ontológica, é que também traz a possibilidade ontológica de um tal desenraizamento. Mais do que um não-ser, esse desenraizamento perfaz sua “realidade” mais cotidiana e mais persistente. STMSCC: §35
Durante a análise da compreensão e da abertura do pre (das Da), fez-se referência ao lumen naturale. Denominou-se também a abertura do SER-EM de clareira da presença (Dasein). É somente nessa clareira que se torna possível qualquer visão. A visão foi concebida na perspectiva do modo fundamental de abertura própria à presença (Dasein), ou seja, do compreender no sentido de uma apropriação genuína dos entes com os quais a presença (Dasein) pode relacionar-se e assumir uma atitude segundo suas possibilidades de ser essenciais. STMSCC: §36
Por ocasião da primeira indicação do ser-no-mundo como constituição fundamental da presença (Dasein) e na caracterização de seus momentos constitutivos não se considerou fenomenalmente o seu modo de ser na análise da constituição de ser. Sem dúvida, os modos básicos possíveis de SER-EM, ocupação e preocupação, foram descritos. Entretanto, não se discutiu a questão do modo de ser cotidiano dessas modalidades. Mostrou-se também que o SER-EM difere inteiramente de um contrapor-se observador ou atuante, isto é, que não se trata do simplesmente dar-se em conjunto de um sujeito e um objeto. Não obstante, manteve-se a aparência de que o ser-no-mundo constitui uma armação rígida dentro da qual se desenrolam as possíveis atitudes da presença (Dasein) com seu mundo, sem que se altere ou mesmo se toque na estrutura ontológica do próprio “aparelhamento”. (241) Esse pretenso “aparelhamento”, no entanto, também constitui o modo de ser da presença (Dasein). No fenômeno da decadência, documenta-se um modo existencial de ser-no-mundo. STMSCC: §38
A falação abre para a presença (Dasein) o ser, em compreendendo, para o seu mundo, para os outros e para consigo mesma, mas de maneira a que esse ser para… conserve o modo de uma oscilação sem solidez. A curiosidade abre toda e qualquer coisa, de maneira que o SER-EM esteja em toda parte e em parte nenhuma. A ambiguidade não esconde nada à compreensão de presença (Dasein), mas só o faz para rebaixar o ser-no-mundo ao desenraizamento do em toda parte e em parte nenhuma. STMSCC: §38
Contudo, nessa demonstração da decadência não se evidencia um fenômeno que fala diretamente contra a determinação pela qual se indicou e caracterizou a ideia formal de existência? Será que a presença (Dasein) pode ser compreendida como no ente em cujo ser está em jogo o poder-ser, se justamente em sua cotidianidade a presença (Dasein) se perdeu a si mesma e, na decadência, “vive” fora de si mesma? A decadência no mundo só constituirá, porém, uma “prova” fenomenal contra a existencialidade da presença (Dasein), caso se admita a presença (Dasein) como um eu-sujeito isolado, como um si-mesmo pontual, do qual ela parte e se move. Nesse caso, o mundo seria um objeto. A decadência no mundo sofreria assim uma transformação em sua interpretação ontológica, tornando-se algo simplesmente dado nos moldes de um ente intramundano. Se, no entanto, mantivermos o ser da presença (Dasein) na constituição de ser-no-mundo, revelar-se-á que enquanto modo de ser deste SER-EM, a decadência apresenta a prova mais elementar a favor da existencialidade da presença (Dasein). Na decadência, trata-se apenas de poder-ser-no-mundo, embora no modo (244) da impropriedade. A presença (Dasein) só pode decair porque nela está em jogo o ser-no-mundo, no modo de compreender e dispor-se. Em contrapartida, a existência própria não é nada que paire por sobre a decadência do cotidiano. Em sua estrutura existencial, ela é apenas uma apreensão modificada da cotidianidade. STMSCC: §38
Por isso, a angústia também não “vê” um “aqui” e um “ali” determinados, de onde o ameaçador se aproximasse. Que o ameaçador não se encontre em lugar nenhum, isso é o que caracteriza o referente da angústia. Ela não sabe o que é aquilo com que se angustia. “Em lugar nenhum”, porém, não significa um nada meramente negativo. Justamente aí situa-se a região, a abertura do mundo em geral para o SER-EM essencialmente espacial. Em consequência, o ameaçador dispõe da possibilidade de não se aproximar a partir de uma direção determinada, situada na proximidade, e isso porque ele já está sempre “por aí”, embora em lugar nenhum. Está tão próximo que sufoca a respiração e, no entanto, encontra-se em lugar nenhum. STMSCC: §40
O por quê a angústia se angustia desvela-se como o com quê ela se angustia: o ser-no-mundo. A mesmidade do com quê e do (254) pelo quê a angústia se angustia se estende até ao próprio angustiar-se. Pois, enquanto disposição, esse constitui um modo fundamental de ser-no-mundo. A mesmidade existencial do abrir e do aberto em que se abre o mundo como mundo, o SER-EM como poder-ser singularizado, puro e lançado, evidencia que, com o fenômeno da angústia, se fez tema de interpretação uma disposição privilegiada. A angústia singulariza e abre a presença (Dasein) como “solus ipse”. Esse “solipsismo” existencial, porém, não dá lugar a uma coisa-sujeito isolada no vazio inofensivo de uma ocorrência desprovida de mundo. Ao contrário, confere à presença (Dasein) justamente um sentido extremo em que ela é trazida como mundo para o seu mundo e, assim, como ser-no-mundo para si mesma. STMSCC: §40
Mais uma vez, a interpretação e a fala cotidianas constituem a prova mais imparcial de que, enquanto disposição fundamental, a angústia constitui uma abertura. Como dissemos anteriormente, a disposição revela “como se está”. Na angústia, se está “estranho”. Com isso se exprime, antes de qualquer coisa, a indeterminação característica em que se encontra a presença (Dasein) na angústia: o nada e o “em lugar nenhum”. Estranheza significa, porém, igualmente “não se sentir em casa”. Na primeira indicação fenomenal da constituição fundamental da presença (Dasein) e no esclarecimento do sentido existencial do SER-EM, por oposição ao significado categorial da “interioridade”, determinou-se o SER-EM como habitar em…, “estar familiarizado com…” (§12). Esse caráter do SER-EM tornou-se a seguir visível, de modo ainda mais concreto, através do público na sua impessoalidade cotidiana, que instala na cotidianidade mediana da presença (Dasein) a certeza tranquila de si mesma e o “sentir-se em casa”. A angústia, ao contrário, retira a presença (Dasein) de seu empenho decadente no “mundo”. Rompe-se a familiaridade cotidiana. A presença (Dasein) se singulariza, mas como ser-nomundo. O SER-EM aparece no “modo” existencial de não sentir-se em casa. É isso o que diz a fala sobre a “estranheza”. STMSCC: §40
Pertence, na verdade, à essência de toda disposição abrir, cada vez, todo o ser-no-mundo, segundo todos os seus momentos constitutivos (mundo, SER-EM, ser-próprio). Só na angústia subsiste a possibilidade de uma abertura privilegiada uma vez que ela singulariza. Essa singularização retira a presença (Dasein) de sua decadência, revelando-lhe a propriedade e impropriedade como possibilidades de seu ser. Na angústia, essas possibilidades fundamentais da presença (Dasein), que é sempre minha (NH: não egoisticamente, mas lançado para assumir), mostram-se como elas são em si mesmas, « sem se deixar desfigurar pelo ente intramundano a que, numa primeira aproximação e na maior parte das vezes, a presença (Dasein) se atém. (257) STMSCC: §40
Porque, em sua essência, o ser-no-mundo é cura, pode-se compreender, nas análises precedentes, o ser junto ao manual como ocupação e o ser como co-presença dos outros nos encontros dentro do mundo como preocupação. O ser-junto a é ocupação porque, enquanto modo de SER-EM, determina-se por sua estrutura fundamental, que é a cura. A cura caracteriza não somente a existencialidade, separada da facticidade e decadência, como também abrange a unidade dessas determinações ontológicas. A cura não indica, portanto, primordial ou exclusivamente, uma atitude isolada do eu consigo mesmo. A expressão “cura de si mesmo”, de acordo com a analogia de ocupação e preocupação, seria uma tautologia. A cura não pode significar uma atitude especial para consigo mesma porque essa atitude já se caracteriza ontologicamente como anteceder-a-si-mesma; nessa determinação, porém, já se acham também colocados os outros dois momentos estruturais da cura, a saber, o já SER-EM e o ser-junto a. STMSCC: §41
No cumprimento das tarefas preparatórias da analítica existencial da presença (Dasein) surgiu a interpretação do compreender, do sentido (268) e da interpretação. A análise da abertura da presença (Dasein) mostrou, além disso, que, nessa abertura e de acordo com a sua constituição fundamental de ser-no-mundo, a presença (Dasein) desvela-se, de modo igualmente originário, no tocante ao mundo, ao SER-EM e ao ser-si-mesmo. Na abertura fática do mundo descobre-se ainda também o ente intramundano. Isso significa: o ser desse ente já é sempre de certo modo conhecido, embora não concebido ontologicamente de maneira adequada. A compreensão pré-ontológica de ser abrange, de certo, todo ente que se abriu na presença (Dasein) de modo essencial, apesar da compreensão de ser em si mesma ainda não conseguir se articular no mesmo grau com os diferentes modos de ser. STMSCC: §43
A questão se o mundo é real e se o seu ser pode ser provado, questão que a presença (Dasein) enquanto ser-no-mundo haveria de levantar – e quem mais poderia fazê-lo? – mostra-se, pois, destituída de sentido. Trata-se ademais de uma questão ambígua. Confunde-se e não se chega a distinguir mundo enquanto o contexto do SER-EM e “mundo” enquanto ente intramundano em que se empenham as ocupações. No entanto, com o ser da presença (Dasein), o mundo já se abriu de modo essencial; com a abertura de mundo, já se descobriu o “mundo”. Sem dúvida, o ente intramundano no sentido de real, de ser simplesmente dado, pode ficar encoberto. Entretanto, somente com base num mundo já aberto é que o real pode vir a ser descoberto ou ficar encoberto. Coloca-se a questão da “realidade” do “mundo externo” sem se esclarecer previamente o fenômeno do mundo. De fato, o “problema do mundo externo” orienta-se, constantemente, pelos entes intramundanos (coisas e objetos) e, desse modo, todas as discussões conduzem a uma problemática que, do ponto de vista ontológico, é quase indeslindável. STMSCC: §43
Entretanto, a análise anterior da mundanidade do inundo e dos entes intramundanos mostrou que a descoberta dos entes intramundanos funda-se na abertura de mundo. Abertura, porém, é o modo fundamental da presença (Dasein) segundo o qual ela é o seu pre (das Da). A abertura constitui-se de disposição, de compreender e de fala, referindo-se, de maneira igualmente originária, ao mundo, ao SER-EM e ao ser-si-mesmo. A estrutura da cura enquanto anteceder-a-si-mesma-no-já-estar-num-mundo-como ser-junto aos entes intramundanos, resguarda em si a abertura da presença (Dasein). Com ela e por ela é que se dá a descoberta. Por isso, somente com a abertura da presença (Dasein) é que se alcança o fenômeno mais originário da verdade. O que antes se demonstrou quanto à STMSCC: §44
Com a decisão conquistamos, agora, a verdade mais originária da presença (Dasein) porque a mais própria. A abertura do pre (das Da) abre, cada vez de modo igualmente originário, a totalidade do ser-no-mundo, ou seja, o mundo, o SER-EM e o si-mesmo que esse ente é enquanto “eu sou”. Com a abertura do mundo, sempre já se descobriram entes (378) intramundanos. A descoberta do que está à mão e do que é simplesmente dado funda-se na abertura de mundo; pois a liberação do todo conjuntural de qualquer manual exige um pre-compreender da significância. Compreendendo-a, a presença (Dasein) ocupada numa circunvisão remete para o que vem ao encontro da mão. O compreender da significância como abertura de cada mundo funda-se, assim, no compreender em virtude de… a que está remetida toda descoberta da totalidade conjuntural. O abrigo, a manutenção, o abandono de suas funções são possibilidades constantes e imediatas da presença (Dasein) para as quais esse ente, em que está em jogo seu ser, sempre já se projetou. Lançada em seu “pre (das Da)”, a presença (Dasein) já está sempre faticamente remetida a um “mundo” determinado, o seu. Junto com ele, os projetos são faticamente conduzidos da perdição nas ocupações para o impessoal. Essa perdição pode ser interpelada pelo próprio de cada presença (Dasein), e a interpelação pode ser compreendida no modo da decisão. Essa abertura própria, porém, modifica, de forma igualmente originária, a descoberta do “mundo” e a abertura da co-presença dos outros nela fundada. Quanto a seu “conteúdo”, o “mundo” à mão não se torna um outro mundo, o círculo dos outros não se modifica, embora, agora, o ser-para o que está à mão, no modo de compreender e ocupar-se, e o ser-com da preocupação com os outros sejam determinados a partir de seu poder-ser mais próprio. STMSCC: §60
abertura sempre alcança, de modo igualmente originário, todo o ser-no-mundo, tanto o SER-EM como o mundo. Orientando-se pela constituição temporal da abertura, também se (437) deve poder demonstrar a condição ontológica da possibilidade de se dar um ente que existe como ser-no-mundo. STMSCC: §68