revelação

Somente na clara noite do nada da angústia (hellen Nacht des Nichts der Angst) surge a originária abertura do ente (Offenheit des Seienden) enquanto tal: o fato de que é ente — e não nada. Mas este “e não nada”, acrescentado em nosso discurso, não é uma clarificação tardia e secundária, mas a possibilidade prévia da REVELAÇÃO (Offenbarkeit) do ente em geral. A essência do nada originariamente nadificante consiste em: conduzir primeiramente o ser-aí diante do ente enquanto tal. (tr. Ernildo Stein; Heidegger: Que é Metafísica?)

Somente à base da originária REVELAÇÃO do nada pode o ser-aí do homem chegar ao ente e nele entrar. Na medida em que o ser-aí se refere, de acordo com sua essência, ao ente que ele próprio é, procede já sempre, como tal ser-aí, do nada revelado. (tr. Ernildo Stein; Heidegger: Que é Metafísica?)

Sem a originária REVELAÇÃO do nada não há ser-si-mesmo, nem liberdade. (Ohne ursprüngliche Offenbarkeit des Nichts kein Selbstsein und keine Freiheit.) (tr. Ernildo Stein; Heidegger: Que é Metafísica?)

Com isto obtivemos a resposta à questão do nada. O nada não é nem um objeto nem um ente. 0 nada não acontece nem para si mesmo nem ao lado do ente ao qual, por assim dizer, aderiria. O nada é a possibilidade da REVELAÇÃO do ente enquanto tal para o ser-aí humano. O nada não é um conceito oposto ao ente, mas pertence originariamente à essência mesma (do ser). No ser do ente acontece o nadificar do nada. (tr. Ernildo Stein; Heidegger: Que é Metafísica?)

O que testemunha, de modo mais convincente, a constante e difundida, ainda que dissimulada, REVELAÇÃO do nada em nosso ser-aí, que a negação? Mas, de nenhum modo, esta aproxima o “não”, como meio de distinção e oposição do que é dado, para, por assim dizer, colocá-lo entre ambos. Como poderia a negação também produzir por si o “não” se ela somente pode negar se lhe foi previamente dado algo que pode ser negado? Como pode, entretanto, ser descoberto algo que pode ser negado e que deve sê-lo enquanto afetado pelo “não” se não fosse realidade que todo o pensamento enquanto tal, já de antemão, tem visado ao “não”? Mas o “não” somente pode revelar-se quando sua origem, o nadificar do nada em geral e com isto o próprio nada foram arrancados de seu velamento. O “não” não surge pela negação, mas a negação se funda no “não” que, por sua vez, se origina do nadificar do nada. Mas a negação é também apenas um modo de uma REVELAÇÃO nadificadora, isto quer dizer, previamente fundado no nadificar do nada. (tr. Ernildo Stein; Heidegger: Que é Metafísica?)

Por muito e diversamente que a negação — expressamente ou não — atravesse todo o pensamento, ela, de nenhum modo, por si só, é o testemunho válido para a REVELAÇÃO do nada pertencente essencialmente ao ser-aí. Pois a negação não pode ser proclamada nem o único, nem mesmo o comportamento nadificador condutor, pelo qual o ser-aí é sacudido pelo nadificar do nada. Mais abissal que a pura conveniência da negação pensante é a dureza da contra-atividade e a agudeza da execração. Mais responsável é a dor da frustração e a inclemência do proibir. Mais importuna é a aspereza da privação. (tr. Ernildo Stein; Heidegger: Que é Metafísica?)

Estas possibilidades do comportamento nadificador — forças em que o ser-aí sustenta seu estar-jogado, ainda que não o domine — não são modos de pura negação. Mas isto não as impede de se expressar no “não” e na negação. Através delas é que se trai, sem dúvida, de modo mais radical, o vazio e a amplidão da negação. Este estar o ser-aí totalmente perpassado pelo comportamento nadificador testemunha a constante e, sem dúvida, obscurecida REVELAÇÃO do nada, que somente a angústia originariamente desvela. Nisto, porém, está: esta originária angústia é o mais das vezes sufocada no ser-aí. A angústia está aí. Ela apenas dorme. Seu hálito palpita sem cessar através do ser-aí: mas raramente seu tremor perpassa a medrosa e imperceptível atitude do ser-aí agitado envolvido pelo “sim, sim” e pelo “não, não”; bem mais cedo perpassa o ser-aí senhor de si mesmo; com maior certeza surpreende, com seu estremecimento, o ser-aí radicalmente audaz. Mas, no último caso, somente acontece originado por aquilo por que o ser-aí se prodigaliza, para assim conservar-lhe a derradeira grandeza. (tr. Ernildo Stein; Heidegger: Que é Metafísica?)

Somente porque o nada está manifesto nas raízes do ser-aí pode sobrevir-nos a absoluta estranheza do ente. Somente quando a estranheza do ente nos acossa, desperta e atrai ele a admiração. Somente baseado na admiração — quer dizer, fundado na REVELAÇÃO do nada — surge o “porquê”.Somente porque é possível o “porquê” enquanto tal, podemos nós perguntar, de maneira determinada, pelas razões e fundamentar. Somente porque podemos perguntar e fundamentar foi entregue à nossa existência o destino do pesquisador. (tr. Ernildo Stein; Heidegger: Que é Metafísica?)

Seja qual for o modo de explicação do ente, como espírito no sentido do espiritualismo, como matéria e força no sentido do materialismo, como vir-a-ser e vida, como representação, como vontade, como substância, como sujeito, como energeia, como eterno retorno do mesmo, sempre o ente enquanto ente aparece na luz do ser. Em toda parte, se iluminou o ser, quando a metafísica representa o ente. O ser se manifestou num desvelamento (aletheia). Permanece velado o fato e o modo como o ser traz consigo tal desvelamento, o fato e o modo como o ser mesmo se situa na metafísica e a assinala enquanto tal. O ser não é pensado em sua essência desveladora, isto é, em sua verdade. Entretanto, a metafísica fala da inadvertida REVELAÇÃO do ser quando responde a suas perguntas pelo ente enquanto tal. A verdade do ser pode chamar-se, por isso, o chão no qual a metafísica, como raiz da árvore da filosofia, se apóia e do qual retira seu alimento. Pelo fato de a metafísica interrogar o ente, enquanto ente, permanece ela junto ao ente e não se volta para o ser enquanto ser. Como raiz da árvore ela envia todas as seivas e forças para o tronco e os ramos. A raiz se espalha pelo solo para que a árvore dele surgida possa crescer e abandoná-lo. A árvore da filosofia surge do solo onde se ocultam as raízes da metafísica. O solo é, sem dúvida, o elemento no qual a raiz da árvore se desenvolve, mas o crescimento da árvore jamais será capaz de assimilar em si de tal maneira o chão de suas raízes que desapareça como algo arbóreo na árvore. Pelo contrário, as raízes se perdem no solo até as últimas radículas. O chão é chão para a raiz; dentro dele ela se esquece em favor da árvore. Também a raiz ainda pertence à árvore, mesmo que a seu modo se entregue ao elemento do solo. Ela dissipa seu elemento e a si mesma pela árvore. Como raiz ela não se volta para o solo; ao menos não de modo tal como se fosse sua essência desenvolver-se apenas para si mesma neste elemento. Provavelmente, também o solo não é tal elemento sem que o perpasse a raiz. (tr. Ernildo Stein; Heidegger: Que é Metafísica?)

Para reunir, ao mesmo tempo, numa palavra a REVELAÇÃO do ser com a essência do homem, como também a referência fundamental do homem à abertura (“aí”) do ser enquanto tal, foi escolhido para o âmbito essencial, em que se situa o homem enquanto homem, o nomeser-aí”. Isto foi feito, apesar de a metafísica usar este nome para aquilo que em geral é designado existentia, atualidade, realidade e objetividade, não obstante até se falar, na linguagem comum, em “ser-aí humano”, repetindo o significado metafísico da palavra. Por isso obvia toda possibilidade de se pensar o que nós entendemos quem se contenta apenas em averiguar que em Ser e Tempo usa-se, em vez de “consciência”, a palavraser-aí”. Como se aqui estivesse apenas em jogo o uso de palavras diferentes, como se não se tratasse desta coisa única: da relação do ser com a essência do homem e com isto, visto a partir de nós, como se não se tratasse de levar o pensamento (81) primeiramente diante da experiência essencial do homem, suficiente para a interrogação decisiva. Nem a palavraser-aí” tomou o lugar da palavra “consciência”, nem a “coisa” chamada “ser-aí” passou a ocupar o lugar daquilo que é representado sob o nome “consciência”. Muito antes, com o “ser-aí” é designado aquilo que, pela primeira vez aqui, foi experimentado como âmbito, a saber, como o lugar da verdade do ser e que assim deve ser adequadamente pensado. (tr. Ernildo Stein; Heidegger: Que é Metafísica?)

A essência da verdade se desvelou como liberdade. Esta é o deixar-ser ek-sistente que desvela o ente. Todo comportamento aberto se movimenta no deixar-ser do ente e se relaciona com este ou aquele ente particular. A liberdade já colocou previamente o comportamento em harmonia com o ente em sua totalidade, na medida em que ela é o abandono ao desvelamento do ente em sua totalidade e enquanto tal. Esta disposição de humor não se deixa, entretanto, conceber como “vivência” ou como “estado de alma”. Pois ela é desviada de sua essência quando compreendida a partir de noções que (como “vida” e “alma”) não podem elas próprias pretender uma dignidade de essência senão aparentemente e enquanto se distorce e falsifica o sentido da disposição de humor. Uma disposição de humor, isto é, uma ex-posição ek-sistente no ente em sua totalidade, somente pode ser “vivenciada” e “sentida” porque “o homem que vivencia, sem pressentir a essência da disposição de humor, já sempre está abandonado a esta disposição afetiva que é desveladora do ente em sua totalidade. Todo o comportamento do homem historial, sentido expressamente ou não, compreendido ou não, está disposto e através desta disposição colocado no ente em sua totalidade. O grau de REVELAÇÃO do ente em sua totalidade não coincide com a soma dos entes realmente conhecidos. Pelo contrário: ali onde o ente é pouco conhecido e onde é conhecido rudimentarmente pela ciência, a REVELAÇÃO do ente em sua totalidade pode imperar de maneira mais essencial que lá, onde o que é conhecido é constantemente oferecido ao conhecimento e tornado exaurível para o olhar, que lá onde mais resiste ao zelo do conhecimento, na medida em que a capacidade técnica de dominar as coisas se desdobra numa agitação sem fim. É justamente neste nivelamento simplista, que tudo conhece e apenas conhece, que se torna superficial a REVELAÇÃO do ente, que ela desaparece na aparente nulidade daquilo que nem mesmo é mais indiferente, mas está apenas esquecido. (tr. Ernildo Stein; Heidegger: Sobre a Essência da Verdade)

O deixar-ser do ente que dispõe o ser-aí com o ente em sua totalidade penetra e precede todo o comportamento aberto que nele se desenvolve. O comportamento do homem é perpassado pela disposição de humor que se origina da REVELAÇÃO do ente em sua totalidade. Esta “em sua totalidade” aparece, entretanto, à preocupação e ao cálculo cotidiano como o imprevisível e o inconcebível. Este “em sua totalidade” jamais se deixa captar a partir do ente que se manifestou, pertença ele quer à natureza, quer à história. Ainda que este “em sua totalidade” a tudo perpasse constantemente com sua disposição, permanece, contudo, o não-disposto (não-determinado) e o não-disponível (indisponível, indeterminável) e é, desta maneira, confundido, o mais das vezes, com o que é mais corrente e menos digno de nota. Aquilo que assim nos dispõe de maneira alguma é nada, mas uma dissimulação do ente em sua totalidade. Justamente, na medida em que o deixar-ser sempre deixa o ente, a que se refere, ser, em cada comportamento individual, e com isto o desoculta, dissimula ele o ente em sua totalidade. O deixar-ser é, em sisi mesmo, simultaneamente, uma dissimulação. Na liberdade ek-sistente do ser-aí acontece a dissimulação do ente em sua totalidade, é o velamento. (tr. Ernildo Stein; Heidegger: Sobre a Essência da Verdade)

O velamento recusa o desvelamento à aletheia. Nem o admite até como stéresis (privação), mas conserva para a aletheia o que lhe é mais próprio, como propriedade. O velamento é, então, pensado a partir da verdade como desvelamento, o não-desvelamento e, desta maneira, a mais própria e mais autêntica não-verdade pertencente à essência da verdade. O velamento do ente em sua totalidade não se afirma como uma consequência secundária do conhecimento sempre parcelado do ente. O velamento do ente em sua totalidade, a não-verdade original, é mais antiga do que toda REVELAÇÃO de tal ou tal ente. É mais antiga mesmo do que o próprio deixar-ser que, desvelando, já dissimula e, assim, mantém sua relação com a dissimulação. O que preserva o deixar-ser nesta relação com a dissimulação? Nada menos que a dissimulação do ente como tal, velado em sua totalidade, isto é, o mistério. Não se trata absolutamente de um mistério particular referente a isto ou àquilo, mas deste fato único que o mistério (a dissimulação do que está velado) como tal domina o ser-aí do homem. (tr. Ernildo Stein; Heidegger: Sobre a Essência da Verdade)

No passo de volta começa a brilhar, como aquilo que deve ser pensado, a manifestação como tal. Mas em que direção brilha ela?, quer dizer, pensando a partir do passo de volta, para onde conduz ele? O “para onde” não pode ser constatado (fixado). Só pode determinar-se na realização do passo de volta, mas isto quer dizer entregar-se, a partir da correspondência, àquilo que, no passo de volta, chega à sua REVELAÇÃO. (tr. Ernildo Stein; Heidegger: Protocolo do seminário sobre a conferência “Tempo e Ser”)

No que diz respeito à determinação deste “para onde” apresentou-se uma dificuldade básica. Subsiste esta indeterminação para o conhecimento, de tal maneira que o lugar da REVELAÇÃO está, em si, determinado, mas ainda oculto para o conhecimento? Se, ao contrário, esta indeterminação não subsiste apenas para o conhecimento, mas é uma indeterminação do modo de ser do próprio “para onde”, nesse caso impõe-se a questão de como um tal ser-indeterminado, que, portanto, não deve ser apenas entendido como brotando da indigência de nosso ainda-não-conhecer, pode ser pensado. (tr. Ernildo Stein; Heidegger: Protocolo do seminário sobre a conferência “Tempo e Ser”)

a) A comum-unidade da relação de ser e pensar com a questão do ser. Ainda que a relação de ser e pensar — ou de ser e homem — não venha expressamente analisada na conferência, deve-se precisar que faz essencialmente parte de cada passo da questão do ser. Nisto deve atentar-se a um duplo papel do pensamento. O pensamento que faz essencialmente parte da REVELAÇÃO do ser é, primeiro, o pensamento que se conhece como a caracterização do homem. A partir do ponto de vista de Ser e Tempo, pode ser denominado o pensamento que compreende. Por outro lado, o pensamento é o pensamento que explicita, portanto, o pensamento que pensa a relação de ser e pensar e a questão do ser como tal. (tr. Ernildo Stein; Heidegger: Protocolo do seminário sobre a conferência “Tempo e Ser”)


A revelação na teologia cristã expressa a auto-revelação significativa de Deus ao homem. A língua gr. possui vários termos e expressões relevantes a este processo, apokalyptp, uma palavra composta formada de kalyptó (esconder, ocultar) e apo (de), levar consigo a ideia de “desvendar” alguma coisa anteriormente oculta, deloo, derivado de delos, “claro”, “manifesto”, chama mais atenção ao alvo, i.é, que, como resultado, alguma coisa fica sendo conhecida e manifesta, epiphaneia, da raiz -phan- (cf. phainomai, “aparecer”; phaneroo, “deixar de ser visto”; Luz art. phaino), sugere uma aparência visual, uma manifestação da divindade. Outros conceitos relevantes incluem gnorizo, “tornar conhecido” (conhecimento, art. ginosko); horama, uma “aparição” (alguma coisa que é vista) e optasia, uma “visão”. (DITNT)


Se empregamos aqui a palavra “revelação” ao invés de “inspiração”, é para melhor indicar a concordância entre os diferentes simbolismos, tradicionais, e que, aliás como todos os termos teológicos, é passível de uma transposição que ultrapassa o sentido estritamente religioso que lhe é dado de forma exclusiva no Ocidente. (Guénon)