ousía: substância, existência
1. Do fato de Sócrates citar as variantes dialectais dóricas de ousia no Crát. 401c conjecturou-se que as origens filosóficas do termo são pitagóricas. A palavra tem, todavia, segundo a técnica usual da terminologia variável de Platão, uma série de significados diferentes nos diálogos. Assim, por vezes significa existência opondo-se a não-existência (Teet. 185c, 219b); é aplicada à existência de coisas sensíveis no Teet. 186b, e provavelmente a expressão «passar a existir» (genesis eis ousian) no Phil, 26d é um uso semelhante. Mas em outros passos ela está explicitamente em contraste com gênesis e com o mundo do devir (Sopli. 232c, Tim. 29c) como modo de ser do «realmente real» (ontos on; ver Rep. 509b, onde o Bem está mesmo para além da ousia, e comparar hyperousia). A ousia chega a aproximar-se do uso aristotélico de «essência» no Fédon 65d, 92d, e no Fecho 245e onde é equivalente a «definição».
2. A busca aristotélica da substância começa nas Categorias onde é descrita como aquilo que não é dito de um sujeito ou não está presente num sujeito, o homem particular ou o cavalo particular. Este individual (tode ti) é substância no sentido primário, mas «substância» pode também ser usada para descrever o gênero (genos) e a espécie (eidos), e destes o eidos tem mais pretensão a ser substância uma vez que está mais próximo da substância primária individual. Chamar a uma árvore individual «um carvalho» é mais revelador daquilo que ela é do que chamar-lhe «uma planta» (Cat. 2a-b). Aristóteles está ainda convencido de que o problema posto pela metafísica e na verdade por toda a filosofia, i. e., «o que é o ser [on]»? realmente se resolve em «o que é a ousia»? visto que o ser é, primeiro e antes de tudo, substância (Meta. 1028b).
3. Na Meta. 1069a Aristóteles distingue três tipos de ousiai: 1) sensível (aisthetos) e eterno (aidios), i. e., os corpos celestes que, por o movimento natural do seu elemento, aither, ser circular, são também eternos (ver aphthartos); 2) o sensível e o perecível, i. e., o que todos reconhecem como substâncias, plantas, animais, etc; e 3) o imutável (akinetos). Todas as substâncias das alíneas 1) e 2) são compostas, e Aristóteles procura determinar quais dos seus componentes têm mais pretensão a serem chamados substância (Meta. 1028b-1041b). A escolha é reduzida a quatro: o substrato (hypokeimenon), o gênero (genos), o universal (katholu), e a essência (ti esti). Os resultados são os mesmos que os obtidos nas Categorias: é a essência ou eidos que tem maior pretensão a ser substância (ibid. 1041a-b), já não como entidade predicacional, i. e., «espécie», mas como a causa formal imanente nos seres compostos (ver eidos). Preenche os dois pré-requisitos da substância: é separável (ver choriston) e, quando incorporado na matéria, individual (tode ti) (ibid. 1029a). Aristóteles trata das primeiras duas alíneas no De coelo e na Física e depois levanta o problema das substâncias imutáveis num livro posterior da Metafísica (1071b-1076a). A existência destas é necessária porque tanto o movimento (kinesis) como o tempo (chronos) são eternos (1071b). Para justificar este movimento perpétuo deve haver uma substância não movida, i. e., algo que, como causa final, mova: esta é o Primeiro Motor (ibid. 1072a-1073a; ver kinoun 7-10). Há uma série destes motores e o seu número exato deve ser determinado por cálculos astronômicos (47 ou 55?) (1073a-1074a; ver kinoun 11-12).
4. A categoria aristotélica de substância como hypokeimenon torna-se, para os estoicos, matéria (SVF I, 87; II, 369). Ontologicamente é usada no mesmo sentido, ver Marco Aurélio, Med. VI; 1; XII, 30. Plotino critica e rejeita a análise aristotélica da substância (Enn. VI, 3, 3-5); a única coisa que a matéria, a forma e o composto têm em comum é o ser, e mesmo este é diferente nos três casos (ibid. VI, 3, 6-7). O que a ousia sensível é, então, não passa de um conglomerado de qualidades e matéria (ibid. VI, 3, 8). (FEPeters)
ousía (he): substância, ser, essência.
Latim: substantia.
ousía é um substantivo derivado de ousa, particípio feminino do verbo einai: ser. O neutro é ón / on: ente, ser. A ousía significa, portanto, aquilo que é, o que existe realmente fora de nosso pensamento.
Esse termo é empregado pelos autores não filósofos no sentido de ter: bens, haveres, riqueza; isso pode parecer paradoxal, mas não o é: para o homem comum, aquilo que tem realidade e consistência é aquilo que se possui de útil e rentável. Os filósofos empregam especificamente ousía em dois sentidos: realidade, ou seja, ser enquanto existente; e essência, ou seja, a natureza desse ser.
Encontra-se esse termo em Heráclito, quando ele declara que a substância das coisas está submetida à mudança: metabolé (fr.91).
É com Platão que essa palavra se instala na filosofia; ele lhe confere sentidos diversos, especialmente o Ser; em Teeteto (185c): ousía e mè einai / me einai = ser e não-ser, mas sempre no espírito do sentido primeiro, sobretudo:
– Essência eterna (de outro modo eidos / eidos), a Realidade metafísica transcendente ao mundo sensível. Aqui, substância e essência designam o mesmo Ser. “E preciso pôr, para cada Realidade (absoluta: ousía), a existência por si mesma (kath’hautén)” (Parmênides, 133c). “A realidade realmente existente (ousía óntos’ ousa / ousia ontos ousa) é sem cor, sem forma, sem tato, e só pode ser contemplada pela Inteligência (noûs / noûs), guia da alma” (Fedro, 247c). “Quando falo de Grandeza, Saúde e Força […] trata-se da Realidade (ousía)” (Fédon, 65d). Esse termo designa claramente aqui, ao mesmo tempo, substância e Essência eterna. O mesmo significado existe quando Platão atribui à razão superior (nóesis / noesis) a tarefa de elevar-se até a ousía (Rep., VII, 523a).
– Essência das coisas, sua natureza. Os homens costumam ignorar a essência (ousía) de cada coisa (Fedro, 237c). As realidades cognoscíveis recebem o ser e a essência (einai kai ousía / einai kai ousia) do Bem (agathon) (Rep.,VI, 509b). No livro II da República (359a), Platão tenta definir “a natureza da justiça” (ousía dikaiosynes / ousia dikaiosynes).
Foi Aristóteles que tratou sistematicamente de sua noção de ousía como substância, de acordo com três planos: lógico, físico e metafísico.
– Lógico. Primeiramente, por abordagem negativa: “A substância, no sentido mais fundamental, é aquilo que não é afirmado de um sujeito, nem em um sujeito” (Cat., V, 2a). Isso quer dizer: ela não é um predicado (em “a neve é branca”, branca não pode ser substantivo) e não pode pertencer a uma realidade como caráter próprio, não pode ter existência como modo de um outro ser. Depois, abordagem positiva: ousía é o sujeito lógico, aquilo de que o resto é afirmado (Cat., V, 4b). Donde uma primeira conclusão: a substância é a primeira categoria do ser (Met., Z, 1).
– Físico. Como é sujeito, a ousía é concreta; e o primeiro sujeito concreto apresentado pela experiência é o sujeito sensível, que pertence à natureza e é objeto de ciência física. A própria matéria deve ser considerada como substância universal (Met., H, 1, 8; A, 2; Degen., I, 4). E na substância física que ocorre a mudança (Fís., I, 4); é por ela que se explicam a geração e a corrupção (ibid., I, 7). Daí a teoria hilemórfica: toda substância física é composta de matéria (hyle) e forma (morphé / morphe).
– Metafísico. A metafísica, ou filosofia primeira (Aristóteles ignora o termo metafísica), é a ciência da substância (Met., T, 2; B, 2; Z, 1; A, 8). A substância — diz Aristóteles — pode ser considerada de quatro pontos de vista: a quididade (tò tí ên eínai / to ti en einai), ou seja, aquilo que a coisa é “por si”, em outras palavras, por nenhuma das qualidades que lhe dizem respeito, mas por sua realidade própria: uma existência independente; o universal (kathólou / katholou) e o gênero (génos / genos), pois essa essência é semelhante em todos os seres que admitem a mesma definição; enfim o substrato, ou sujeito (hypokeímenon / hypokeimenon) (ibid., Z, 4). Essa noção soma-se à de quididade; isso porque, se a substância é independente de suas qualidades e, permanecendo sempre o que é, não muda, ela é a sede, o sujeito das qualidades (os acidentes: symbebekóta / symbebekota) e da mudança. A substância individual, única que possui a quididade, é a verdadeira ousía; pode-se, porém, atribuir às essências universais e aos gêneros a denominação de substâncias segundas (Cat.,V).
Os estoicos consideram que há uma substância universal (he ousía tôn hólon, Marco Aurélio,VI, 1), mas não procuram definir essa noção. Não há substâncias individuais, pois todo ser é um fragmento do Todo único.
Plotino emprega ousía nos mesmos sentidos que Platão:
– Ser, Realidade. “É no Mundo inteligível que se situa a Realidade verdadeira: he alethès ousía” (IV, I, 1). “A sabedoria verdadeira é o Ser: ousía” (V,VIII, 5). “Aquilo que chamamos Realidade (ousía) no sentido primeiro não é a sombra do Ser, mas o próprio Ser” (V,VI, 6).
– Essência das coisas. A alma “recebe tudo o que tem de sua essência” (VI, II, 6). “Cada um, pelo corpo, está afastado de sua essência; mas, pela alma, participa dela” (VI, VIII, 11). “Em nossos estudos sobre a essência da alma […]” (V, II, 1).
– No entanto, lembra-se de Aristóteles quando fala da substância como composto de forma (eidos) e matéria (hyle) (VI, 1,3; III, 3).
1. Ontos é um advérbio derivado de ón, o ser: realmente, verdadeiramente. Essa expressão concentrada emprega três vezes um termo que se refere ao ser. [Gombry]
OUSIA = ESSÊNCIA, SUBSTÂNCIA
EVANGELHO DE JESUS:
E o mais moço deles disse ao pai: Pai, dá-me a parte dos bens (ousia) que me pertence. E ele repartiu por eles a fazenda (ousia). E, poucos dias depois, o filho mais novo, ajuntando tudo, partiu para uma terra longínqua, e ali desperdiçou os seus bens, vivendo dissolutamente. (Lc 15:12-13) — vide a parábola do Filho Pródigo
Segundo Christophe Andruzac, a inteligência chega a discernir que ser não é idêntico a viver (posto que há seres inanimados), ela deve então ser esforçar por induzir de tudo o que se pode dizer «isto é» uma causa-própria de ser. É esta causa que Aristóteles chama «ousia», termo muito equivocadamente traduzido em latim por «substantia». A ousia não está no nível da forma, no nível do isto, posto que ela é causa na ordem do ser (e não na ordem da vida biológica, nem da vida da inteligência) que isto-que-existe é tal e que isto-que-é-tal existe: ela é causa própria de ser segundo-a-forma, segundo-a-determinação. A Noções Filosóficas vai em seguida refletir sobre isto que é a qualidade, a quantidade e a relação consideradas como ser.
Glossário da versão francesa
Designa o ser de Deus, ingênito (ageneton) e inacessível (apophasis).
Vladimir Lossky: TEOLOGIA MÍSTICA DA IGREJA DO ORIENTE
Fueron precisos los esfuerzos sobrehumanos de un Atanasio de Alejandría, de un Basilio, de un Gregorio Nacianceno y de tantos otros más, para depurar los conceptos del pensamiento helenístico, para romper sus compartimentos estancos, introduciendo en ellos el apofatismo cristiano que transformó la especulación racional en una contemplación del misterio de la Trinidad. Se trataba de encontrar una distinción de términos que expresaran la unidad y la diferenciación de la divinidad sin dar la preeminencia a una o a otra, a fin de que el pensamiento no pudiera caer en el unitarismo sabeliano ni en el triteísmo pagano.
Los padres del siglo IV, «siglo trinitario» por excelencia, se sirvieron preferentemente de los términos ousia y hypostasis para conducir a las inteligencias hacia el misterio de la Trinidad. El término ousia es empleado con frecuencia por Aristóteles que lo define así en las Categorías, cap. V: «se llama principal, primera y propiamente oúaíoc lo que no se predica de ningún sujeto y que no está en ningún sujeto; por ejemplo, este hombre o este caballo. Se llama “segundas usías” (deuterai ousiai) a las especies en las que las “primeras usías” existen con los géneros correspondientes; así “este hombre” es específicamente hombre y genéricamente animal. Se llama, pues, “segundas usías” al hombre y al animal». Dicho de otro modo, las «primeras usías» significan las subsistencias individuales, el individuo subsistente, las «segundas usías» las «esencias», en la acepción realista de este término. La hypostasis, sin tener el valor de un término filosófico, designaba en el lenguaje corriente lo que subsiste realmente, la subsistencia (del verbo iphistamai, subsistir). San Juan Damasceno, en su Dialéctica da la siguiente definición del valor conceptual de ambos términos: «la ousia es la cosa que existe por sí misma y que para su consistencia no precisa de nada más. O también, la ousia es cuanto subsiste por sí mismo y no tiene el ser en otro. Es, pues, aquello que no es por otro, que no tiene la existencia en otro, que no precisa de otro para su consistencia, sino que es en sí y en quien el accidente tiene la existencia» (cap. 39). «La palabra hipóstasis tiene dos significados. Unas veces significa simplemente existencia. Según este significado, ousia, e hipóstasis son la misma cosa. He aquí por qué ciertos padres dijeron: las naturalezas o las hipóstasis. Otras veces designa aquello que existe por sí mismo y en su propia consistencia. Según este significado, designa al individuo numéricamente diferente de cualquier otro, por ejemplo, Pedro, Pablo, ese determinado caballo» (cap. 42) Ambos términos aparecen, pues, como más o menos sinónimos: significando, la ousia, una substancia individual, aunque es susceptible de designar la esencia común a varios individuos; y designando, la hipóstasis, la existencia en general, pero pudiendo igualmente aplicarse a las substancias individuales. Según el testimonio de Teodoreto de Ciro, «para la filosofía profana no hay ninguna diferencia entre la ousia y la hipóstasis porque la ousia significa lo que es y la hipóstasis lo que subsiste. Pero según la doctrina de los padres, hay entre la oúcrLoe y la hipóstasis la misma diferencia que entre lo común y lo particular». El genio de los padres se sirvió de ambos sinónimos para distinguir en Dios lo común: ousia, substancia o esencia, y lo particular: hipóstasis o persona (prosopon).