prote philosophia
É perceptível que subsiste uma certa (51) familiaridade entre as questões que Aristóteles trata na “filosofia primeira” e as questões que a filosofia escolar discute na “física”; com a diferença, contudo, de que o que é tratado por Aristóteles na “filosofia primeira” é muito mais amplo e fundamental. Assim, não subsiste qualquer possibilidade de ordená-la simplesmente no interior da “física”, mas sim apenas a possibilidade de colocá-la ao lado da, por detrás da “física”: de ordená-la segundo a “física”. metá significa em grego “por detrás de”, “em seguida a”. Com isto, colocou-se a filosofia autêntica por detrás da “física”: metá ta physika. A filosofia autêntica é classificada de ora avante sob o título ta metá ta physika. Ο essencial aqui é que nos coloquemos diante da situação fatal: através desta designação, não se caracteriza a filosofia propriamente dita segundo o conteúdo, segundo sua problemática particular, mas segundo um título que deveria indicar sua posição na ordenação extrínseca dos escritos: ta metá ta physika. Ο que denominamos “metafísica” é uma expressão que emerge de uma perplexidade, um termo para um impasse, um termo puramente técnico que, por si só, quanto ao seu conteúdo, ainda não diz absolutamente nada. A prote philosophia é ta metá ta physika. (GA29-30MAC:50-51)
Na Metafísica, IV, 1, Aristóteles empregava estas palavras: “Há uma ciência que estuda o Ser enquanto ser, e seus atributos essenciais. Ela não se confunde com nenhuma das outras ciências chamadas particulares, pois nenhuma delas considera o Ser em geral, enquanto ser, mas, recortando uma certa parte do ser, somente desta parte estudam o atributo essencial; como por exemplo, procedem as ciências matemáticas.
Mas já que procuramos os primeiros princípios e as causas mais elevadas, é evidente que existe necessariamente alguma realidade à qual tais princípios e causas pertencem, em virtude de sua própria natureza. Se, pois, os filósofos, que buscavam os seres, procurassem esses mesmos princípios, resultaria daí necessariamente que os elementos do Ser são elementos deste, não enquanto acidente, mas enquanto ser. Eis por que devemos estudar as causas primeiras do Ser enquanto ser.”
Estas palavras de Aristóteles sobre a filosofia primeira (prote philosophia, a philosophia prima dos escolásticos) são ainda o melhor e mais claro enunciado sobre a ciência em que ora penetramos, a Ontologia ou Metafísica Geral, assim também chamada, porque estuda o ser enquanto ser, isto é, tomando-o na sua maior universalidade.
Essa compreensão da Ontologia, no entanto, foi modificada por filósofos modernos, que se colocaram sob a égide de Kant. Para este, conhecemos os fenômenos, e sabemos da existência do númeno, mas deste não temos nenhuma experiência sensível, isto é, não o intuímos pela intuição sensível, mas apenas mediante uma dialética, que Kant chamou de transcendental.
A Ontologia seria, então, a ciência do númeno. A ela caberia o papel especial de estudar o que permanece atrás dos fenômenos, de explicá-los, enquanto os fenômenos caberiam às ciências particulares. (MFS)