Bevorstand
Recusou-se como inadequada a interpretação do ainda-não e com isso também do ainda-não mais extremo, isto é, do fim da presença (Dasein), no sentido do que está pendente. Isso porque essa interpretação implica um desvio ontológico da presença (Dasein) para o ser simplesmente dado. Existencialmente, estar-no-fim diz ser-para-o-fim. O ainda-não mais extremo possui o caráter daquilo com que a presença (Dasein) se relaciona. Para a presença (Dasein), o fim é IMPENDENTE. A morte não é algo simplesmente ainda-não dado e nem o último pendente reduzido ao mínimo, mas, muito ao contrário, algo IMPENDENTE, iminente. STMSC: §50
Para a presença (Dasein), enquanto ser-no-mundo, muitas coisas podem ser impendentes. Em sisi mesmo, impender não é o que caracteriza propriamente a morte. Ao contrário, também essa interpretação poderia supor que a morte devesse ser compreendida no sentido de um acontecimento IMPENDENTE que vem ao encontro dentro do mundo. IMPENDENTE pode ser, por exemplo, uma tempestade, a reforma da casa, a chegada de um amigo, isto é, entes simplesmente dados, à mão ou ainda co-presentes. A morte IMPENDENTE não possui esse tipo de ser. STMSC: §50
Para a presença (Dasein), por exemplo, também pode ser IMPENDENTE uma viagem, uma discussão com os outros, a renúncia de alguma coisa, ou seja, aquilo que a própria presença (Dasein) pode ser: possibilidades ontológicas próprias, que se fundam no ser-com os outros. STMSC: §50
A morte é uma possibilidade ontológica que a própria presença (Dasein) sempre tem de assumir. Com a morte, a própria presença (Dasein) é IMPENDENTE em seu poder-ser mais próprio. Nessa possibilidade, o que está em jogo para a presença (Dasein) é pura e simplesmente seu ser-no-mundo. Sua morte é a possibilidade de poder não mais ser presença (Dasein). Se, enquanto essa possibilidade, a presença (Dasein) é, para si mesma, IMPENDENTE, é porque depende plenamente de seu poder-ser mais próprio. Sendo IMPENDENTE para si, nela se desfazem todas as remissões para outra presença (Dasein). Essa possibilidade mais própria e irremissível é, ao mesmo tempo, a mais extrema. Enquanto poder-ser, a presença (Dasein) não é capaz de superar a possibilidade da morte. A morte é, em última instância, a possibilidade da impossibilidade pura e simples de presença (Dasein). Desse modo, a morte desvela-se como a possibilidade mais própria, irremissível e insuperável. Como tal, ela é um IMPENDENTE privilegiado. Essa possibilidade existencial funda-se em que a presença (Dasein) está, essencialmente, aberta para si mesma e isso no modo de anteceder-a-si-mesma. Esse momento estrutural da cura possui sua concreção mais originária no ser-para-a-morte. O ser-para-o-fim torna-se, fenomenalmente, mais claro como ser-para essa possibilidade privilegiada da presença (Dasein). STMSC: §50
Nessa determinação “crítica” da certeza da morte e de seu caráter IMPENDENTE, revela-se numa primeira aproximação mais uma vez o seu desconhecimento a respeito do ser da presença (Dasein), característico da cotidianidade e do ser-para-a-morte que lhe pertence. A certeza “meramente” empírica da ocorrência do deixar de viver nada decide sobre a certeza da morte. Os casos de morte podem dar azo faticamente a que a presença (Dasein), de início, fique atenta para a morte. Permanecendo na certeza empírica, acima caracterizada, a presença (Dasein) não consegue, em absoluto, ter certeza da morte naquilo que ela “é”. Embora no impessoalmente público a presença (Dasein) aparentemente só “fale” dessa certeza “empírica” da morte, no fundo ela não se atém, nem exclusiva e nem primariamente, aos casos de morte recorrentes. Escapando de sua morte, o ser-para-o-fim cotidiano tem outro tipo de certeza da morte daquele pretendido por uma reflexão puramente teórica. Esse “outro” esconde-se, na maior parte das vezes, na cotidianidade. Esta não ousa aí fazer-se transparente. Com a disposição cotidiana caracterizada por um empenho “angustiado” nas ocupações e aparentemente sem angústia frente ao “fato” certo da morte, a cotidianidade admite uma certeza “superior” àquela meramente empírica. Sabe-se com certeza da morte e, no entanto, não se “está” propriamente certo dela. A cotidianidade decadente da presença (Dasein) conhece a certeza da morte mas escapa do estar-certo. Esse escape, no entanto, atesta fenomenalmente que a morte, aquilo de que se escapa, deve ser compreendida como a possibilidade mais própria, irremissível, insuperável, certa. STMSC: §52
A possibilidade mais própria e irremissível é insuperável. O ser para essa possibilidade permite à presença (Dasein) compreender que a renúncia de si mesma lhe é IMPENDENTE como a sua possibilidade mais extrema. O antecipar não lhe permite, contudo, escapar da insuperabilidade enquanto ser-para-a-morte impróprio, liberando-a, ao contrário, para a insuperabilidade. A liberação antecipadora para a própria morte liberta do perder-se nas possibilidades ocasionais, permitindo assim compreender e escolher em sentido próprio as possibilidades fáticas que se antepõem às insuperáveis. O antecipar abre para a existência como possibilidade mais extrema a tarefa de sua propriedade, rompendo assim todo e qualquer enrijecimento da existência já alcançada. Antecipando, a presença (Dasein) evita recuar para trás de si mesma e da compreensão de seu poder-ser, evitando “tornar-se velha demais para as suas vitórias” (Nietzsche). Livre para as possibilidades mais próprias, determinadas a partir do fim, ou seja, compreendidas como possibilidades finitas, a presença (Dasein) bane o perigo de, assentada em sua compreensão finita da existência, não reconhecer ou mal-interpretar as possibilidades superáveis da existência dos outros, reconduzindo-as para as suas próprias a fim de endossar sua existência fática mais própria. Todavia, enquanto possibilidade irremissível, a morte singulariza somente a fim de tornar a presença (Dasein), enquanto possibilidade insuperável, compreensiva para o poder-ser dos outros, na condição de ser-com. Porque o antecipar da possibilidade insuperável inclui em si todas as possibilidades situadas à sua frente, nela reside a possibilidade de se tomar previamente de modo existenciário toda a presença (Dasein), ou seja, a possibilidade de existir como todo o poder-ser. STMSC: §53