Existenzialien
Todas as explicações resultantes da analítica da presença (Dasein) são conquistadas a partir de sua estrutura existencial. Denominamos os caracteres ontológicos da presença (Dasein) de existenciais porque eles se determinam a partir da existencialidade. Estes devem ser nitidamente diferenciados das determinações ontológicas dos entes que não têm o modo de ser da presença (Dasein), os quais chamamos de categorias . Esta expressão é tomada aqui em seu significado ontológico primário. A antiga ontologia retirava dos entes, que vêm ao encontro dentro do mundo, a base exemplar de sua interpretação do ser. Considerava a via de acesso ao ser o noein e o logos. No logos, o ente vem ao encontro. Mas o ser deste ente só pode ser apreendido num logos (deixar e fazer ver) privilegiado, de tal maneira que este ser se torne compreensível antecipadamente como aquilo que ele é e já se dá sempre em todos os entes. kategoreisthai é dizer previamente o ser em toda discussão (logos) sobre o ente. A palavra kategoreisthai significa: acusar publicamente, dizer na cara de alguém, diante de todos. Numa perspectiva ontológica, a palavra significa: dizer na cara dos entes o que, como ente, cada um deles é, ou seja, deixar e fazer todos verem o ente em seu ser. O que se vê e se torna visível neste deixar ver são as kategoriai. Elas abarcam as determinações a priori dos entes ditos e discutidos no logos de várias (88) maneiras. Existenciais e categorias são as duas possibilidades fundamentais de caracteres ontológicos. O ente, que lhes corresponde, impõe, cada vez, um modo diferente de se interrogar primariamente: o ente é um quem (existência) ou um que (algo simplesmente dado no sentido mais amplo). Somente depois de se esclarecer o horizonte da questão do ser é que se poderá tratar da conexão entre esses dois modos de caracteres ontológicos. STMSCC: §9
Como existencial, o “ser-junto” ao mundo nunca indica um simplesmente dar-se em conjunto de coisas que ocorrem. Não há nenhuma espécie de “justaposição” de um ente chamado “presença (Dasein)” a um outro ente chamado “mundo”. Por vezes, sem dúvida, costumamos exprimir com os recursos da língua o conjunto de dois entes simplesmente dados, dizendo: “a mesa está junto à porta”, “a cadeira ‘toca’ a parede”. Rigorosamente, nunca se poderá falar aqui de um “tocar”, não porque sempre se pode constatar, num exame preciso, um espaço entre a cadeira e a parede, mas porque, em princípio, a cadeira não pode tocar a parede mesmo que o espaço entre ambas fosse igual a zero. Para tanto, seria necessário pressupor que a parede viesse ao encontro “da” cadeira. Um ente só poderá tocar um outro ente simplesmente dado dentro do mundo se, por natureza, tiver o modo do ser-em, se, com sua presença (Dasein), já se lhe houver sido descoberto um mundo. Pois a partir do mundo o ente poderá, então, revelar-se no toque e, assim, tornar-se acessível em seu ser simplesmente dado. Dois entes que se dão simplesmente dentro do mundo e que, além disso, são em si mesmos destituídos de mundo, nunca podem “tocar”-se, nunca um deles pode “ser e estar junto ao” outro. Não pode faltar o acréscimo: “e, além disso, são em si mesmos destituídos de mundo”, porque também o ente que não é destituído de mundo, por exemplo, a própria presença (Dasein), se dá simplesmente “no” mundo ou, mais precisamente, também pode ser apreendido, com certa razão e dentro de certos limites, como algo simplesmente dado. Para isso, no entanto, é preciso que se desconsidere inteiramente, isto é, que não se veja a constituição existencial do ser-em. Mas não se deve confundir essa possibilidade de apreender a “presença (Dasein)” como um dado e somente como simples dado com um modo de “ser simplesmente dado”, próprio da presença (Dasein). Pois este ser simplesmente dado não é acessível quando se desconsideram as estruturas específicas da presença (Dasein). Ele só se torna acessível em sua compreensão prévia. A presença (Dasein) compreende o (101) seu ser mais próprio no sentido de um certo “ser simplesmente dado fatual”. Na verdade, a “fatualidade” do fato da própria presença (Dasein) é, em seu ser, fundamentalmente diferente da ocorrência fatual de uma espécie qualquer de pedras. Chamamos de facticidade o caráter de fatualidade do fato da presença (Dasein) em que, como tal, cada presença (Dasein) sempre é. À luz da elaboração das constituições existenciais básicas da presença (Dasein), a estrutura complexa desta determinação ontológica só poderá ser apreendida em si mesma como problema. O conceito de facticidade abriga em si o ser-no-mundo de um ente “intramundano”, de maneira que este ente possa ser compreendido como algo que, em seu “destino”, está ligado ao dos entes que lhe vêm ao encontro dentro de seu próprio mundo. STMSCC: §12
Nas ocupações do que se faz com, contra ou a favor dos outros, sempre se cuida de uma diferença com os outros, seja apenas para nivelar as diferenças, seja para a presença (Dasein), estando aquém dos outros, esforçar-se por chegar até eles, seja ainda para a presença (Dasein), na precedência sobre os outros, querer subjugá-los. Embora sem o perceber, a convivência é inquietada pelo cuidado em estabelecer esse intervalo. Em termos existenciais, a presença (Dasein) possui o caráter de afastamento (Abstandigkeit). Quanta mais este modo de ser não causar surpresa para a própria presença (Dasein) cotidiana, mais persistente e originária será sua ação e influência. STMSCC: §27
A análise dos caracteres ontológicos da presença (Dasein) e existencial. Isto significa: os caracteres não são propriedades de algo simplesmente dado, mas modos de ser essencialmente existenciais. Em consequência, deve-se explicitar o seu modo de ser na cotidianidade. STMSCC: §28
Em B (o ser cotidiano do pre (das Da) e a decadência da presença (Dasein)), de acordo com o fenômeno constitutivo da fala, da visão inserida na compreensão e, de acordo com a interpretação pertinente (significado), serão analisados, enquanto modos existenciais do ser cotidiano do pre (das Da): a falação (§35), a curiosidade (§36), a ambiguidade (§37). Nesses fenômenos, torna-se visível um modo fundamental de (192) ser do pre (das Da) que interpretamos como decadência. Trata-se de uma “cadência”, que mostra um modo existencial próprio de movimentação(§38). STMSCC: §28
O ter medo por também pode estender-se a outros e, nesse caso, falamos de ter medo em lugar do outro. Esse ter medo em lugar de… não retira do outro o medo. Isso esta excluído porque o outro, em lugar de quem se tem medo, não precisa necessariamente ter medo. Na maior parte das vezes, temos medo em lugar do outro justamente quanto ele não tem medo e audaciosamente enfrenta o que o ameaça. Ter medo em lugar de… é um modo de disposição junto com os outros mas não necessariamente um ter medo junto com ou mesmo ter medo convivendo com. Pode-se ter medo em lugar de, sem ter medo por si. Visto mais precisamente, porém, ter medo em lugar de é um sentir-se amedrontar-se. “O que dá medo”, nesse caso, é o ser-com o outro, que poderia vir a ser suprimido. O amedrontador não visa diretamente àquele que tem medo junto com. O ter medo em lugar de… de certa forma sabe que não é atingido, embora, na verdade, seja atingido pela co-presença, da qual se tem medo. O ter medo em lugar de não é, pois, um medo atenuado. Não se trata aqui de graus de “sentimento” e, sim, de modos existenciais. Com isso, porém, o ter medo em lugar de não perde sua autenticidade específica quando “propriamente” não tem medo. STMSCC: §30
A disposição é uma das estruturas existenciais em que o ser do “pre (das Da)” da presença (Dasein) se sustenta. De maneira igualmente originária, também o compreender constitui esse ser. Toda disposição sempre possui a sua compreensão, mesmo quando a reprime. O compreender está sempre afinado pelo humor. Interpretando o compreender como um existencial (NH: de modo ontológico-fundamental, isto é, a partir da remissão da verdade de ser) fundamental, mostra-se que esse fenômeno é concebido como modo fundamental de ser da presença (Dasein). No sentido, porém, de um modo possível de conhecimento entre outros, (202) que se distingue, por exemplo, do “esclarecer”, o “compreender” deve ser interpretado juntamente com aquele, como um derivado existencial do compreender primordial, que também constitui o ser do pre (das Da) da presença (Dasein). STMSCC: §31
Enquanto existenciais, a disposição é o compreender caracterizam a abertura originária de ser-no-mundo. No modo de ser do humor, a presença (Dasein) “vê” possibilidades a partir das quais ela é. Na abertura projetiva dessas possibilidades, ela já está sempre afinada pelo humor. O projeto do poder-ser mais próprio está entregue ao fato de ser lançado no pre (das Da) da presença (Dasein). Mas não será que, com a explicação da constituição existencial do ser do pre (das Da), no sentido do projeto projetado, o ser da presença (Dasein) se torna ainda mais enigmático? Com efeito. Devemos primeiro deixar despontar todo o enigma desse ser, quer para fracassar com autenticidade na tentativa de (208) “resolvê-lo”, quer para recolocar de modo novo a questão do ser-no-mundo que se lançou em projetos. STMSCC: §31
É preciso elaborar concretamente esses existenciais, a fim de se dispor de uma visualização inicial e suficiente, do ponto de vista fenomenal, do modo de ser cotidiano do compreender disposto, isto é, de toda a abertura do pre (das Da). STMSCC: §31
Mas, ver nesse circulo um vicio, buscar caminhos para evitá-lo e também “senti-lo” apenas como imperfeito inevitável, significa um mal-entendido de principio acerca do que e compreender. Não se trata de equiparar compreender e interpretação a um ideal de conhecimento, que determinado em sisi mesmo não passa de uma degeneração e que, na tarefa devida de apreender o ser simplesmente dado, perdeu-se na incompreensão de sua essência. Para se preencher as condições fundamentais de uma interpretação possível, não se deve desconhecer as suas condições essenciais de realização. O decisivo não e sair do círculo, mas entrar no circulo de modo adequado. Esse círculo do compreender não e um cerco em que se movimenta qualquer tipo de conhecimento. Ele exprime a estrutura-prévia existencial, própria da presença (Dasein). O circulo não deve ser rebaixado a um vitiosum, mesmo que apenas tolerado. Nele se esconde a possibilidade positiva do conhecimento mais originário que, decerto, só pode ser apreendida de modo autentico se a interpretação tiver compreendido que sua primeira, única e ultima tarefa e de não se deixar guiar, na posição prévia, visão prévia e (214) concepção prévia, por conceitos populares e inspirações. Na elaboração da posição prévia, da visão prévia e concepção prévia, ela deve assegurar o tema científico a partir das coisas elas mesmas. Porque, de acordo com seu sentido existencial, compreender e o poder-ser da própria presença (Dasein); as pressuposições ontológicas do conhecimento histórico ultrapassam, em principio, a ideia de rigor das ciências mais exatas. A matemática não e mais rigorosa do que a historia. E apenas mais restrita, no tocante ao âmbito dos fundamentos existenciais que lhe são relevantes. STMSCC: §32
Reunindo esses três significados de “enunciado” numa visão unitária de todo o fenômeno, teremos a seguinte definição: o enunciado é um mostrar a partir de si mesmo e por si mesmo, que determina e comunica. Todavia, ainda é preciso perguntar: com que direito entendemos o enunciado como modo de interpretação? Nesse caso, as estruturas essenciais da interpretação devem reaparecer no enunciado. O mostrar a partir de si mesmo e por si mesmo no enunciado se dá com base no que já se abriu no compreender e descobriu na circunvisão. O enunciado não paira no ar, desligado e solto, a ponto de poder por si mesmo abrir pela primeira vez o ente como tal; mas já se detém no ser-no-mundo. O que antes se esclareceu (218) a respeito do conhecimento do mundo vale também para o enunciado. O enunciado necessita de uma posição prévia do que se abriu, a fim de mostrá-lo a partir de si mesmo e por si mesmo segundo os modos de determinação. Ademais, já reside no ponto de partida da determinação uma perspectiva orientada para o que se vai enunciar. A perspectiva a partir da qual se encara o ente preliminarmente dado assume, no processo de determinação, a função de determinante. O enunciado necessita de uma visão prévia que desloque, por assim dizer, o predicado a ser explicitado e indicado, incluindo-o implicitamente no próprio ente. Uma articulação do significado daquilo que se mostra a partir de si mesmo e por si mesmo pertence ao enunciado enquanto comunicação determinante. É por isso que ela se move numa determinada conceituação: o martelo é pesado, o peso é do martelo, o martelo tem a propriedade de ser pesado. A concepção prévia sempre presente em todo enunciado permanece, na maior parte das vezes, sem surpresas, pois toda língua já guarda em si uma conceituação elaborada. Tanto o enunciado quanto a interpretação têm necessariamente seus fundamentos existenciais numa posição prévia, visão prévia e concepção prévia. STMSCC: §33
O fenômeno da cópula mostra até que ponto esta problemática ontológica influi na interpretação do logos e, inversamente, até que ponto o conceito de “juízo” repercute, numa reação curiosa, na problemática ontológica. Este “elo” revela, em primeiro lugar, que já de saída se pressupõe evidente a estrutura sintética, mantendo-a, então, numa função decisiva na interpretação do logos. Entretanto, caso as características formais de “relação” e “ligação” não possam contribuir em nada para o fenômeno da análise do conteúdo estrutural do logos, então o fenômeno da cópula, em última instância, nada tem a ver com elo e ligação. O “é” e sua interpretação, quer se exprima linguisticamente ou se indique nas desinências verbais, só entra no contexto dos problemas da analítica existencial se os enunciados e a compreensão de ser forem em si mesmas possibilidades existenciais da própria presença (Dasein). A elaboração da questão do ser (cf. parte I, seção III) vai encontrar-se, pois, novamente, dentro do logos com esse fenômeno ontológico característico. STMSCC: §33
Disposição e compreender são os existenciais fundamentais que constituem o ser do pre (das Da), ou seja, a abertura do ser-no-mundo. O compreender guarda em si a possibilidade de interpretação, isto é, de uma apropriação do que se compreende. Sendo disposição e compreender igualmente originários, a disposição se mantém numa certa compreensão. Corresponde-lhe também uma certa possibilidade de interpretação. O enunciado tornou visível um derivado extremo da interpretação. O esclarecimento do terceiro significado de enunciado como comunicação (declaração) levou ao conceito de dizer e pronunciar, até aqui propositadamente desconsiderado. Que somente agora se tematize a linguagem, isso deve indicar que este fenômeno se radica na constituição existencial da abertura da presença (Dasein). O fundamento ontológico-existencial da linguagem é a fala. Embora tenhamos excluído esse fenômeno de uma análise temática, dele nos servimos constantemente nas interpretações feitas até aqui da disposição, do compreender, da interpretação e do enunciado. STMSCC: §34
Toda fala sobre alguma coisa comunica através daquilo sobre que fala e sempre possui o caráter de pronunciar-se. Na fala, a presença (Dasein) se pronuncia. Entretanto, isso não ocorre porque a presença (Dasein) se acharia, de início, encapsulada num “interior” que se opõe a um exterior, mas porque, como ser-no-mundo, ao compreender, ela já se acha “fora”. O que se pronuncia é justamente o estar fora (NH: o pre (das Da); estar exposto como posição aberta), isto é, o modo cada vez diferente da disposição (ou do humor) que, como se indicou, alcança toda a abertura do ser-em. O índice linguístico próprio da fala em que se anuncia o ser-em da disposição está no tom, na modulação, no ritmo da fala, “no modo de dizer”. A comunicação das possibilidades existenciais da disposição, ou seja, da abertura da existência, pode tornar-se a meta explícita da fala “poética”. STMSCC: §34
A fala é a articulação em significações da compreensibilidade inserida na disposição do ser-no-mundo. Seus momentos constitutivos são os seguintes: o referencial da fala (Beredete), aquilo sobre que se fala como tal (Geredete), a comunicação e o anúncio. Estes não são propriedades que só se possam reunir empiricamente na linguagem. São caracteres existenciais arraigados na constituição de ser da presença (Dasein), que tornam possível a estrutura ontológica da linguagem. Na configuração linguística fática de uma determinada fala, alguns desses momentos podem faltar ou não ser observados. Que estes momentos, muitas vezes, não se exprimem “em palavras”, isso deve ser apenas o indicador de um determinado modo (225) de fala que, em sendo, deve sempre articular-se com a totalidade dessas estruturas. STMSCC: §34
Remontando às estruturas existenciais que compõem a abertura do ser-no-mundo, a interpretação, de certo modo, perdeu de vista a cotidianidade da presença (Dasein). A análise deve reconquistar mais uma vez o horizonte fenomenal, estabelecido para seu tema. Levanta-se então a pergunta: Quais são os caracteres existenciais da abertura do ser-no-mundo quando o ser-no-mundo cotidiano se detém no modo de ser do impessoal? Será que esse modo de ser possui uma disposição própria e específica, uma compreensão, uma fala e uma interpretação especiais? A resposta a essas perguntas torna-se tanto mais urgente quanto mais se recorda que, numa primeira aproximação e na maior parte das vezes, a presença (Dasein) sucumbe ao impessoal e por ele se deixa dominar. Como ser-lançado-no-mundo, não será que a presença (Dasein) foi jogada de saída no caráter público do impessoal? E que mais significa esse ser público do que a abertura específica do impessoal? STMSCC: §34
A falação, a curiosidade e a ambiguidade caracterizam o modo em que a presença (Dasein) realiza cotidianamente o seu “pre (das Da)”, a abertura de ser-no-mundo. Como determinações existenciais, essas características não são algo simplesmente dado na presença (Dasein), constituindo também o seu ser. Nelas e em seu nexo ontológico, desvela-se um modo fundamental de ser da cotidianidade que denominamos com o termo decadência da presença (Dasein). STMSCC: §38
A interpretação ontológico-existencial não se refere, portanto, a uma fala ôntica sobre a “corrupção da natureza humana”, não apenas porque lhe faltam os recursos necessários, mas também porque a sua problemática antecede qualquer enunciado sobre corrupção ou incorruptibilidade. A decadência é um conceito ontológico de movimento. Do ponto de vista ôntico, não fica decidido se o homem foi ou não “sorvido no pecado”, se está ou não no status corruptionis, se transmigrou para o status integritatis ou se encontra num estado intermediário, isto é, no status gratiae. Fé e “visão de mundo” é que deverão recorrer às estruturas existenciais explicitadas, a fim de poderem emitir tais e tais enunciados e enunciar a presença (Dasein) como ser-no-mundo, supondo-se evidentemente que seus enunciados também pretendam uma compreensão conceitual. STMSCC: §38
A fim de se apreender ontologicamente a totalidade do todo estrutural, deve-se questionar, em primeiro lugar, se o fenômeno da angústia e o que nela se abre podem propiciar fenomenalmente, de maneira igualmente originária, o todo da presença (Dasein), de modo a satisfazer com esses dados a visão indagadora da totalidade. Todo o seu acervo pode ser registrado através de uma enumeração formal: enquanto disposição, o angustiar-se é um modo de ser-no-mundo; a angústia se angustia com o ser-no-mundo lançado; a angústia se angustia por poder ser-no-mundo. Em sua completude, o fenômeno da angústia mostra, portanto, a presença (Dasein) como ser-no-mundo que existe faticamente. Os caracteres ontológicos fundamentais desse ente são existencialidade, facticidade e decadência. Essas determinações existenciais, no entanto, não são partes integrantes de um composto em que se pudesse ou não prescindir de alguma. Ao contrário, nelas se tece um nexo originário que constitui a totalidade procurada do todo estrutural. Na unidade dessas determinações ontológicas da presença (Dasein) é que se poderá apreender ontologicamente o seu ser como tal. Como se deve caracterizar essa unidade em si mesma? STMSCC: §41
A “universalidade” transcendental do fenômeno da cura e de todos os existenciais fundamentais tem, por outro lado, a envergadura que subministra preliminarmente o solo em que toda interpretação da presença (Dasein) se move, baseada numa concepção ôntica de mundo, quer se compreenda a presença (Dasein) como “preocupação com a vida” e necessidade ou ao contrário. STMSCC: §42
O “vazio” e “universalidade” que se impõem onticamente às estruturas existenciais possuem sua própria determinação e plenitude ontológicas. Em vista disso, a própria constituição da presença (Dasein) em seu todo não é simples em sua unidade, mostrando uma articulação estrutural que se exprime no conceito existencial de cura. STMSCC: §42
Na ordem dos nexos ontológicos fundamentais, das referências existenciais e categorias possíveis, realidade remete ao fenômeno da cura. Que a realidade se funda ontologicamente no ser da presença (Dasein), isso não pode significar que o real só poderá ser em sisi mesmo aquilo que é se e enquanto existir a presença (Dasein). STMSCC: §43
O interesse predominante das considerações seguintes voltase para as “variações” de fim e totalidade, as quais, em sendo determinações ontológicas da presença (Dasein), devem orientar uma interpretação originária desse ente. Sem perder de vista a constituição existencial já exposta da presença (Dasein), devemos tentar decidir em que medida os conceitos de fim e totalidade que, de início, se impõem, quer como categorias quer de modo indeterminado, são ontologicamente inadequados à presença (Dasein). A recusa de tais conceitos deve, por fim, indicar positivamente as suas regiões específicas. Com isso, consolida-se a compreensão de fim e totalidade nas variações como existenciais, o que haverá de garantir a possibilidade de uma interpretação ontológica da morte. STMSCC: §48
Caso a análise de fim e totalidade da presença (Dasein) siga uma orientação de tal porte, isso não pode significar que os conceitos existenciais de fim e totalidade sejam obtidos por via dedutiva. Ao contrário, o que cabe é buscar na própria presença (Dasein) o sentido existencial de seu chegar-ao-fim e mostrar que esse “findar” pode constituir todo o ser desse ente que existe. STMSCC: §48
Essa pesquisa ôntico-biológica da morte tem por base uma problemática ontológica. Permanece em questão como a essência da morte se determina a partir da essência ontológica da vida. De certo modo, a investigação ôntica da morte sempre já se decidiu sobre essa questão. Nela atuam conceitos sobre a vida e a morte, mais ou menos esclarecidos. Estes necessitam de um prelineamento através da ontologia da presença (Dasein). No âmbito da ontologia da presença (Dasein), que ordena previamente uma ontologia da vida, a análise existencial da morte subordina-se a uma caracterização da constituição fundamental da presença (Dasein). Chamamos de finar o findar do ser vivo. A presença (Dasein) também “possui” uma morte fisiológica, própria da vida. Embora esta não possa ser isolada onticamente, determinando-se pelo seu modo originário de ser, a presença (Dasein) também pode findar sem propriamente morrer e, por outro lado, enquanto presença (Dasein), não pode simplesmente finar. Chamamos esse fenômeno intermediário de deixar de viver. Morrer, por sua vez, exprime o modo de ser em que a presença (Dasein) é para a sua morte. Assim, pode-se dizer: a presença (Dasein) nunca fina. A presença (Dasein) só pode deixar de viver na medida em que morre. A investigação médico-biológica do deixar de viver logra resultados que, do ponto de vista ontológico, podem também ser relevantes, desde que se tenha assegurado a orientação fundamental para uma interpretação existencial da morte. Ou será que, do ponto de vista médico, até a doença e a morte devem ser concebidas primariamente como fenômenos existenciais? STMSCC: §49
O ser-para-a-morte em sentido próprio significa uma possibilidade existenciária da presença (Dasein). Esse poder-ser ôntico deve, por sua vez, ser ontologicamente possível. Quais as condições existenciais dessa possibilidade? Como elas podem se fazer acessíveis? STMSCC: §52
Numa primeira aproximação, é preciso perseguir os fundamentos e estruturas existenciais da consciência, tornando-a visível como fenômeno da existência, com base na constituição de ser desse ente até aqui obtida. Esta análise ontológica da consciência antecede toda descrição psicológica de suas vivências e sua classificação, estando também fora de uma “explicação” biológica, ou seja, de uma dissolução do fenômeno. Também não é menor a distância que a separa de uma interpretação teológica da consciência moral (des Geivissens) ou mesmo da sua consideração com vistas a provar a existência de Deus ou uma consciência (Bewusstsein) “imediata” de Deus. STMSCC: §54
A análise (NH: aqui se confundem necessariamente várias coisas: 1) o apelo do que chamamos consciência; 2) o ser interpelado: 3) a experiência desse ser; 4) a interpretação comum da tradição; 5) a maneira em que disso se desincumbe) da consciência parte de um dado indiferente, a saber, de que ela, de algum modo, dá algo a compreender. A consciência abre, pertencendo, assim, ao âmbito dos fenômenos existenciais que constituem o ser do pre (das Da) como abertura. Foram discutidas e interpretadas as estruturas mais gerais de disposição, compreender, fala e decadência. Colocar a consciência nesse contexto fenomenal não significa aplicar esquematicamente as estruturas antes obtidas a um “caso” particular de abertura da presença (Dasein). A interpretação da consciência haverá não apenas de ampliar a análise anterior da abertura do pre (das Da) mas, sobretudo, de apreendê-la de forma mais originária com vistas ao ser próprio da presença (Dasein). STMSCC: §55
Enquanto a interpretação existencial não esquecer que o seu ente temático possui o modo de ser da presença (Dasein) e que ele nunca pode ser um ente simplesmente dado, resultante da colagem de pedaços simplesmente dados, todos os seus passos devem deixar-se guiar, em conjunto, pela ideia de existência. No que concerne à questão do nexo possível entre antecipação e decisão, trata-se, nada menos, do que da exigência de projetar esses fenômenos existenciais sobre as possibilidades existenciárias já delineadas e pensá-las, existencialmente, “até o fim”. Com isso, elaborar a decisão antecipadora no sentido de um poder-ser todo, existenciariamente possível e próprio, perde o caráter de uma construção arbitrária. Trata-se, pois, de liberar, numa interpretação, a presença (Dasein) para a sua possibilidade de existência mais extrema. STMSCC: §61
Com a decisão antecipadora, a presença (Dasein) tornou-se fenomenalmente visível no tocante à sua possível propriedade e totalidade. A situação hermenêutica, que até aqui havia permanecido insuficiente para a interpretação do sentido ontológico da cura, conseguiu alcançar a originariedade exigida. Originariamente, ou seja, no tocante a seu poder-ser todo em sentido próprio, a presença (Dasein) já se acha na posição prévia; mediante o esclarecimento do poder-ser mais próprio, ganhou determinação a visão prévia orientadora, isto é, a ideia de existência; com a elaboração concreta da estrutura ontológica da presença (Dasein), torna-se de tal modo clara a sua especificidade ontológica frente a todo e qualquer ser simplesmente dado que a concepção prévia da existencialidade da presença (Dasein) adquire articulação suficiente para orientar, com segurança, a elaboração conceituai dos existenciais. STMSCC: §63
A unidade dos momentos constitutivos da cura, existencialidade (NH: existência: 1) para todo o ser da presença (Dasein); 2) somente para o “compreender”), facticidade e decadência, possibilitou uma primeira delimitação ontológica da totalidade do todo estrutural da presença (Dasein). A estrutura da cura chegou à seguinte fórmula existencial: anteceder-a-si-mesmo-em (um mundo) enquanto ser-junto-a (um ente intramundano que vem ao encontro). Embora articulada, a totalidade da estrutura da cura não resulta de um ajuntamento. Tivemos de avaliar esse resultado ontológico quanto à possibilidade de satisfazer as exigências de uma interpretação originária da presença (Dasein). Da reflexão resultou que não se tematizou nem toda a presença (Dasein) e nem o seu poder-ser próprio. A tentativa de apreender fenomenalmente toda a presença (Dasein) pareceu fracassar justamente na estrutura da cura. O anteceder-a-si-mesmo apresentou-se como um ainda-não. Para uma consideração genuinamente existencial, o anteceder-a-si-mesmo desvelou-se como o que está pendente, mas no sentido de ser-para-o-fim que, no fundo de seu ser, toda presença (Dasein) é. Também esclarecemos que, no apelo da consciência, a cura faz apelo à presença (Dasein) para o seu poder-ser mais próprio. Entendida originariamente, o compreender do apelo revelou-se como decisão antecipadora. Ele abriga em si um poder-ser todo da presença (Dasein) em sentido próprio. A estrutura da cura não fala contra um possível ser-todo mas é a condição de possibilidade desse poder-ser existenciário. No encaminhamento da análise, tornou-se claro que os fenômenos existenciais de morte, consciência e dívida estão ancorados no fenômeno da cura. A articulação da totalidade do todo estrutural é ainda mais rica e, por isso, torna também mais urgente a questão existencial da unidade dessa totalidade. STMSCC: §64
A unidade ekstática da temporalidade, isto é, a unidade do “fora de si” nas retrações de porvir, vigor de ter sido e atualidade é a condição de possibilidade para que um ente possa existir como o seu “pre (das Da)”. O ente que carrega o título de presença (Dasein) É “iluminado”. A luz que constitui a luminosidade da presença (Dasein) não é uma força ou fonte ôntica simplesmente dada de uma clareza cintilante que, por vezes, ocorre neste ente. Antes de toda interpretação “temporal”, determinou-se como cura o que ilumina essencialmente esse ente, isto é, aquilo que o torna “aberto” e também “claro” para si mesmo. É na cura que se funda toda abertura do pre (das Da). E é esta luminosidade que possibilita toda iluminação e esclarecimento, toda percepção, “visão” e posse de alguma coisa. A luz desta luminosidade só pode ser compreendida quando, ao invés de sairmos à busca de uma força simplesmente dada e implantada, questionarmos toda a constituição ontológica da presença (Dasein), ou seja, a cura, quanto ao fundamento unificador de sua possibilidade existencial. A temporalidade ekstática ilumina originariamente o pre (das Da). Ela é o regulador primordial da unidade possível de todas as estruturas essencialmente existenciais da presença (Dasein). STMSCC: §69
Mas como é possível “constatar” o que falta, ou seja, o que não está à mão e não apenas o que está à mão mas não é manuseável? Na circunvisão, o não estar à mão descobre-se no dar pela falta. Tanto este como o “constatar”, nele fundado, do que não é simplesmente dado possuem suas próprias pressuposições existenciais. O dar pela falta não é, de modo algum, uma não atualização, mas sim um modo deficiente da atualidade no sentido da não atualização de algo esperado já sempre disponível. Se o deixar e fazer em conjunto não aguardasse “desde sempre” aquilo de que se ocupa e se o aguardar não se temporaliza-se na unidade com uma atualização, a presença (Dasein) jamais poderia “achar” que algo está faltando. STMSCC: §69
Mas é na temporalidade que a totalidade da constituição da cura encontra o fundamento possível de sua unidade. No horizonte da constituição temporal da presença (Dasein), deve-se tomar como ponto de partida o esclarecimento ontológico do “nexo da vida”, ou seja, da ex-tensão, movimentação e permanência específicas da presença (Dasein). A movimentação da existência não é o movimento de algo simplesmente dado. Ela se determina pela ex-tensão da presença (Dasein). Chamamos de acontecer da presença (Dasein) a movimentação específica deste estender-se na extensão. A questão sobre o “nexo” da presença (Dasein) é o problema ontológico de seu acontecer. Liberar a estrutura do acontecer e suas condições existenciais e temporais de possibilidade significa conquistar uma compreensão ontológica da historicidade. STMSCC: §72
Se a própria historicidade deve esclarecer-se a partir da temporalidade e, originariamente, a partir da temporalidade própria, então na essência desta tarefa está só poder ser desenvolvida através de uma construção (NH: projeto) fenomenológica. A constituição ontológico-existencial da historicidade deve ser conquistada por oposição à interpretação vulgar que encobre a história da presença (Dasein). A construção existencial da historicidade possui determinados suportes na compreensão vulgar da presença (Dasein) e deve ser guiada pelas estruturas existenciais até aqui obtidas. STMSCC: §72
Determinou-se a decisão como o projetar-se silencioso e pronto a angustiar-se para o ser e estar em dívida em sentido próprio. (474) Ela adquire sua propriedade como decisão antecipadora. Nela, a presença (Dasein) compreende-se quanto a seu poder-ser, de tal maneira que ela se acha sob os olhares da morte para, assim, poder assumir totalmente, em seu estar-lançado, o ente que ela mesma é. O assumir decidido do “pre (das Da)” faticamente próprio significa, ao mesmo tempo, decidir-se pela situação. A análise existencial não chegou, porém, a discutir em princípio para que a presença (Dasein) faticamente se decide. A presente investigação também exclui o projeto existencial das possibilidades fatuais de existência. Contudo, deve-se questionar de onde se podem simplesmente haurir as possibilidades em que a presença (Dasein) faticamente se projeta. O projetar-se antecipador para a possibilidade insuperável da existência, ou seja, para a morte, apenas garante a totalidade e a propriedade da decisão. As possibilidades faticamente abertas na existência não devem, porém, ser retiradas da morte. E isso ainda menos já que a antecipação da possibilidade não significa, em absoluto, uma especulação a seu respeito e sim uma volta ao pre (das Da) em sentido fático. Será que assumir o estar-lançado do si-mesmo no mundo abre um horizonte do qual a existência retira suas possibilidades fáticas? Mas também não se disse que a presença (Dasein) nunca retorna aquém de seu estar-lançado? Antes de decidirmos apressadamente se a presença (Dasein) haure ou não suas possibilidades existenciais próprias do estar-lançado, devemos assegurar-nos do pleno conceito dessa determinação fundamental da cura. STMSCC: §74
A apresentação concreta da origem existencial e histórica da historiografia realiza-se na análise da tematização, constitutiva dessa ciência. O ponto nevrálgico da tematização historiográfica é elaborar a situação hermenêutica. Esta se abre com o decidir da presença (Dasein), que historicamente existe, por abrir, na retomada, o que vigora por ter sido presença (Dasein). É a partir da abertura própria (”verdade”) da existência histórica que se deve expor a possibilidade e a estrutura da verdade histórica. Porque, no entanto, quer referidos a seus objetos ou a seus modos de tratamento, os conceitos fundamentais das ciências historiográficas são conceitos existenciais, a teoria das ciências do espírito pressupõe uma interpretação existencial temática da historicidade da presença (Dasein). Ela é a meta constante do trabalho de pesquisa de W. Dilthey, e se esclarece, mais profundamente, através das ideias do Conde Yorck von Wartenburg. STMSCC: §76