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Em contraste, explora-se uma área da terra a fornecer carvão e minérios. A terra se desencobre, neste caso, depósito de carvão e o solo, jazida de minerais. Era outro o lavradio que o lavrador dispunha outrora, quando dis-por ainda significava lavrar, isto é, cultivar e proteger. A lavra do lavrador não desafiava o lavradio. Na semeadura, apenas confiava a semente às forças do crescimento, encobrindo-a para seu desenvolvimento. Hoje em dia, uma outra posição também absorveu a lavra do campo, a saber, a posição que dis-põe da natureza. E dela dis-põe, no sentido de uma ex-ploração. A agricultura tornou-se indústria motorizada de alimentação. Dis-põe-se o ar a fornecer azoto, o solo a fornecer minério, como, por exemplo, urânio, o urânio a fornecer energia atômica; esta pode, então, ser desintegrada para a destruição da guerra ou para fins pacíficos.

Esta dis-posição, que explora as energias da natureza, cumpre um processamento, numa dupla acepção. Processa à medida que abre e ex-põe. Este primeiro processamento já vem, no entanto, pre-dis-posto a promover uma outra coisa, a saber, o máximo rendimento possível com o mínimo de gasto. Não se dis-põe do carvão processado na bacia do Ruhr apenas para torná-lo dis-ponível em algum lugar. O carvão fica estocado no sentido de ficar a postos para se dis-por da energia solar nele armazenada. Explora-se, a seguir, o calor para fornecer a temperatura que, por sua vez, se dis-põe a fornecer o vapor, cuja pressão movimenta os mecanismos que mantém uma fábrica em funcionamento.

A usina hidroelétrica posta no Reno dis-põe o rio a fornecer pressão hidráulica, que dis-põe as turbinas a girar, cujo giro impulsiona um conjunto de máquinas, cujos mecanismos produzem corrente elétrica. As centrais de transmissão e sua rede se dis-põem a fornecer corrente. Nesta sucessão integrada de disposições de energia elétrica, o próprio rio Reno aparece, como um dis-positivo. A usina hidroelétrica não está instalada no Reno, como a velha ponte de madeira que, durante séculos, ligava uma margem à outra. A situação se inverteu. Agora é o rio que está instalado na usina. (GA7, p. 19)

Que desencobrimento se apropria do que surge e aparece no pôr da exploração? Em toda parte, se dis-põe a estar a postos e assim estar a fim de tornar-se e vir a ser dis-ponível para ulterior disposição. O dis-ponível tem seu próprio esteio. Nós o chamamos de dis-ponibilidade (Bestand). Esta palavra significa aqui mais e também algo mais essencial do que mera “provisão”. A palavra “dis-ponibilidade” se faz agora o nome de uma categoria. Designa nada mais nada menos do que o modo em que vige e vigora tudo que o desencobrimento explorador atingiu. No sentido da dis-ponibilidade, o que é já não está para nós em frente e defronte, como um objeto. (GA7, p. 20)

Mas o avião comercial, disposto na pista de decolagem, é fora de qualquer dúvida um objeto. Com certeza. É possível representar assim essa máquina voadora. Mas, com isso, encobre-se, justamente, o que ela é e a maneira em que ela é o que é. Pois, na pista de decolagem, o avião se desencobre como dis-ponibilidade à medida que está disposto a assegurar a possibilidade de transporte. Para isto tem de estar dis-ponível, isto é, pronto para decolar, em toda a sua constituição e em cada uma de suas partes constituintes. (Aqui seria o lugar para se discutir com Hegel a determinação que ele propõe da máquina, enquanto instrumento autônomo, que se basta a si mesmo. Considerada na perspectiva do artesanato, trata-se de uma determinação correta. Contudo, não consegue pensar a máquina a partir da essência da técnica a que ela pertence. Considerada, como dis-ponibilidade, a máquina não é, absolutamente, autônoma nem se basta a si mesma. Pois tem a sua dis-ponibilidade exclusivamente a partir e pelo dispor do dis-ponível.) (GA7, p. 21)

Quando tentamos aqui e agora mostrar a ex-ploração em que se desencobre a técnica moderna, impõem-se e se acumulam, de maneira monótona, seca e penosa, as palavras “pôr”, “dis-por”, “dis-posição”, “dis-positivo”, “dis-ponível”, “dis-ponibilidade”, etc. Isso se funda, porém, na própria coisa que aqui nos vem à linguagem. Quem realiza a ex-ploração que desencobre o chamado real, como dis-ponibilidade? Evidentemente, o homem. Em que medida o homem tem este desencobrir em seu poder? O homem pode, certamente, representar, elaborar ou realizar qualquer coisa, desta ou daquela maneira. O homem não tem, contudo, em seu poder o desencobrimento em que o real cada vez se mostra ou se retrai e se esconde. Não foi Platão que fez com que o real se mostrasse à luz das ideias. O pensador apenas respondeu ao apelo que lhe chegou e que o atingiu. (GA7, p. 21)

Somente à medida que o homem já foi desafiado a explorar as energias da natureza é que se pode dar e acontecer o desencobrimento da dis-posição. Se o homem é porém, desafiado e disposto, não será, então, que mais originariamente do que a natureza, ele, o homem, pertence à dis-ponibilidade? As expressões correntes de material humano, de material clínico falam neste sentido. O coiteiro, que, na floresta, mede a lenha abatida e que, aparentemente, como seu avó, percorre os mesmos caminhos silvestres, está hoje à dis-posição da indústria madeireira, quer o saiba ou não. Ele está disposto ao fornecimento de celulose, exigida pela demanda do papel, encomendado pelos jornais e revistas ilustradas. Estes, por sua vez, pre-dis-põem a opinião pública a consumir as mensagens impressas e a tornar-se dis-ponível à manipulação disposta das opiniões. Todavia, precisamente por se achar desafiado a dis-por-se de modo mais originário do que as energias da natureza, o homem nunca se reduz a uma mera dis-ponibilidade. Realizando a técnica, o homem participa da dis-posição, como um modo de desencobrimento. O desencobrimento em sisi mesmo, onde se desenvolve a dis-posição, nunca é, porém, um feito do homem, como não é o espaço, que o homem já deve ter percorrido, para relacionar-se, como sujeito, com um objeto. (GA7, p. 22)
Quando, portanto, nas pesquisas e investigações, o homem corre atrás da natureza, considerando-a um setor de sua representação, ele já se encontra comprometido com uma forma de desencobrimento. Trata-se da forma de desencobrimento da técnica que o desafia a explorar a natureza, tomando-a por objeto de pesquisa até que o objeto desapareça no não-objeto da dis-ponibilidade.
Sendo desencobrimento da dis-posição, a técnica moderna não se reduz a um mero fazer do homem. Por isso, temos de encarar, em sua propriedade, o desafio que põe o homem a dispor do real, como dis-ponibilidade. Este desafio tem o poder de levar o homem a recolher-se à dis-posição. Está em causa o poder que o leva a dispor do real, como dis-ponibilidade. (GA7, p. 22)

Chamamos aqui de com-posição (Ge-stell) o apelo de ex-ploração que reúne o homem a dispor do que se desencobre como dis-ponibilidade. (GA7, p. 23)

Com-posição, “Gestell” significa a força de reunião daquele por que põe, ou seja, que desafia o homem a desencobrir o real no modo da dis-posição, como dis-ponibilidade. (GA7, p. 24)

Na com-posição, dá-se com propriedade aquele desencobrimento em cuja consonância o trabalho da técnica moderna desencobre o real, como dis-ponibilidade. (GA7, p. 24)

Permanece verdade: o homem da idade da técnica vê-se desafiado, de forma especialmente incisiva, a comprometer-se com o desencobrimento. Em primeiro lugar, ele lida com a natureza, enquanto o principal reservatório das reservas de energia. Em conseqüência, o comportamento dis-positivo do homem mostra-se, inicialmente, no aparecimento das ciências modernas da natureza. O seu modo de representação encara a natureza, como um sistema operativo e calculável de forças. A física moderna não é experimental por usar, nas investigações da natureza, aparelhos e ferramentas. Ao contrário: porque,já na condição de pura teoria, a física leva a natureza a ex-por-se, como um sistema de forças, que se pode operar previamente, é que se dis-põe do experimento para testar, se a natureza confirma tal condição e o modo em que o faz. (GA7, p. 24)

A teoria da natureza, proposta pela física moderna, não preparou o caminho para a técnica mas para a essência da técnica moderna. Pois a força de ex-ploração, que reúne e concentra o desencobrimento da dis-posição, já está regendo a própria física, mesmo sem que apareça, como tal, em sua propriedade. (GA7, p. 25)

Se a física moderna tem de contentar-se, de maneira crescente, com o caráter imperceptível de suas representações, esta renúncia ao concreto da percepção sensível não é decisão de nenhuma comissão de cientistas. É uma imposição da regência da com-posição que exige a possibilidade de se dispor da natureza, como dis-ponibilidade. Por isso, apesar de ter abandonado a representação de objetos que, até há pouco, era o único procedimento decisivo, a física moderna nunca poderá renunciar à necessidade de a natureza fornecer dados, que se possa calcular, e de continuar sendo um sistema dis-ponível de informações. Trata-se de um sistema que se determina por uma concepção mais uma vez alterada de causalidade. Agora a natureza já não demonstra nem o caráter de um deixar-viger produtivo nem o modo de ser da causa efficiens ou até da causa formalis. Presumivelmente, a causalidade há de se reduzir a uma notificação provocada pelas dis-ponibilidades que se disponham com segurança contínua ou sucessiva. (GA7, p. 25)

Para onde nos sentiremos remetidos, quando tentarmos agora dar mais um passo adiante, pensando o que será, em si mesma, esta com-posição? Não é nada de técnico nem nada de maquinal. É o modo em que o real se desencobre como dis-ponibilidade. De novo, se impõe a pergunta: será que este des-encobrir-se se dá, em algum lugar, fora de toda ação e qualquer atividade humana? De forma alguma! Mas também não acontece apenas no homem e nem decisivamente pelo homem.
Com-posição é a força de reunião daquele “pôr” que impõe ao homem descobrir o real, como dis-ponibilidade, segundo o modo da dis-posição. (GA7, p. 26)

A essência da técnica moderna põe o homem a caminho do desencobrimento que sempre conduz o real, de maneira mais ou menos perceptível, à dis-ponibilidade. (GA7, p. 27)

No desafio da dis-posição, a com-posição remete a um modo de desencobrimento. Como modo de desencobrimento, a com-posição é um envio do destino. Destino, neste sentido, é também a pro-dução da poiesis. (GA7, p. 27)

A essência da técnica repousa na com-posição. Sua regência é parte elo destino. Posto pelo destino num caminho de desencobrimento, o homem, sempre a caminho, caminha continuamente à beira de uma possibilidade: a possibilidade de seguir e favorecer apenas o que se desencobre na dis-posição e de tirar daí todos os seus parâmetros e todas as suas medidas. (GA7, p.28)

Se, porém, o destino impera segundo o modo da com-posição, ele se torna o maior perigo, o perigo que se anuncia em duas frentes. Quando o descoberto já não atinge o homem, como objeto, mas exclusivamente, como dis-ponibilidade, quando, no domínio do não-objeto, o homem se reduz apenas a dispor da dis-ponibilidade então é que chegou à última beira do precipício, lá onde ele mesmo só se toma por dis-ponibilidade. E é justamente este homem assim ameaçado que se alardeia na figura de senhor da terra. Cresce a aparência de que tudo que nos vem ao encontro só existe à medida que é um feito do homem. Esta aparência faz prosperar uma derradeira ilusão, segundo a qual, em toda parte, o homem só se encontra consigo mesmo. (GA7, p. 29)

A com-posição não põe, contudo, em perigo apenas o homem em sua relação consigo mesmo e com tudo que é e está sendo. Como destino, a com-posição remete ao desencobrimento do tipo da dis-posição. Onde esta domina, afasta-se qualquer outra possibilidade de desencobrimento. A com-posição encobre, sobretudo, o desencobrimento, que, no sentido da poiesis, deixa o real emergir para aparecer em seu ser. Ao invés, o pôr da ex-ploração impele à referência contrária com o que é e está sendo. Onde reina a com-posição, é o direcionamento e asseguramento da dis-ponibilidade que marcam todo o desencobrimento. Já não deixam surgir e aparecer o desencobrimento em sisi mesmo, traço essencial da dis-ponibilidade. (GA7, p. 30)

A com-posição depõe a fulguração e a regência da verdade. O destino enviado na dis-posição é, pois, o perigo extremo. A técnica não é perigosa. Não há uma demonia da técnica. O que há é o mistério de sua essência. Sendo um envio de desencobrimento, a essência da técnica é o perigo. (GA7, p. 30)

Ora, o termo, “com-posição”, não diz, aqui, um equipamento ou qualquer tipo de aparelho. Diz, ainda menos, o conceito genérico destas dis-ponibilidades. As máquinas e aparelhos são tampouco casos e espécies de com-posição, como o operador na mesa de controle ou o engenheiro no escritório de planejamento. Tudo isto, sendo peças, dis-ponibilidades e operadores de dis-positivos, pertence, cada qual à sua maneira, à com-posição, mas esta, a com-posição, nunca é a essência da técnica, entendida, como um gênero. A com-posição é um modo destinado de desencobrimento, a saber, o desencobrimento da ex-ploração e do desafio. (GA7, p. 32)

Como vigência da técnica, a com-posição é o que dura. Esta duração age no sentido de uma concessão? Já a pergunta parece uma evidente mancada. Pois a com-posição é, de fato, segundo tudo que ficou dito, um envio, que reúne e concentra no desencobrimento da ex-ploração. E ex-ploração é qualquer coisa menos conceder. É o que parece enquanto não levarmos em conta que mesmo o desafio da ex-ploração, que leva dis-por-se do real, como dis-ponibilidade continua sendo sempre um envio que põe o homem no caminho de um desencobrimento. (GA7, p. 34)

A com-posição é o perigo extremo porque justamente ela ameaça trancar o homem na dis-posição, como pretensamente o único modo de descobrimento. (GA7, p. 34)

O irresistível da dis-posição e a resistência do que salva passam, ao largo, um do outro como, no curso dos astros, a rota de duas estrelas. Mas este passar ao largo alberga o mistério da própria vizinhança de ambos. (GA7, p. 35)

A vigência da técnica ameaça o desencobrimento e o ameaça com a possibilidade de todo desencobrir desaparecer na dis-posição e tudo apresentar apenas no desencobrimento da dis-ponibilidade. (GA7, p. 36)