kinesis: moção, movimento, mudança
1. O movimento não representa problema para os filósofos milésios, é parte indiscutível do seu vitalismo (ver zoe) universal, e é neste espírito que tanto Anaximandro (Diels 12A11) como Anaxímenes (Diels 12A9, 13A6) postulam um movimento eterno. É também digno de nota que quando Xenófanes deseja temperar o antropomorfismo contemporâneo negue o seu Deus kinesis (Diels 21A25, 26). Kinesis está presente em toda a realidade, em Heráclito, ilustrada na famosa imagem do rio (ver Platão, Crát. 402a, rhoe, e episteme).
2. Subitamente tudo isto mudou com os ataques de Parmênides a todas as formas de mudança (ver genesis, on), e particularmente o movimento (ver frg. 8, verso 26), sem dúvida como resultado da sua negação do vazio (kenon) com base no não–ser, privando assim o corpo de um lugar para dentro do qual se mova (ver Platão, Teeteto 180e). Os quatro argumentos de Zenão no esforço de apoiar a posição de Parmênides e negar a possibilidade do movimento (Aristóteles, Physica VI, 239b; respondido, ibid. 263a-b) são, evidentemente, polêmicos e derivados ex hypothesi contra a relutância pitagórica em abandonar o vazio (ver tnegethos).
3. A genesis, pelo menos a nível secundário, resistiu ao ataque de Parmênides, e os sucessores deste tenderam a substituir um derivado da kinesis, v. g. mistura ou associação, pelo domínio previamente ocupado pela genesis propriamente dita. Mas aquilo que agora era notoriamente diferente era o fato de a kinesis já não ser natural ou inerente às coisas como com os Milésios, mas requerer um certo tipo de agente (kinoun) actuando exteriormente ao sistema. Uma força externa para explicar a kinesis aparece em Empédocles e é identificada como Amor e Ódio (frg. 17), e no noûs de Anaxágoras (frgs. 12-14); todas estas forças são, contudo, ainda materiais.
4. Neste ponto os únicos proponentes sérios de um movimento natural e inerente aos corpos são os Atomistas. Demócrito defendeu este movimento eterno para os atonia que se movem em todas as direções (Aristóteles, De coelo III, 300b; D. L. IX, 44), movimento a que chamou «vibração» (palmos; Aécio I, 23, 3) e que ocorre por necessidade (Aristóteles, Physica II, 196a; D. L. IX, 45). É das colisões resultantes que se formam (ver genesis) os agregados que, por sua vez, se movem para dentro de um vórtice ou turbilhão (dine), encontrando, gradualmente, os seus lugares no kosmos (Diels 67A14).
5. A explicação de Eipicuro é um tanto diferente. Para ele, os atoma têm, além de tamanho e forma, peso (baros) como uma das suas caráterísticas primordiais (D. L. X, 54). Por isso o seu eterno movimento descendente parecia derivar antes de uma propriedade inerente (D. L. X, 61; Lucrécio II, 83, 217). A sua colisão e consequente agregação em corpos é efetuada por um desvio (parenklisis) nos seus movimentos paralelos (Aécio I, 12, 5; Lucrécio II, 216-293; Cícero De fin. I, 6, 19; confrontar genesis).
6. No Soph. 248c-249a Platão afasta-se do seu ponto de vista parmenidiano. Onde anteriormente havia uma firme insistência na natureza imutável dos eide (ver Fédon 78d), agora também a kinesis tem o seu lugar no mundo da realidade. A alma, por exemplo, que é afim aos eide (Fédon 78b-79b), é automotora (e daí imortal) e fonte de movimento nos outros (Fedro 245c-246a; para a categoria platônica causai do «automotor», ver Leis X, 894c), incluindo os corpos celestes (ver ouranioi). De fato, no Soph. 254d Platão mantém que a kinesis é um dos eide mais importantes e parece ter para ele a mesma função que metabole para Aristóteles: um termo genérico para mudança que tem como suas espécies pelo menos a locomoção (phora) e a mudança qualitativa (alloiosis; ver Teeteto 181c) e que se expande, nas Leis X, 894b-c; até abarcar dez espécies distintas incluindo, ao contrário da metabole aristotélica, tanto a genesis como a phthora. Nenhuma destas é, evidentemente, o eidos da kinesis mencionado no Sofista, mas o décimo (realmente, como Platão sublinha, a arche de todos os outros) movimento automovido é a alma, a qual medeia entre os outros nove e o eidos (ver psyche).
7. Aristóteles ataca a posição platônica na Physica III, 200b onde declara que não há kinesis separada das coisas. Então apresenta a sua própria definição (ibid. III, 201a) da kinesis como «a atualização (entelecheia) de uma potencialidade (dynamis) qua potencialidade». Ocorre apenas como uma metabole, i. e., numa mudança na categoria da qualidade, quantidade ou lugar (ibid. v, 226a). A última kinesis, i. e., a locomoção (phora) é primordial (ibid. viu, 265b-266a), precedendo até a genesis.
8. Aristóteles segue Platão ao longo da estrada que conduz ao movimento inerente dos Milésios, descrevendo a physis como o princípio e a causa da kinesis (Physica II, 192b); evidentemente que isto não o liberta da necessidade da causa externa, automotora; ver kinoun. A kinesis é, juntamente com a nutrição, a sensação e o pensamento, uma das quatro funções principais da psyche (De anima 413a-b), e está integrada na operação do desejo (orexis) em conjunção com o que é percebido como um bem real ou aparente (ibid. III, 432a-433b).
Para a teoria aristotélica do «movimento natural», ver stoicheion, aither; para a aplicação da kinesis à percepção, aisthesis; sobre a possibilidade de actio in distans, sympatheia. [FEPeters]