Para Kant a ciência físico–matemática da Natureza se compõe de juízos; quer dizer, se compõe de teses, de afirmações, de proposições; nas quais, em resumo, de algo se diz algo; nas quais há um sujeito do qual se fala, do qual se fala algo e acerca do qual se emitem afirmações, se predicam afirmações ou negações; se diz: isto é isto, isso ou aquilo.
Estes juízos são o ponto de partida de todo o pensamento de Kant; sobre esses juízos vai assentar-se toda a sua teoria do conhecimento; e não esqueçamos nem um só instante, antes lembremos constantemente, que estes juízos não são vivências psicológicas. Não. Não são algo que acontece a nós, não são fatos da consciência subjetiva, mas antes enunciações objetivas acerca de algo, teses de caráter lógico que, por conseguinte, são verdade ou erro.
Toma, pois, Kant esses juízos, cuja textura ou contextura constitui a totalidade do saber cientificamente matemático, e os considera como enunciados lógicos, como teses objetivas, afirmações acerca de objetos, mas não de modo algum como vivências psicológicas, não como fatos psíquicos. E então verifica que estes juízos logicamente considerados, podem todos eles dividir-se em dois grandes grupos: os Juízos que ele chama analíticos e os juízos que ele chama sintéticos.
Chama Kant juízos analíticos àqueles juízos nos quais o predicado do juízo está contido no conceito do sujeito. Todo juízo consiste num sujeito lógico do qual se diz algo e um predicado que é aquilo que se diz desse sujeito, Todo juízo, pois, é redutível à fórmula “S é P”. Pois bem; se analisando mentalmente o conceito do sujeito, o conceito de “S”, e dividindo-o nos seus elementos conceptuais, encontramos, como um desses elementos, o conceito “P”, o conceito “predicado”, então a esta classe de juízos chama-os Kant juízos analíticos.
Exemplo de juízo analítico: o triângulo tem três ângulos. Por que é analítico? Porque se eu tomo mentalmente o conceito de triângulo e o analiso logicamente, verifico que dentro do conceito do sujeito está o de ter três ângulos; e então formulo o juízo: o triângulo tem três ângulos. Este juízo é um juízo analítico.
Ao outro grupo chama Kant juízo sintético. Que são juízos sintéticos? Juízos sintéticos são aqueles nos quais o conceito do predicado não está contido no conceito do sujeito; de sorte que por muito que analisemos o conceito do sujeito não encontraremos nunca dentro dele o conceito do predicado. Como, por exemplo, quando dizemos que o calor dilata os corpos. Por muito que analisemos o conceito de calor não encontraremos nele, incluído nele, dentro dele,
o conceito de dilatação dos corpos, como encontramos no conceito de triângulo o conceito de ter três ângulos. A estes, pois, chama juízos sintéticos. Porque o juízo consiste em unir sinteticamente elementos heterogêneos no sujeito e no predicado.
Fundamento dos juízos analíticos e sintéticos.
Pois bem: qual é o fundamento da legitimidade dos juízos analíticos? Ou dito de outro modo: por que os juízos” analíticos são verdadeiros? Qual é o fundamento de sua validez? O fundamento de sua legitimidade, de sua validez, estriba-se no princípio de identidade. Como o sujeito contém no seu seio o predicado, o juízo, que estabeleceu este predicado contido no sujeito, não fará mais que repetir no predicado aquilo que há no sujeito. É um juízo idêntico, é um juízo de identidade. Poderia chamar-se também uma tautologia (formada de duas palavras gregas: tauto, o mesmo, logia, dizer); tautologia é, pois, dizer o mesmo, repetir o mesmo. O juízo analítico está fundado no princípio de identidade e não é mais do que uma tautologia; repete no predicado aquilo que já está enunciado no sujeito.
Qual é o fundamento dos juízos sintéticos? Qual é o fundamento de legitimidade dos juízos sintéticos? ou dito de outro modo: por que são verdadeiros os juízos sintéticos? Pois o fundamento de legitimidade dos juízos sintéticos está na experiência. Se eu posso dizer com verdade que o calor dilata os corpos, como não pode ser que eu o diga baseando-me no conceito de calor, visto que a dilatação dos corpos não está contida no conceito de calor, não o digo por outra razão senão porque eu mesmo experimento, porque eu mesmo tenho a percepção sensível de que, quando esquento um corpo, este corpo torna-se mais volumoso. Então o fundamento da legitimidade dos juízos sintéticos está na experiência, na percepção sensível.
Muito bem. Mas, ademais, os juízos analíticos são verdadeiros, universais, necessários. São verdadeiros, visto que não dizem mais que o predicado daquilo que já há no sujeito; são tautologias. São universais, válidos em todo lugar, em todo tempo; válidos em qualquer lugar e em qualquer momento, porque não fazem mais que explicitar no predicado aquilo que há no sujeito, e esta explicitação é independente do tempo e do lugar. Mas, além de universais, são necessários. Não podem ser de outro modo. Não pode ser que o triângulo não tenha três ângulos. Visto que estes juízos tautológicos, derivados do princípio de identidade, não fazem mais que explicitar no predicado aquilo já contido no sujeito implicitamente, evidentemente o contrário destes juízos tem que ser necessariamente falso. Quer dizer, que estes juízos são necessários. São, pois, verdadeiros, necessários e universais. E como são verdadeiros, necessários e universais não têm sua origem na experiência, mas nessa análise mental do conceito do sujeito. São, pois, a priori (a priori significa “independente da experiência”, que não tem sua origem na experiência).
Olhemos agora os juízos sintéticos. Estes juízos sintéticos, quando são verdadeiros? São verdadeiros enquanto a experiência os avaliza. Ora bem: a experiência que é? É a percepção sensível. Esta percepção sensível se realiza num lugar: aqui; num tempo: agora. Por conseguinte, enquanto a experiência sensível se está verificando, ou seja, aqui e agora, esses juízos sintéticos são verdadeiros. Sua validez é, pois, uma validez limitada à experiência sensível. Porém, como a experiência sensível tem lugar aqui e agora, é abusivo dar a esses juízos sintéticos um valor que prescinda do “aqui” e do “agora”. São juízos que somente são verdadeiros aqui e agora. Mas desde o momento em que eu deixo de perceber simultaneamente a dilatação dos corpos e o calor, já não sei qual pode ser o fundamento que avalize este juízo sintético. São, pois, estes juízos sintéticos uns juízos particulares e contingentes. Particulares, porque sua verdade está restringida, constrangida ao “agora” e ao “aqui”. Contingentes, porque seu contrário não é impossível. Poderia mesmo acontecer que o calor, em vez de dilatar os corpos, os contraísse; não haveria mais que mudar os signos positivos e negativos nas dimensões em que entra o calor. São, pois, os juízos sintéticos particulares e contingentes, oriundos de experiência, ou, como diz também Kant, a posteriori. [Morente]