Husserl fala no imperativo de ir às coisas mesmas: zu den Sachen selbst. As coisas mesmas são as que se dão numa intuição doadora originária; essa visão imediata, originariamente doadora em todas as suas formas, é que é fonte última de direito para toda a afirmação racional.
Partir do que é dado tal como é dado ou, o que é o mesmo, ir às próprias coisas, pressupõe saber o que sejam essas coisas de onde tem que se partir. Afasta-se desse modo todo o real ausente. O plano de visada de significações também é afastado, pois se move numa esfera de abstração, possuindo, por isso, pressupostos. Por sua vez, o pensamento intuitivo, desde que esteja exclusivamente voltado para o objeto, não se liberta da abstração e da parcialidade da referência objetiva. O verdadeiro regresso às coisas implica o regresso aos atos onde a presença intuitiva da coisa se revela. Por outras palavras, implica o abandono de uma evidência direta, vivida ingenuamente, como é próprio no plano do mundo natural, do mundo do quotidiano, para alcançar uma evidência de ordem reflexa, que faz surgir uma nova dimensão da racionalidade, que reintegra as noções na perspectiva em que aparecem ao sujeito.
O sujeito encontra-se remetido para as coisas, o que chama Husserl movimento intencional. Pois bem, a fenomenologia, como ciência da fundamentação última, vai fazer aparecer uma ligação intencional, que a consideração do objeto como algo simplesmente dado, próprio do mundo quotidiano, fazia abstrair. A fenomenologia nunca é uma investigação de fatos internos ou externos; deixa calar provisoriamente a experiência, deixa de lado a questão da realidade objetiva ou de conteúdo real, para prestar simplesmente atenção à realidade na consciência, aos objetos como visados pela e na consciência, isto é, à coisa no sentido originário ou, para falar de outro modo, ao fenômeno.
O fenômeno não é simples aparência ilusória (Schein), nem para o compreender há que lançar mão do binário kantiano «fenômeno–coisa em si». O fenômeno é o que se manifesta imediatamente na consciência ou aquilo que se entrega, se abandona, o que se dá a si mesmo. Tornar inteligível este dado evidente é uma das tarefas primordiais da fenomenologia. A doutrina husserliana pretende, pois, levar-nos a tomar contato com os fenômenos, com as «coisas» enquanto imediatamente conscientes e conduzir-nos, portanto, à evidência primordial, como é de exigir numa ciência absolutamente fundamentadora. A fenomenologia é, a um tempo, método e atitude: a atitude especificamente filosófica e o método rigorosamente filosófico. [Morujão]