imaginação criadora

Primeiramente há uma imaginação ilusória, portadora dos erros e [75] das confusões, mas que tem o poder de ligar as representações. Se a imaginação liga, une o que está disperso, caótico, ela dá sentido a isso. E se ela cria significações, não pode ser unicamente negativa. Essa função unificadora e coesiva da imaginação não é o próprio poder da ideia? Não é a razão, criadora da ordem e das totalidades, que transgride o dado sensível e os limites do entendimento, que tem essa potência de engendrar para o sujeito seu mundo? A imaginação não seria o outro nome da razão? Mas, então, é completamente outra a imaginação de que se trata. Não uma faculdade subjetiva, mas uma criação objetiva. A imaginação é delírio totalizador? Sim, se a considerarmos sempre do lado do sujeito, como se a realidade se desenrolasse fora do eu, do lado do “nãoeu”; como se a cissura acrítica entre o eu e o mundo tivesse ainda um sentido. Mas se a Crítica de Kant é levada ao seu limite, como não decifrar o sentido transcendental da potência criadora da imaginação? Como não ver que o sujeito que imagina e o mundo imaginado não são senão um, nada é senão o movimento de criação e de reflexão na imaginação? Todo existente é, então, indissoluvelmente imaginante e imaginado, e passa a ser necessária, na cúpula das hierarquias do ser, a fonte da imaginação que não é mais o sujeito da psicologia clássica, mas o Um — e, finalmente, Deus. Com Schelling o movimento de inversão completa-se: “Tão longe estejam as coisas saídas da auto-afirmação divina e sejam e vivam doravante verdadeiramente como coisas enquanto coisas, elas consideradas segundo a verdade, isto é, segundo suas essências, nada são senão irradiações, ou para utilizar uma imagem de Leibniz, fulgurações da afirmação infinita que, ainda que apenas possam ser nela e com ela, ainda sim são nelas próprias” [Friedrich Schelling, Aforismos para introduzir a filosofia da natureza (1805). Obras metafísicas [edição francesa], trad. J. F. Courtine e E. Martineau, Paris, 1980, p. 42. Essas “irradiações” da existência levam os tradutores a imaginar na passagem seguinte da Monadologia de Leibniz: “Assim, unicamente Deus é a unidade primitiva ou a substância simples originária de que todas as mônadas criadas ou derivadas são produções e nascem, por assim dizer, por fulgurações contínuas da Divindade, momento a momento, limitadas pela receptividade da criatura, que é essencial que seja limitada” (§ 47). Nós podemos completar com: essas “ful-gurações” estão no coração do mundo das Inteligências, segundo Sohravardi, e elas tomam em Mollâ Sadrâ uma importância decisiva. Com efeito, se o ato de ser, o existir de cada essência, é o existente concreto, se o ato de ser comporta graus de intensidade variável, se se visa à intensificação do ato do ser da substância (al-wojud al-jawhari), então todo existente é, ipso facto, uma fulguração mais ou menos intensa, uma monas imaginalis. Cf. Henry Corbin, No Islã…, t. IV, p. 101.]. [JambetLO:75-76]