IDEOGRAFIA — IDEOGRAFIA CHINESA
VIDE: ESCRITA CHINESA
Tao
Henry Normand: Mestres do Tao
A escrita emblemática chinesa obedece sobretudo a uma preocupação com a eficácia, não estando voltada primordialmente para as necessidades de ordem intelectual. Fato extraordinário, essa escrita pode ser utilizada por populações que falem idiomas diferentes, já que o sinal figurativo não está ligado ao som segundo o modelo de vogais e consoantes e, sim, a uma palavra portadora da ideia a ser expressa. Independentemente de sua pronúncia, o caráter chinês toma-se um veículo civilizador, pois permite que a comunicação se processe além da fala. É evidente que, quanto maior a quantidade de noções a serem expressas, maior a quantidade de sinais, o que implica todo um sistema de classificação, que foi determinado na época Ts’in (por volta de 221-210 a.C.). O emprego de “chaves” permite que se agrupem as rubricas dominantes e, por volta do ano 100 d.C., uma compilação lexicográfica, o Chouo wen, apresenta quinhentos e quarenta sinais básicos, que facilitariam a classificação de cerca de dez mil caracteres.
É indireto o efeito de uma tal representação da Natureza que não se encontra ligada ao som. Trata-se de um espelho reverberante, no qual a noção espacial é fundamental. A título de comparação, o sânscrito, baseado no verbo, apresenta uma predominância temporal, vibratória. O hebraico, baseado no número, enfatiza fortemente a abstração intelectual. Essas tendências inerentes a cada língua sagrada não excluem a indissociabilidade das três noções: imagem, som e intelecto. Mas a preponderância de uma dessas noções sobre as outras desempenha um papel na balança de causas e efeitos. Da mesma forma, é possível considerar como parcialmente verdadeiras essas suposições inteiramente relativas: no plano humano, supõe-se que o chinês seja refinado e cruel; o indiano, franco e brutal; o hebreu, sombrio e perseguido.
A tradição ensina que a escrita foi inventada por um ministro do primeiro Soberano, Houang-ti; ela lhe foi relevada no curso de uma meditação acerca dos traços deixados no solo pelos pés dos pássaros (o pássaro indica a relação com a transmissão verbal ou vibratória, aérea).
Houang-ti, com o objetivo de esclarecer o povo a respeito dos recursos utilizáveis, esforça-se por designar corretamente cada coisa. Dessa forma, estabelece a ordem, já que o poder das palavras reside na ação. É tocando flauta que ele dá nomes às diferentes famílias e valoriza a sua virtude. Esse “trabalho” efetuado por Houang-ti evidencia o tema (mais tarde retomado pelos mestres do Tao) do nome temporal e auditivo, bem como da forma espacial e visual. Esse tema — que não é especificamente chinês — tem como propriedade essencial implicar uma transcendência da tangibilidade verbal que preconiza o não-ser e o não-agir como suportes da ação. A preponderância visual da escrita chinesa permite que se inscrevam os contrários em um mesmo ideograma e, dessa forma, que se enfatize a relação de uma palavra com o seu oposto, conferindo-lhe assim os limites de sua relatividade. Por exemplo, no pictograma negro está inscrito o branco e, no branco, é evocado o negro.
A apresentação dos opostos, ao designar simultaneamente a ideia predominante e os limites de sua aplicação, favorece antes o utilitarismo que o intelectualismo. Sendo inseparável de seu contexto, o ideograma amplia o pensamento indireto. A abstração isolada não pode ser expressa. Nesse sentido, a morte é sempre relativa, não sendo nunca designada como tal. Os elementos puramente metafísicos foram, por conseguinte, transformados de tal forma que pudessem entrar no quadro de uma aplicação física, tangível e concebível através de uma relação comparativa. Esse fato dificulta consideravelmente a tradução dos textos chineses para as línguas ocidentais. E tal dificuldade é ainda intensificada pela ambiguidade de certos ideogramas, que podem ter vários significados. Assim sendo, por falta de precisão, é impossível pretender chegar a uma adaptação perfeita de um texto tradicional ou poético. Se o sentido geral pode ser respeitado, a exatidão de uma palavra pode eventualmente faltar, abrindo espaço para a interpretação…