tat tvam asi

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A ciência de um Ser eterno nas profundezas do ser pessoal individualizado, em vez de um ego pessoal idêntico ou pelo menos semelhante à Base Divina. Fundado na experiência direta dos que preencheram as condições necessárias a tal conhecimento, é este ensinamento expresso, sucintamente, na fórmula sânscrita “tat tvam asi” [Tu és Aquilo]; o Atman, o Ser Eterno, imanente, uno com Brahman, o Princípio Absoluto de toda existência; e a finalidade de todo ser humano é descobrir o fato por si mesmo, para encontrar Aquilo que realmente é.

Só o transcendente, o completamente outro, pode ser imanente sem ser modificado e transformado naquilo em que vive. A Filosofia Perene ensina que é desejável, e na verdade necessário, conhecer a Base Espiritual das coisas, não apenas dentro da alma, mas também fora do mundo e, além do mundo e da alma, na sua transcendente autoridade — “no Céu”.

Deus interno e Deus externo — estas são duas noções abstratas, que podem ser captadas pela compreensão e exprimidas em palavras. Mas os fatos a que essas noções se referem não podem ser realizados ou experimentados, exceto na “parte mais profunda e central da alma”. E isto é verdade tanto com o Deus externo como o interno. Mas, embora as duas noções abstratas tenham de ser compreendidas [para usar uma metáfora espacial] no mesmo lugar, a natureza intrínseca da realização do Deus interno é qualitativamente diferente da realização do Deus externo, e cada uma, por sua vez, é diferente da realização da Base como estando simultaneamente dentro e fora — como o Ser, o percebedor e, ao mesmo tempo [nas palavras do Bhagavad Gita], como “Aquilo pelo qual o mundo todo é impregnado”.

O homem que deseja conhecer “Aquilo” que é o “tu” tem de trabalhar numa das três formas seguintes: pode principiar olhando internamente para o seu tu individual e, por um processo de “morrer para o ser” — o ser do raciocínio, o ser da vontade, o ser das sensações — chegar, por fim, ao conhecimento do Ser, do Reino de Deus que está dentro de nós. Ou pode principiar com os tus existentes fora de si mesmo, e tentar realizar sua unidade essencial com Deus e, através de Deus, com cada um e com o seu próprio ser. Ou, finalmente [e esta é, sem dúvida, a melhor maneira], pode buscar a aproximação do supremo Aquilo, simultaneamente, por dentro e por fora; deste modo ele chega a realizar Deus experimentalmente como princípio do seu próprio tu e de todos os outros tus, animados ou inanimados. O ser humano completamente iluminado sabe, com a Lei, que Deus “está presente na parte mais profunda e central da sua própria alma”; mas ele é também, ao mesmo tempo, um daqueles, que nas palavras de Plotino, “vê todas as coisas, não no processo de vir-a-ser, mas no Ser, e vê a si mesmo no outro. Cada ser contém em si mesmo todo o mundo inteligível. Portanto, o Todo está em todas as partes. Cada um está lá no Todo, e o Todo, em cada um. O homem, como é agora, cessou de ser o Todo. Mas quando ele cessa de ser um indivíduo, levanta-se a si mesmo novamente e penetra todo o mundo”.

Dessa um tanto obscura intuição da unidade, que é a base e o princípio de toda multiplicidade, é que tem origem a filosofia. Não somente a filosofia, mas também a ciência natural. Toda ciência, na frase de Meyerson, é a redução de multiplicidades em identidades. Ao divisar o Um interno e além do múltiplo, encontramos uma intrínseca plausibilidade de qualquer explanação da diversidade em termos de um só princípio.

original

Aldous Huxley, Filosofia Perene