Huxley

Na Inglaterra os opositores do darwinismo tiveram que se defrontar com “o mastim de Darwin” e “secretário geral da teoria evolucionista”, isto é, com Thomas H. Huxley (1825-1895). Escrevia Huxley em O lugar do homem na natureza (1863): “Variabilidade, luta pela existência e adaptação às condições eram fatos suficientemente conhecidos, mas nenhum de nós suspeitava que neles estava o caminho que levava ao centro da questão da espécie, até que Darwin e Wallace perscrutaram as sombras e o farol de A origem das espécies passou a guiar quem tateava no escuro”.

Para Huxley, “a luta pela existência vale para o mundo do pensamento tanto quanto para o mundo físico. Uma teoria é uma ‘espécie’ de pensamento e tem direito à existência enquanto consegue resistir à extinção por parte de suas espécies rivais”. Pois bem, para ele, o darwinismo era precisamente um pensamento que, até onde se podia saber, vencera a luta pela existência, pelo menos no momento.

Com base nessa convicção, Huxley manteve muitas controvérsias, a mais célebre das quais foi aquela que, em 1860, o viu oposto ao Bispo de Oxford, Samuel Wilberforce. Com sorridente sarcasmo, em determinado ponto de sua conferência, Wilberforce dirigiu-se a Huxley com as seguintes palavras: “Posso perguntar se é de parte de avô ou de avó que o senhor reclama os seus direitos de descendência de macaco?” Depois que o bispo acabou de falar, Huxley fez um breve e documentado discurso científico e, dirigindo-se a ele, acabou dizendo que teria preferido ter por antepassado um macaco ao invés de homem de intelecto versátil e nunca ocioso, mas que, no entanto, usa os seus talentos para obscurecer a verdade e ridicularizar uma questão científica séria.

Homem fortemente polêmico, Huxley sabia aceitar e apreciar os adversários leais e preparados, como foi o caso dos professores do maior seminário católico inglês, que o convidaram “a falar abertamente aos seus alunos”. Houve então um debate entre aqueles “doutos, zelosos e firmes” professores e o próprio Huxley, que ele recorda em um ensaio sobre a Educação científica, de 1869: “Discutimos como enviados de exércitos adversários durante um armistício, isto é, amigavelmente como inimigos. E quando eu expus as dificuldades que seus estudantes iriam ter que enfrentar por parte do pensamento científico, eles replicaram: ‘Nossa Igreja vive há muitíssimo tempo e já atravessou imune por muitos furacões. Esta dos nossos dias é somente uma onda de velha tempestade. E nós não queremos formar os nossos jovens de modo que sejam capazes de resistir a essa onda menos do que, em outros tempos, os outros estiveram em condições de enfrentar as dificuldades daqueles tempos. As heresias atuais lhes são explicadas pelos seus professores de filosofia e de ciência e lhes é ensinado como tratá-las’”.

Diante dessa realidade, Huxley, comparando o clero católico inglês com os “acomodados exemplares” do anglicanismo e dos protestantes, dizia que entre estes e os católicos há a mesma diferença que existe entre um bando improvisado de voluntários e os adestrados veteranos da Velha Guarda de Napoleão. Concluía ele: “Eu respeito uma organização que faz frente aos seus inimigos desse modo e desejo que todas as organizações eclesiásticas estivessem em tal condição de eficiência. Isso seria bom não somente para eles, mas também para nós”. E isso porque Huxley pensava que “o espírito da ciência é essencialmente crítico” e que “o destino habitual das novas verdades é o de começar como heresias e acabar com superstições”.

Homem de grande cultura e espírito brilhante, Huxley nos deixou escritos ainda hoje instrutivos, claros e plenos de inteligência. Eis como, em uma conferência, ele procurou explicar a ideia de “seleção natural” entendida como luta pela existência: “Recordo-me de ter lido uma descrição da famosa retirada das tropas napoleônicas de Moscou. Cansadas, esgotadas, extenuadas, as tropas por fim se encontraram diante de um grande rio, sobre o qual restava apenas uma ponte para a passagem daquele grande exército desorganizado e desmoralizado. Nessas condições, deve ter sido terrível a luta, cada qual cuidando de si mesmo, apertando-se nas longas filas e passando por cima dos corpos dos companheiros. O autor dessa descrição, que foi um dos poucos afortunados que conseguiram passar, diante dos milhares que foram deixados do outro lado do rio ou que foram jogados na correnteza, atribuiu a sua salvação ao fato de ter visto um imenso homem, um couraceiro com um grande capote azul, que abria caminho entre a massa, tendo ele então a presença de espírito de agarrar-se ao seu capote, sem largá-lo mais”.

E continua Huxley: “Eis o que escreve ele: ‘Grudei-me ao seu capote, malgrado as suas injúrias, os empurrões e os pontapés. Depois, quando viu que não conseguia me desgrudar, suplicou-me que o deixasse ir, pois caso contrário não conseguiria não só me salvar, mas nem mesmo salvar-se. Mas eu permanecei agarrado nele e não larguei a minha presa enquanto, por fim, ele não me tirou fora da multidão’. Como podeis ver, é um caso, se assim podemos chamá-lo, de salvação seletiva, cujo êxito dependeu da natureza robusta do tecido do capote de couraceiro. E o mesmo ocorre na natureza: toda espécie tem a sua ponte de Beresina. Nesse momento, ela deve combater para abrir caminho, lutando contra as outras espécies. E, quando está perto de ser vencida, pode ocorrer que uma probabilidade mínima — talvez, por exemplo, uma diferença de cor, em suma, a diferença mais ínfima — faça pender a balança para um ou outro sentido (…).”

E encerrava ele: “Para vos mostrar como os agentes seletivos naturais podem agir de modo indireto, concluirei esta lição pondo em evidência um caso, entre os mais curiosos do gênero, descrito por Darwin: é o caso do zangão. Nota-se que os zangões são muito mais frequentes na periferia das cidades do que no campo aberto. E a explicação é a seguinte: o zangão constrói os seus ninhos, nos quais guarda o seu mel e deposita os ovos dos quais se desenvolverão as larvas: os ratos do campo são gulosíssimos pelo mel e pelas larvas; assim, no campo aberto, onde há muitos ratos do campo, os zangões ficam para trás; mas, na periferia das cidades, muitos gatos caçam os ratos; e, naturalmente, quanto mais gatos existem comendo ratos, menos ratos existem para atacar os ninhos dos zangões. Os gatos, portanto, são ‘auxiliares indiretos’ dos zangões. Dando outro passo atrás, podemos dizer que as velhas solteironas são amigas indiretas dos zangões e inimigas indiretas dos ratos do campo, pois mantêm os gatos que comem os ratos. E um exemplo que talvez tire um pouco da seriedade do nosso assunto, mas que me escapou. E, com isso, encerro a lição”. [Reale]