O século XVTII foi o século dos grandes historiadores alemães da política, da arte, da filologia e da filosofia: basta recordar os nomes de Leopold Ranke (1795-1886), autor de uma História dos papas nos séculos XVI e XVII e de uma História da Alemanha nos tempos da Reforma; de Berthold Niebuhr (1776-1831), que escreveu uma História romana; de Theodor Mommsen(1817-1903), autor de monumental História romana; de Jakob Burckardt (1818-1897), de quem é justamente famosa a obra A civilização do Renascimento na Itália; de Karl Julius Beloch (1854-1929), que escreveu importante História grega; de Gustav Droysen (1808-1884), autor de uma História do helenismo; de Eduard Zeller (1814-1908), cuja A filosofia dos gregos em seu desenvolvimento histórico continua fundamental.
A história da política e da economia, da religião e da arte, da filosofia e da filologia encontra no século XVTII alemão o seu século de ouro, que foi chamado de “o século da história”. Erwin Rohde (1845-1898) e Ulrich Wümowitz-Mõllendorff (1848-1931), dois grandes filólogos, foram protagonistas de um debate sobre as teorias que Nietzsche havia proposto a propósito do mundo grego. E não devemos esquecer que é nesse período que se realiza o paciente trabalho de coleta sistemática e recuperação dos textos literários e papíricos relativos aos epicuristas (Hermann Usener), aos estoicos (Hans von Arnim) e aos pré-socráticos (Hermann Diels).
O século XVIII também assistiu a portentoso desenvolvimento da linguística histórica e da linguística comparada (falamos de Franz e Jacob Grimm). Ademais, foi intenso o interesse pela história do direito na “escola histórica” de F. C. von Savigny (1779-1861), que quis mostrar como as instituições jurídicas não são fixadas pela eternidade, mas sim produtos da consciência de momento preciso. Nesse interesse pela história certamente se encontra a influência do romantismo, do seu sentido da tradição, do seu culto pela consciência coletiva dos povos, da sua tentativa de reviver o passado em sua própria posição histórica. E, por outro lado, justamente com a abstração de sua filosofia da história, Hegel ensinara a ver a história não como um amontoado de fatos separados uns dos outros, e sim como uma totalidade em desenvolvimento dialético.
Com base nesses elementos, não é difícil compreender a gênese e o desenvolvimento do movimento filosófico conhecido com o nome de historicismo e cujos representantes mais conhecidos, além de Max Weber (do qual falaremos à parte, dada a relevância, a complexidade e a válida e grande influência de sua obra), são Wilhelm Dilthey (1833-1911), Georg Simmel (1858-1918). Oswald Splenger (1880-1936), Ernst Troeltsch (1865-1923) e Friedrich Meinecke (1862-1954). A esses, costuma-se acrescentar os nomes de Wilhelm Windelband (1848-1915) e de Heinrich Rickert (1863-1936), que estão ligados mais propriamente à “filosofia dos valores” dentro do neocriticismo, mas dos quais não se pode deixar de falar em uma exposição sobre o historicismo, por razões que explicitaremos.
O historicismo surge nos últimos dois decênios do século passado e se desenvolve até a vigília da Segunda Guerra Mundial. Como escreve Pedro Rossi, a primeira expressão do movimento historicista alemão foi a Introdução às ciências do espírito, de Dilthey (1883), e sua última grande manifestação — um re-exame retrospectivo das origens do historicismo, além de testemunho de sua crise final — o constitui a obra Origens do historicismo (1936), de Meinecke.
Assim, o arco do desenvolvimento temporal do historicismo abrange acontecimentos como a Primeira Guerra Mundial, a ruína do poder germânico, a Revolução Russa de 1917, a difusão do marxismo, a República de Weimar, o nascimento do fascismo e do nazismo e os preparativos para o segundo grande conflito internacional. E é certo que esses acontecimentos não foram indiferentes para os filósofos do historicismo.
O historicismo alemão não é uma filosofia compacta. Entretanto, entre as suas várias expressões, é possível detectar certo “ar de família”, identificável nos seguintes pontos:
1) Como diz Meinecke, “o primeiro princípio do historicismo consiste em substituir a consideração generalizante e abstrativa das forças histórico-humanas pela consideração do seu caráter individual”.
2) Para o historicismo, a história não é a realização de um princípio espiritual infinito (Hegel) ou, como queriam os românticos, uma série de manifestações individuais da ação do “Espírito do mundo” que se encarna em cada “Espírito dos povos”. Para os historicistas alemães contemporâneos, a história é obra dos homens, ou seja, de suas relações recíprocas, condicionadas pela sua pertença a um processo temporal.
3) Do positivismo, os historicistas rejeitam a filosofia comtiana da história e a pretensão de reduzir as ciências históricas ao modelo das ciências naturais, não obstante os historicistas concordem com os positivistas na exigência de pesquisa concreta dos fatos empíricos.
4) Com o neocriticismo, os historicistas vêem a função da filosofia como função crítica, voltada para a determinação das condições de possibilidade, isto é, o fundamento, do conhecimento e das atividades humanas. O historicismo estende o âmbito da crítica kantiana a todo aquele conjunto de ciências que Kant não considera, ou seja, as ciências histórico-sociais. E por isso que uma exposição sobre o historicismo não pode excluir Windelband e Rickert, ou seja, os neocriticistas, que se haviam proposto nos mesmos termos o problema das ciências histórico-sociais.
5) É fundamental para o historicismo a distinção entre história e natureza, como também o é o pressuposto de que os objetos do conhecimento histórico são específicos, no sentido de serem diferentes dos objetos do conhecimento natural.
6) O problema cardeal em torno do qual gira o pensamento historicista alemão é o de encontrar as razões da distinção das ciências histórico-sociais em relação às ciências naturais e investigar os motivos que fundamentam as ciências histórico-sociais como conjuntos de conhecimentos válidos, isto é, objetivos.
7) O objeto do conhecimento histórico é visto pelos historicistas como estando na individualidade dos produtos da cultura humana (mitos, leis, costumes, valores, obras de arte, filosofias etc), individualidade oposta ao caráter uniforme e repetível dos objetos das ciências naturais.
8) Se o instrumento do conhecimento natural é a explicação causal (o Erklären), o instrumento do conhecimento histórico, segundo os historicistas, é o compreender (o Verstehen).
9) As ações humanas são ações que tendem a fins e os acontecimentos humanos são sempre vistos e julgados na perspectiva de valores precisos. Por isso, mais ou menos elaborada, sempre há uma teoria dos valores no pensamento dos historicistas.
10) Por fim deve-se recordar que, se o problema cardeal dos historicistas é problema de natureza kantiana, no entanto, para os historicistas, o sujeito do conhecimento não é o sujeito transcendental, com suas funções a priori, e sim homens concretos, históricos, com poderes cognoscitivos condicionados pelo horizonte e pelo contexto histórico em que vivem e atuam. [Reale]