O método experimental apoia-se sucessivamente sobre o sentimento, a razão e a experiência.
O sentimento engendra a ideia ou a hipótese experimental, quer dizer, a interpretação antecipada dos fenômenos da natureza. Toda a iniciativa experimental reside na ideia, porque é ela que provoca a experiência. A razão ou o raciocínio apenas servem para deduzir as consequências de tal ideia e submetê-las à experiência.
Uma ideia antecipada ou uma hipótese é, portanto, o ponto de partida necessário a todo o raciocínio experimental. Sem isso não poderíamos realizar nenhuma investigação nem instruir-nos; apenas nos poderíamos limitar a acumular observações estéreis. Se experimentássemos sem uma ideia preconcebida, caminharíamos à aventura; mas, por outro lado, tal como já dissemos algures, se observássemos com ideias preconcebidas, realizaríamos observações deficientes e estaríamos expostos a confundir as concepções do espírito com a realidade. […]
Todo o conhecimento humano se limita a passar dos efeitos observados à sua causa. Após uma observação, apresenta-se ao espírito uma ideia relativa à causa do fenômeno observado; depois introduz-se esta ideia antecipada em um raciocínio, em virtude do qual se realizam experiências para a controlar.
As ideias experimentais, como veremos mais tarde, podem surgir ou a propósito de um fato observado por acaso, ou após uma tentativa experimental, ou ainda como corolários de uma teoria admitida. O que, por agora, convém notar é que a ideia experimental não é nem arbitrária nem puramente imaginária; deve possuir um ponto de apoio na realidade observada, quer dizer, na natureza. A hipótese experimental, afinal, deve sempre fundamentar-se em uma observação anterior. Uma outra condição essencial da hipótese é que seja tão provável quanto possível e que seja verificável experimentalmente. Com efeito, se construíssemos uma hipótese que a experiência não pudesse verificar, sairíamos do método experimental, para cairmos nos defeitos dos escolásticos e dos sistemáticos.
Não há regras a propor para fazer nascer no cérebro, a propósito de uma dada observação, uma ideia justa e fecunda que seja, para o experimentador, uma espécie de antecipação intuitiva do espírito em relação a uma pesquisa feliz. Uma vez emitida a ideia, pode-se, simplesmente, dizer como é preciso submetê-la a preceitos definidos e a regras precisas de que nenhum experimentador se deve afastar; mas a sua aparição foi perfeitamente espontânea e a sua natureza completamente individual. É um sentimento particular, um quid proprium que constitui a originalidade, a invenção ou o gênio de cada um. Uma ideia nova aparece como uma nova ou inesperada relação entre as coisas, concebida pelo espírito. […]
A ideia experimental resulta de uma espécie de pressentimento do espírito que julga que as coisas se devem passar de uma certa maneira. Pode dizer-se, em relação a isso, que possuímos no espírito a intuição ou o sentimento das leis da natureza, mas não lhes conhecemos a forma. Só a experiência no-la pode ensinar. [Claude Bernard, Introdução à Medicina Experimental, trad. de Maria José Marinho, pp. 59-60 e 62.]