(in. Future; fr. Avenir, al. Zukunft; it. Aveniré).
Da dimensão temporal chamada futuro ocupamo-nos noutro lugar (ver tempo). Aqui examinaremos a questão posta pela análise de certos enunciados sobre acontecimentos futuros ou supostamente futuros. A expressão futuros, empregada com frequência, designa, por vezes, os acontecimentos que se supõem terão lugar ou poderiam ter lugar e, outras vezes, os enunciados sobre tais acontecimentos. Para se ver com precisão que se entende por futuríveis é mister referir- se, embora brevemente, à distinção entre futuro e necessário e futuro e contingente. Os futuros (ou acontecimentos futuros) necessários são os que se supõe que possuem uma qualidade determinada antes de terem lugar. Os futuros contingentes, livres ou contingentes livres (que chamaremos futuros contingentes) são os que se supõe que não possuem realidade determinada antes de terem lugar. Os futuros necessários são os futuros a que se referem todas as formas de determinismo. Segundo elas, todos os acontecimentos futuros são necessários porquanto se encontram “contidos” de antemão numa causa, numa série de causas, numa vontade, etc.
Deve-se a Aristóteles a primeira análise pormenorizada do problema dos futuros contingentes – o problema da estrutura e valor de verdade dos enunciados sobre futuros contingentes e o problema que consiste em saber se pode haver futuros contingentes. Aristóteles afirma que todas as proposições (ou enunciados) são verdadeiras ou falsas com excepção das proposições que afirmam que algo se passará ou não passará no futuro, quer dizer, que se referem a um “futuro contingente”. Estas proposições não são verdadeiras (porque não aconteceu aquilo de que se trata),mas tão pouco são falsas (porque não afirmam que algo não é, ou não negam que algo é). Todavia, a disjunção de uma de tais proposições com a negação dela é necessariamente verdadeira. Aristóteles dá um exemplo que chegou a ser clássico:
“necessariamente haverá amanhã uma batalha naval ou não haverá, mas não é necessário que haja amanhã uma batalha naval e tão pouco é necessário que não haja amanhã uma batalha naval). Mas que haja ou não haja, amanhã uma batalha naval, isso é necessário” (SOBRE A INTERPRETAÇÃO). Neste problema encontram-se implicadas as questões da natureza do necessário e do contingente, e da natureza das proposições modais, que se formulam assim: “é necessário que p”, “não é necessário que p”, “é possível que p”, “é possível que não p”, “é contingente que p”, etc..
Muitos filósofos medievais ocuparam-se do problema do ponto de vista lógico, ou do ponto de vista teológico ou de ambos simultaneamente. Amiúde calcularam que algo necessário é algo para sempre verdadeiro; se não é necessário não é verdadeiro para sempre. Uma proposição sobre o passado ou sobre o presente é definitivamente falsa ou verdadeira. Uma proposição sobre o futuro contingente não pode ser definitivamente verdadeira ou falsa, mas pode ser verdadeira se o que diz do futuro vier a dar-se e falsa se não vier a dar-se. Até aqui parece que se trata unicamente de uma questão de lógica e especificamente de lógica modal. Mas depressa se ligaram a estes debates os problemas teológicos, em especial estes dois: o problema do conhecimento dos futuros por Deus e o da predeterminação ou não predeterminação dos homens (à salvação eterna ou à condenação eterna).
São Tomás põe em relevo que Deus tem um conhecimento dos acontecimentos futuros diferente do que as criaturas poderiam ter (no caso de o possuírem). Com efeito, Deus não conhece propriamente o futuro, visto que conhece um presente. O futuro só é futuro para nós. Pensar o contrário é negar que Deus seja eterno e, como se sabe, o eterno transcende todo o temporal (Suma Teológica). Segundo S. Tomás, a proposição que afirma que o conhecimento que Deus tem dum determinado futuro contingente é uma proposição absolutamente necessária. Além disso sustenta que dada a proposição “se Deus conhece algo, este algo será”, o consequente é tão necessário como o antecedente. Em contrapartida, Duns Escoto sustentava que o futuro (tal como o passado) é também futuro (ou passado) do ponto de vista da eternidade divina, visto que de outro modo não haveria distinção possível entre passado e futuro. Duns Escoto sustentava, além disso, que as proposições em que se introduzem expressões modais tais como “é contingente”, “não é necessário”, “é possível que”, “é possível que não”, “não é possível que não”e que se referem ao conhecimento de um futuro por Deus, são proposições contingentes; assim por exemplo a proposição “é contingente que Deus conheça que a será” é contingente. Do ponto de vista teológico, Ocam sustenta que Deus conhece todos os contingentes; mais exatamente, conhece que parte de uma contradição relativa a toda a proposição sobre futuros contingentes é verdadeira e que parte é falsa. Ora bem, Deus conhece a parte verdadeira porque a quer como verdadeira, e a parte falsa porque a quer como falsa, quer dizer, não a quer como verdadeira. Isto não significa que o conhecimento em questão dependa da arbitrariedade de Deus, mas sim da causalidade divina. A vontade de Deus é causa da verdade, mas não do conhecimento que Deus tem desse fato contingente.
Durante os séculos dezasseis e dezassete o problema de saber que conhecimento Deus possui dos futuros contingentes adquiriu singular intensidade. Entre as escolas que se enfrentaram distinguiram-se duas: a tomista e a molinista. Durante muito tempo se distinguiram entre dois modos da ciência divina: a ciência de simples inteligência e a ciência de visão. A ciência de simples inteligência ou ciência dos possíveis é aquela pela qual Deus conhece os seres e os atos possíveis como possíveis; o objeto deste conhecimento são as essências, as proposições necessárias, as verdades eternas. A ciência de visão é aquela pela qual Deus conhece os seres e os atos atuais como atuais. O objeto deste conhecimento são os existentes como tais. Os tomistas consideravam que a citada divisão era adequada e negavam o conhecimento dos futuros contingentes ou futuríveis a menos que se desse dentro dos decretos logicamente possíveis, em cujo caso não saem do estado de possibilidade. Assim, afirmavam que a eternidade de Deus faz que se deem num só ato de conhecimento os futuríveis em si mesmos e não apenas em suas causas. Os molinistas estimavam que a mencionada divisão era insuficiente e inadequada e introduziam uma terceira ciência divina: a chamada “ciência média” ou ciência dos futuríveis.
Segundo ela, Deus conhece os futuríveis em si mesmo, antes de qualquer decreto determinante ou absoluto, embora não antes de qualquer decreto logicamente possível, pois em tal caso situar-se-iam os futuríveis fora do marco da possibilidade. Em suma, Deus conhece os futuríveis desde a eternidade, isto em dois modos: ou por compreensão absoluta de todas as circunstâncias que poderiam influir na liberdade das causas segundas, ou na sua verdade objetiva eternamente presente. O primeiro modo é caraterístico de Molina; o segundo de Suárez. A questão perdeu vigência na época moderna, apesar de alguns pensadores como Leibniz e Malebranche a terem examinado em pormenor, mas foi inesperadamente renovada nos nossos dias em ligação como alguns problemas lógicos, semânticos e epistemológicos. Destes últimos destacamos a predição em filosofia da ciência; com efeito, uns negam que tenha sentido falar de predição dizendo que “chegam a ser verdadeiras”, porquanto não é possível determinar “quando a proposição chega a ser verdadeira”. Outros manifestam que uma predição chega a ser verdadeira simplesmente quando o acontecimento predito se verifica, pois de contrário careceria de sentido usar vocábulos como ocorrer, ter lugar, etc. [Ferrater]