Embora a afirmação de a língua ser forma e não substância remonte a Wilhelm von Humboldt, que opunha Form a Stoff, é a Saussure que cabe a plena delimitação da ideia. No Cours se encontra afirmado que “a língua é uma forma e não uma substância”. Isto significa dizer que “a noção de entidade linguística não (é) positiva, mas puramente diferencial e negativa”. Noutros termos, o fundamento da linguística se encontra nas funções e relações que as unidades linguísticas estabelecem entre si, tanto no eixo das possibilidades de combinação , quanto no das possibilidades de seleção, e não na matéria de que tais unidades são formadas ou no significado que conduzam. Mas a determinação saussuriana do caráter formal da língua constitui apenas o início de desenvolvimento da ideia na linguística contemporânea. Porquanto a primazia do formal estabelece a alternativa seguinte: a) a linguagem é pura forma e toda matéria ou substância é irrelevante, b) a delimitação da forma é apenas anterior à investidura do significado e aquela delimitação se faz pari passu com a consideração de sua substância . Na primeira posição, de certo modo se inclui a linguística norte-americana de linha bloomfieldiana, onde, se o significado aparece como irrelevante, a ideia de forma contudo se confunde com o empiricamente dado. Plenamente, ao invés, nela se inclui o pensamento do linguista dinamarquês L. Hjelmslev, muito embora seguidores seus, como Malmberg, possam adotar uma postura moderada. — Na segunda posição, pelo contrário, se incluem investigadores como Trubetzkoy, Jakobson , Martinet e Coseriu. Implícita à escolha de um dos dois rumos é, respectivamente, a ruptura ou o enlace das abordagens fonética e fonológica. Entretanto, qualquer que seja a decisão dos analistas, o fato é ser a partir de Hjelmslev que o problemas das relações entre ‘forma’ e ‘substância’ adquiriu sua formulação consistente. O tratamento por ele apresentado, ademais, permite a projeção do conceito além dos estritos limites da linguística. — A partir das ideias saussurianas de significante e significado, Hjelmslev desenvolve as categorias de plano da expressão e plano do conteúdo. Cada um destes pianos contém um estrato de forma e um estrato de substância. Donde escrevermos:
plano da expressão — forma
plano da expressão — substância
plano do conteúdo — forma
plano do conteúdo — substância
Apenas para se compreender o que sejam os dois planos, consideremos a frase A maçã é boa. O piano do conteúdo corresponde ao conjunto que é enunciado, ao passo que o da expressão corresponde à sua transcrição fonética.
Plano do conteúdo A maçã é boa
Plano da expressão /A masa(n) e bo:a/
Agora detalhando: a forma do plano do conteúdo é dada pelas regras de concordância entre o sujeito e o verbo (concordância de número e pessoa) e entre adjetivos e substantivo que os determino (concordância em gênero e número). Já a substância é dada pelo sentido “positivo” (nocional) que é transmitido. Passemos ao plano da expressão. Sua forma é fornecida pela análise dos fonemas aí presentificados, considerando-se suas oposições, posições e graus de frequência. A substância do plano da expressão é fornecida pela análise fonética (transcrição acima), que considera a matéria sonora que realiza as operações fonológicas. Acrescente-se: segundo Hjelmslev, ambas as “substâncias” são extralinguísticas, pois as mesmas formas podem-se manifestar por substâncias diversas, como a escrita ou a fala. Encarando-se do ponto de vista da comunicação, porém, é importante considerar com Malmberg que “a comunicação não fica estabelecida até que a sequência linguística de elementos discretos tenha sido de novo relacionada com uma substância de conteúdo que, por motivos evidentes, nem sempre é — quase nunca pode ser — idêntica a que o sujeito emissor intencionava quando enviou a sua mensagem”. (Luiz Carlos Lima – DCC)