O peripatetismo tem sobre esta questão fundamental uma doutrina bem fixada, cujo valor parece permanente. Para Aristóteles, o mundo da natureza era, antes de tudo, o da mudança perpétua ou da mutabilidade. Para dar toda sua significação a esta forma de consciência inicial, conviria evocar as concepções dos primeiros físicas gregos que foram muito sensíveis a esta renovação contínua da qual o universo parece ser o teatro. “Tu não te banharás duas vezes no mesmo rio”, “Tudo passa”, proclamou o sábio Heráclito. Sobre este aspecto, o Estagirita exprime apenas uma opinião que antes dele era comum: o ser da natureza em sua essência mesma é mutação.
O filósofo da natureza não conceberia portanto ter para sua ciência um objeto formal, subjectum lógico mais adequado que o ser considerado sob a razão mesma da mutabilidade: o que a escolástica chamará ens mobile. S. Tomás dirá (Fís., I, 1. 1):
” … das coisas que dependem da matéria, não somente quanto a seu ser, mas também quanto a sua noção, trata a filosofia da natureza, chamada também pelo nome de física. E como o que é material é de si móvel, segue-se que o ser móvel é o sujeito da filosofia da natureza”.
“… de his vero quae dependunt a materia non solum secundum esse, sed etiam secundum rationem, est naturalis quae physica dicitur. Et guia hoc quod habet materiam mobile est, consequens est quod ens mobile sit subjectum naturalis philosophiae”.
Neste importante texto, S. Tomás liga esta “mobilidade” que determinou formalmente o objeto da filosofia da natureza, ao caráter material dos, seres que ela considera: como tal, o ser material é mutação, enquanto que, ao inverso, o ser imaterial aparecerá imóvel. Deve-se observar logo que “móvel”, da mesma forma que “movimento”, devem ser entendidos em peripatetismo num sentido muito largo: designam, no mundo da natureza, toda espécie de mutabilidade ou de mutação possível.
A física de Aristóteles pode ser dividida em dois grandes conjuntos. O primeiro, que corresponde aos oito livros da Física, trata do ser móvel em geral. O segundo, que compreende todas as outras obras, tem como objeto o estudo dos movimentos e dos móveis particulares. Esta evolução do pensamento, indo dos dados comuns às considerações mais especiais, se justifica por si mesma, uma vez que se trata de apresentar metodicamente uma doutrina.
A organização interna de cada uma dessas partes, sobretudo da segunda, dá lugar a controvérsias. Eis, em todo caso, como, em seu comentário da Física, S. Tomás o entendeu.
A física do ser móvel em geral compreende dois estudos: o do próprio ser móvel, Física I-II, e do movimento, Física III-VIII.
A física dos movimentos e dos móveis particulares se subdivide de acordo com os principais tipos de mudanças e de móveis. Assim, o De Coelo trata dos seres da natureza enquanto sujeitos à primeira espécie de movimento, o movimento local. O De Generatione estuda, por sua vez, o movimento com relação à forma, geração–corrupção, alteração, aumento-diminuição, e os “primeiros móveis”, quer dizer, os elementos do ponto de vista de suas transmutações comuns; do ponto de vista de suas transmutações particulares, esses mesmos elementos são objetos dos Meteorológicos. Os outros livros tratam dos “móveis mistos”: “mistos inanimados” no De mineralibus; “mistos animados” no De Anima e as obras que se lhe seguem. (Cf. infra, Texto I, p. 101) . [Gardeil]