Vamos agora presenciar o espetáculo de um filósofo eleático, discípulo de Parmênides, a esmiuçar a filosofia de seu mestre. Este discípulo, a quem nos vamos referir, é muito famoso. É Zenão, da cidade de Eleia. É muito famoso na história da filosofia grega. Compartilha em absoluto os princípios fundamentais do eleatismo, dessa filosofia que acabamos de descrever em poucas palavras. Compartilha-a mas vamos surpreendê-lo nos pormenores de suas afirmações.
Zenão preocupou-se durante toda a sua vida muito especialmente em demonstrar em detalhe que o movimento que existe, com efeito, no mundo dos sentidos, nesse mundo sensível, nesse mundo aparencial (v. aparência), ilusório, é ininteligível, e, visto que é ininteligível, não é. Em virtude do princípio eleático da identidade do ser e do pensar, aquilo que não se pode pensar não pode ser. Não pode ser mais que aquilo que se pode pensar coerentemente, sem contradições. Se, pois, a análise do movimento nos conduz à conclusão de que o movimento é impensável, de que ao pensarmos nós o movimento chegamos a contradições insolúveis, a conclusão é evidente: se o movimento é impensável, o movimento não é. O movimento é uma mera ilusão de nossos sentidos.
Zenão de Eléla propõe-se a polir uma série de argumentos incontrovertíveis que demonstram que o movimento é impensável; que não podemos logicamente, racionalmente, pensá-lo, porque chegamos a absurdos.
Com esse método de paradigma constante, de exemplificação constante que empregam os gregos, como Platão, e que Aristóteles usará mais tarde, Zenão exemplifica também seus raciocínios. É além disso, com este gosto que têm os gregos — entre artistas e sofistas — de chamar a atenção e de encher de admiração os ouvintes, Zenão se colocava diante dos seus amigos, dos seus ouvintes, e lhes dizia: “Vou demonstrar-lhes uma coisa: se vocês colocarem Aquiles a disputar uma corrida com uma tartaruga, Aquiles não alcançará jamais a tartaruga, se derem vantagem a esta na saída.” Aquiles, relembremos, é o herói a quem Homero chama sempre ocus podas, ou seja, veloz dos pés, o melhor corredor (que havia na Grécia, e a tartaruga é animal que se move com muita lentidão. Aquiles dá uma vantagem à tartaruga e fica uns quantos metros atrás. Digam-me: quem ganhará a carreira? Todos respondem: “Aquiles em dois pulos passa por cima da tartaruga e a vence.” E Zenão diz: “Estão completamente enganados. Vocês o vão ver. Aquiles deu uma vantagem à tartaruga; logo, entre Aquiles e a tartaruga, no momento de partir, há uma distância. Começa a carreira. Quando Aquiles chegar ao ponto onde estava a tartaruga, esta terá caminhado algo, estará mais adiante e Aquiles não a terá alcançado ainda. Quando Aquiles chegar a este novo lugar em que agora está a tartaruga, esta terá caminhado algo, e Aquiles não a terá alcançado porque para alcançá-la será mister que a tartaruga não avance nada no tempo que necessita Aquiles para chegar onde ela estava. E como o espaço pode ser dividido sempre num número infinito de pontos, Aquiles não poderá jamais alcançar a tartaruga, embora ele seja, como diz Homero, ocus podas, ligeiro de pés, e, ao contrário, a tartaruga seja lenta e sossegada.” Os gregos riam-se ouvindo estas coisas, porque gostavam imensamente dessas brincadeiras. Riam-se muitíssimo e talvez dissessem: está louco. Mas não compreendiam o sentido do argumento. Nas filosofias gregas posteriores, conforme nos narra Sexto Empírico, Diógenes demonstrou o movimento andando, se pôs a andar, e assim acreditou ter refutado a Zenão. Ilusões! E que não compreendeu o sentido do argumento de Zenão. Zenão não diz que no mundo sensível de nossos sentidos não alcance Aquiles a tartaruga; o que quer dizer é que se aplicarmos as leis do pensamento racional ao problema do movimento, simbolizado aqui por esta carreira pedestre, verificaremos que as leis do movimento racional são incapazes de fazer inteligível o movimento. Por que que é o movimento? O movimento é a translação de um ponto no espaço, ponto que passa de um lugar a outro. Ora; o espaço é infinitamente divisível. Um pedaço de espaço, por pequeno que seja, ou é espaço ou não o é. Se não o é, não falemos nisso; estamos falando do espaço. Se é espaço, então é extenso; por pouca que seja sua extensão, é algo extenso, porque, se não fosse extenso, não seria espaço. E se é extenso, é divisível em dois. O espaço é, pois, divisível num número infinito de pontos. Como o movimento consiste no trânsito de um ponto do espaço a outro ponto do espaço, e como entre dois pontos do espaço, por próximos que estejam, há uma infinidade de pontos, resulta que esse trânsito não pode realizar-se senão num infinito de tempo, e se faz ininteligível.
O que queria demonstrar Zenão é que o movimento, pensado segundo o princípio de identidade — o ser é, e, o não-ser não é — resulta ininteligível. E como é ininteligível, é preciso declarar que o movimento não pertence ao ser verdadeiro, como dizem os gregos, ao ontos on, ao que é verdadeiro.
A Platão convenceu o argumento de Zenão; tanto, que, como veremos mais adiante, na solução que dá ao problema da metafísica, Platão elimina o movimento do mundo inteligível e o deixa reduzido, como os eleáticos, ao mundo sensível, ao mundo da aparência.
Nas histórias da filosofia mais amplas podem ser encontrados outros dois famosos argumentos do estilo desse de Aquiles e a tartaruga. São o argumento da flecha e o argumento dos carros que correm no estádio. O primeiro argumento consiste em que uma flecha voando pelo ar não está em movimento mas em repouso. Compreende-se facilmente como se pode demonstrar isto: simplesmente partindo da tese de Zenão. O outro argumento consiste em que dois carros, que se perseguem no estádio, não se alcançam nunca. É exatamente o argumento de Aquiles e a tartaruga, referido a outros objetos, de modo que não vale a pena insistir sobre isto. [Morente]