fantasmologia

Nós, modernos, talvez pelo hábito de ressaltarmos o aspecto racional e abstrato dos processos cognoscitivos, há bom tempo deixamos de nos maravilhar com o misterioso poder da imagem interior desse inquieto povo de “mestiços” (conforme o chamará Freud), que anima os nossos sonhos e domina a nossa vigília talvez mais do que estejamos dispostos a admitir. Dessa maneira, não se torna fácil admitirmos imediatamente a obsessiva e quase reverencial atenção que a psicologia medieval reserva à constelação fantasmológica aristotélica que, dramatizada e enriquecida pelas contribuições do estoicismo e do neoplatonismo, ocupa um lugar central no firmamento espiritual da Idade Média. Nesse processo exegético, no qual a Idade Média esconde uma de suas mais originais e criativas intenções, o fantasma polariza-se e se converte em lugar de uma experiência extrema da alma, na qual ela pode elevar-se até ao limite deslumbrante do divino, ou então precipitar no abismo vertiginoso da perdição e do mal. Isso explica por que época alguma foi, ao mesmo tempo, tão “idólatra” e tão “iconoclasta” quanto a que via nos fantasmas “a alta fantasia” a que Dante confia a sua visão suprema e, contemporaneamente, as coptationes malae que, nos escritos patrísticos sobre os pecados capitais, atormentam a alma do acidioso, a mediadora espiritual entre sentido e razão, que exalta o homem, ao longo da escada mística de Jacó, referida por Hugo de São Vítor, e as “vãs imaginações” seduzindo o ânimo para o erro, o que Santo Agostinho reconhece no desvio maniqueu dele mesmo. [AgambenE:138]