fantasia

(gr. phantasia; in. Fancy; fr. Fantaisie; al. Phantasie; it. Fantasia).

1. O mesmo que imaginação.

2. A partir do séc. XVIII o uso simultâneo dos termos F. e imaginação favoreceu a distinção dos significados, e F. começou a indicar a imaginação desregrada ou desenfreada. Já na Lógica de Port-Royal diz-se que a imaginação é “a maneira de conceber as coisas mediante a aplicação do nosso espírito às imagens que estão pintadas no nosso cérebro” (o que é um conceito cartesiano exposto na Regula XII), e essas imagens, que são as ideias das coisas, distinguem-se das imagens “pintadas na fantasia” (I, 1). Em outros termos, contrapõem-se as imagens que são ideias, próprias da imaginação, às imagens fictícias, próprias da fantasia. Analogamente, Kant dizia que a F. é “a imaginação que produz imagens sem querer”, donde “fantasista” é a pessoa que se habituou a julgar tais imagens como experiências internas ou externas (Antr., I, § 28). E observava: “Muitas vezes gostamos de brincar com a imaginação, mas a imaginação, que é F., frequentemente também brinca conosco, e às vezes com mau gosto” (Ibid., § 31, a). Nesse sentido, a F. é a imaginação desregrada e desenfreada. Este é um dos significados dessa palavra até hoje, sobretudo na linguagem comum.

3. Ao lado desse significado, o romantismo elaborou um outro, segundo o qual a F. é entendida como imaginação criadora, diferente, em qualidade mais do que em grau, da imaginação reprodutora comum. Nesse sentido, Hegel via a F. como “imaginação simbolizadora, alegorizadora e poetante”, logo “criadora” (Enc., §§ 456-57). Os românticos exaltaram a F. assim entendida. Para Novalis, ela é “o máximo bem” (Fragmente, 535). “A F.”, dizia ele, “é o sentido maravilhoso que em nós pode substituir todos os sentidos. Se os sentidos externos parecem submeter-se a leis mecânicas, a F. evidentemente não está ligada ao presente nem ao contato de estímulos anteriores” (Ibid., 537). Desse modo, o caráter desordenado ou rebelde da imaginação fantasiosa, em virtude do qual essa forma de imaginação parecia inferior às outras no séc. XVIII, no séc. XIX passa a ser elemento positivo, um mérito, uma característica da liberdade criadora. A estética romântica ateve-se a essa valorização da fantasia. Croce diz: “A estética do séc. XIX forjou a distinção, encontrada em não poucos dos seus filósofos, entre F. (que seria a faculdade artística peculiar) e imaginação (que seria faculdade extra-artística). Acumular imagens, selecioná-las, esmiuçá-las, combiná-las, pressupõe a produção e a posse de cada uma das imagens pelo espírito; a F. é produtora, enquanto a imaginação é estéril, apta a combinações extrínsecas, mas não a gerar o organismo e a vida” (Breviario di estética, 1913, pp. 35-36). Em sentido análogo, Gentile chamava de F. a atividade artística como puro sentimento ou “forma subjetiva inatual” do espírito (Fil. dell’arte, § 5). Mas, nesse significado romântico, a F. deixa de ser uma atividade ou uma operação humana, definível ou descritível nas suas possibilidades e nos seus limites, para, como manifestação de atividade infinita, tornar-se ela também infinita, situando-se portanto além de qualquer possibilidade de análise e de verificação. Trata-se, em outros termos, de conceito mágico-metafísico que não pode ser utilizado fora do clima romântico que o criou ou privilegiou. [Abbagnano]


Ou imaginação é a faculdade de unir livremente conteúdos representativos. Nisto se diferencia da memória. Extrai seu material das recordações, mas combina-o livremente em ordem a constituir novas formas; todavia, no exercício de sua atividade, está intimamente ligada às leis da associação, como também à esfera do sentimento e das tendências. Pelo contrário, pela direção livre ou passiva, da atenção, fica posta ao serviço da atividade criadora da mente. Assinalamos principalmente a importância da fantasia na consciência onírica, no jogo, nas fábulas e nos mitos, e em todo pensamento criador.

A fantasia onírica (no sonho) oferece, em primeiro lugar, à consciência um jogo de imagens aparentemente desordenado e sem sentido, ao qual falta em máximo grau a direção do pensamento lógico e do livre querer, e no qual podem interferir leis elementares da associação e do instinto; de sorte que a fantasia própria do sonho carece da organização unitária e da direção teleológica do trabalho realizado durante o estado de vigília; contudo a fantasia própria do sonho pode também conduzir a produtos valiosos, p. ex., à solução de problemas, à composição de poesias, a inspirações. A psicologia da profundidade procura, além disso, encontrar um sentido mais profundo no jogo imaginativo aparentemente absurdo dos sonhos. As fantasias oníricas consideram-se então como símbolos que facultam ao intérprete hábil conhecer o âmago inconsciente da personalidade, bem como as direções da atividade psíquica ainda não tornadas conscientes. Sem dúvida, as ideias medulares de semelhante concepção, legitimada pelo manejo moderado e prudente delas, têm sido, não raro, desmedidamente distendidas por um exclusivismo forjador de construções apriorísticas e por elucubrações francamente quiméricas, mas nem por isso devem tais ideias ser rejeitadas. — A fantasia atuante no jogo combina, de maneira peculiar, o capricho com a fixação de regras. Esta atividade imaginativa manifesta, além do impulso natural para o “exercício de funções”, a necessidade que, juntamente com o trabalho sério, fixador unilateral das forças, a alma humana tem de ilusão criadora que, a um tempo, relaxa, forma, e preenche a vida espiritual. — A fantasia das fábulas e mitos patenteia não só determinadas relações de seus motivos com a idade de desenvolvimento do homem individual, como também rasgos característicos notavelmente parecidos nos diversos povos e épocas, ao ponto de se haver presumido que em seu jogo atuava um “inconsciente coletivo”, não no sentido de algo real super-individual, mas antes como tendência fundamental inconsciente e uniforme, ínsita nos homens de todos os tempos e povos, para produzir certas formas de jogo da fantasia.

A fantasia desempenha seu papel mais importante como fantasia criadora ao serviço do pensamento produtivo, nas “inspirações” de ordem científica, artística, técnica, religiosa, etc. Todo pensamento neo-criador, requer no homem, de maneira natural, o auxílio da imaginação com suas representações do fim e sua inventiva liberdade de movimentos. Tendências determinantes, provenientes da consciência do tema, fazem surgir de múltiplas maneiras nas proximidades da consciência complexos representativos a êle acomodados e desse modo os tornam mais facilmente reprodutíveis. Na combinação de tais complexos, esquemas antecipadores de soluções e de novos conhecimentos, surge, numa frequentemente quase repentina “complementação de complexos”, um novo e insuspeitado conteúdo cognoscitivo. Evidentemente, a “ocorrência” assim “inspirada” deve ser, em seguida, examinada pelo pensamento relacional lógico, porque, no jogo da fantasia, o irracional pode produzir tanto resultados defeituosos como geniais. — Se uma fantasia exuberante e desordenada apresenta escasso valor no conjunto da personalidade, o fomento contínuo e prudente de uma fantasia rica e sadia, tanta psicológica como eticamente, é valioso e importante para o desenvolvimento da vida intelectual. WlLLWOLL [Brugger]


Nem sempre se torna fácil distinguir o conceito de fantasia do de imaginação. Entenderemos por fantasia a atividade da mente – tal como foi entendida na antiguidade e na idade média – que produz imagens. Para Platão a fantasia é a representação que surge do aparecer, e neste sentido contrapõe- se ao conhecimento do ser ou realidade. As aparições são as sombras e reflexos produzidos pelas coisas verdadeiras (República). Segundo parece, Platão tendeu para considerar a fantasia como uma manifestação da opinião, que engendra simples imagens em vez de produzir formas ou ideias, mas é difícil encontrar em Platão uma teoria sistemática da fantasia, apesar das numerosas passagens em que trata do conceito de fantasia. Tal teoria encontra-se em Aristóteles. Segundo este autor, a fantasia não pode ser equiparada nem com a percepção nem com o pensamento discursivo, embora não haja fantasia sem sensação, nem juízo sem fantasia. A fantasia tem a sua origem no nosso poder de suscitar imagens, mesmo quando não se encontra imediatamente presentes os objetos ou fontes das sensações. Por isso a fantasia não equivale à “mera opinião”. Nesta última há crença e convicção, ao passo que na fantasia não as há. Os produtos da fantasia permanecem nos órgãos dos sentidos e parecem-se com as sensações, mas não se equiparam simplesmente com estas. Por outro lado, a fantasia não é um mero substituto da sensação; é menos substitutiva que antecipadora. Cada fantasia é uma representação em potência ou ideia atualizável por intermédio da percepção. Resumindo, a fantasia é a faculdade de suscitar e combinar representações e de dirigir deste modo uma parte da vida do ser orgânico possuidor de apetites. Os estoicos desenvolveram o conceito de fantasia sob o aspecto da distinção entre aparências (ou representações) verdadeiras e falsas. Há dois tipos de representações verdadeiras: as causadas por objetos existentes que produzem uma imagem correspondente ao objeto, e as causadas por objetos de um modo externo e fortuito. As primeiras representações contêm em si o sinal da verdade e o critério de verdade, dando origem às fantasias que se chamaram compreensivas. As segundas representações não contêm em si tal sinal nem constituem tal critério e dão origem às fantasias não compreensivas. As primeiras são a base do assentimento reflexivo e do conhecimento no sentido próprio; as segundas não desembocam em conhecimento, mas sim apenas em opinião. Alguns autores posteriores influenciados pela opinião da tradição neoplatônica consideraram que a fantasia era uma atividade de natureza intelectual, ao passo que outros, como é o caso de Santo Agostinho, admitiram que a fantasia era uma potência anímica de caráter inferior, mais vinculada à sensibilidade que ao entendimento. Os escolásticos, especialmente os de tendência tomista discutiram uma questão que ocupou largamente muitos autores modernos: a de saber se a fantasia é meramente receptiva ou reprodutora ou se é, nalgum sentido, produtiva. [Ferrater]